A Câmara de Monchique vai comprar um castelo…em Alferce

Escritura de venda dos terrenos no cimo do cerro vai ter lugar em breve

O momento da assinatura, sob o olhar atento de todos – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«É pá, isto é um dia histórico! Estou mesmo feliz!» dizia Fábio Capela, o jovem arqueólogo municipal de Monchique, com um sorriso largo no rosto. «O que vale é que Monchique tem o único presidente de Câmara algarvio com formação em arqueologia», comentava Rui André, o autarca em fim de mandatos, também a sorrir.

Numa mesa colocada junto à muralha milenar do Castelo de Alferce, que tem vindo a ser posta a descoberto por sucessivas campanhas arqueológicas, o ainda presidente da autarquia monchiquense sentou-se com o senhor Diamantino Augusto, sob o olhar atento de quatro arqueólogos, um voluntário, a jurista da Câmara, a secretária do edil e uma jornalista, para um momento realmente histórico.

Tratou-se da assinatura do contrato de compra e venda dos cerca de 6 hectares de terreno onde se situa o Castelo de Alferce. São 59.120 metros quadrados de terras no alto do cerro, no sítio da Portela da Pedra Branca, que, além das ruínas arqueológicas, tem ainda muitos sobreiros, alguns eucaliptos e outras árvores.

O terreno, cuja escritura de venda deverá ser feita num prazo máximo de 90 dias, custará à Câmara de Monchique 25 mil euros, ficando o seu anterior proprietário, o senhor Diamantino, de 75 anos, com o direito a, enquanto for vivo, «gerir o prédio, cortando as árvores, tirando a cortiça, fazendo a manutenção geral», como explicou ao Sul Informação a jurista municipal, Jéssica Calixto. O valor de venda foi apurado após uma avaliação oficial.

 

Rui André cumprimenta o senhor Diamantino – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Depois de assinar o contrato e do já habitual cumprimento pandémico com um toque de punho fechado, o presidente da Câmara fez questão de sublinhar «a grande disponibilidade que sempre houve da parte do Senhor Diamantino», que se interessou por «ver este espaço estudado e valorizado». É que, acrescentou Rui André, talvez a lembrar-se dos restantes donos da área de 9 hectares classificada no cerro do Castelo de Alferce, «geralmente os proprietários têm uma atitude ao contrário, de dificultar e arranjar problemas».

O autarca fez ainda votos para que, «no futuro, o nome do Senhor Diamantino fique sempre associado a este espaço e a este projeto».

Tendo em conta o preço acordado para a venda dos 6 hectares, «baixo para aquilo a que se poderia chegar num negócio normal», Rui André frisou que isso «só mostra que o interesse do Senhor Diamantino não era ganhar dinheiro», mas sim que «este espaço seja valorizado para o interesse da freguesia, do concelho e do país». «Foi um gesto nobre ao abdicar do seu interesse pessoal».

Mais tarde, o arqueólogo Fábio Capela, emocionado, haveria de dizer: «se todas as pessoas fossem como o Senhor Diamantino, vendo isto como um bem comum, o mundo seria um local melhor!»

 

A jurista, o autarca e os arqueólogos com o Senhor Diamantino – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Agora que está a terminar os três mandatos consecutivos à frente da Câmara de Monchique, não se podendo recandidatar, o edil recordou o esforço que o município fez ao contratar um arqueólogo para os seus quadros. «Quando aqui cheguei, não havia arqueólogo na Câmara. O Fábio [Capela] um dia veio ter comigo para saber se não queríamos editar um livro com a tese dele de mestrado, que é sobre o Castelo de Alferce, a sua grande paixão. Mas eu disse-lhe: tu tens é que vir trabalhar connosco».

«Ficas na Câmara, vais cuidar do teu futuro e do nosso passado, disse-lhe eu. E cá estamos! Agora já se juntou, nestas escavações, o Humberto [Veríssimo], que é de Marmelete», que está a fazer o seu doutoramento em zooarqueologia na Universidade do Algarve.

Por isso, defendeu Rui André, «não há razão para este projeto parar no futuro». Para mais porque a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional já aprovou um outro projeto, que inclui a criação de um Centro Interpretativo na aldeia do Alferce, que fica ali bem perto, com um percurso a pé a ligar ao cerro do castelo, a valorização das ruínas e ainda a colocação de painéis informativos no sítio arqueológico.

Visivelmente contente, o Senhor Diamantino foi espreitar o que os arqueólogos têm andado a fazer na campanha de escavações que está a decorrer no cerro, até ao fim de Agosto. «Estou contente com isto. Por isso, venho aqui muitas vezes», disse.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

O que é o castelo de Alferce?

O Cerro do Castelo de Alferce é um povoado fortificado que ocupa uma elevação rochosa com 487 metros de altitude máxima. O sítio arqueológico é composto por três recintos amuralhados não concêntricos, devendo realçar-se que o vulgarmente chamado Castelo de Alferce corresponde ao recinto fortificado superior.

Além da ocupação islâmica-omíada, dos séculos IX-XI d.C., este cerro tem também vestígios arqueológicos de fases recentes da Pré-História, nomeadamente enquadráveis no Calcolítico e na Idade do Bronze, períodos que decorreram respetivamente no III e no II milénios a.C, ou seja, entre 5 mil e 4 mil anos atrás. Constata-se, assim, que este local foi ocupado por diferentes comunidades humanas e em distintos momentos civilizacionais.

Até ao final de Agosto, há uma campanha arqueológica a decorrer no local. Na última semana do próximo mês. deverá haver um dia aberto, para que a população possa subir ao cerro e conhecer o trabalho dos investigadores.

 



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