A Fe₿re do Ouro

Estamos a atravessar uma fase deveras interessante de desenvolvimento e adoção dum sistema monetário inovador

A afamada “Febre do Ouro” refere-se a um período carismático da história mundial, protagonizado em 1848, no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA). Traduziu-se num influxo de pessoas à procura da sua quota parte de ouro, após terem sido descobertas enormes reservas em Sutter’s Mill.

Estima-se que 300.000 pessoas se tenham deslocado para as imediações do local durante o período da “Febre do Ouro”. Em agosto de 1848, havia 4.000 mineiros na área, e tal era o interesse e a expectativa de resultados promissores que, em 1853, o número de mineiros havia multiplicado 62,5 vezes para 250.000 mineiros. Durante a “Febre do Ouro”, foram extraídas cerca de 340 toneladas de ouro.

Nos tempos modernos, a “Febre” continua, mas agora o ouro tem outro nome: Criptomoeda.

Estamos perante a “Febre das Criptomoedas”, com a Bitcoin e a Ethereum no palco principal, e centenas de outras “altcoins” (criptomoedas alternativas) a lutar para conseguir um lugar de relevo na ribalta.

Falemos de dinheiro.

Dinheiro, hoje em dia, é um pedaço de papel ou metal (moedas) ou, muitas vezes, apenas um número num ecrã, que representa um determinado valor associado, e que é aceite nas trocas comerciais na sociedade, seja na forma de Euros, Dólares, Ienes, Rublos, etc.

Em tempos não muito distantes, porém, as transações comerciais eram efetuadas por recurso a minerais raros, que eram aceites como forma de pagamento. Também o sal foi amplamente utilizado como pagamento em tempos romanos, daí o termo “salário”. Mais tarde, o ouro, como mineral raro, foi reconhecido e aceite como forma de pagamento.

Pagamentos, durantes vários séculos, foram efetuados com recurso a ouro ou a moedas de ouro, cujo valor era representado pelo seu peso.

Mais tarde, foi introduzido o papel-moeda, como medida inovadora para facilitar as trocas comerciais, sendo o valor do papel-moeda integralmente refletido em determinado peso em ouro, que, por sua vez, estava guardado nos cofres dos bancos – o papel representava uma quantidade em ouro.

Seguidamente, temos o sistema monetário de Moeda Fiduciária, que atualmente é utilizado, onde o papel-moeda, em si, não tem nenhum valor intrínseco, nem representa nenhuma quantidade em ouro, e foi introduzido em larga medida devido à manifesta escassez do mineral e face a graves preocupações quanto à rutura do sistema representativo em ouro.

O seu valor é determinado pelo jogo da oferta e procura nos mercados internacionais (i.e. muita procura por Euros, não havendo introdução de mais unidades de moeda em circulação, fará o seu valor aumentar; ou por outro lado, se a procura se mantiver constante e forem introduzidas mais unidades em circulação, o seu valor irá diminuir) e as taxas de câmbio emitidas por entidades governamentais.

Ora, é sabido que o dinheiro de transação com sucesso tem seis características fundamentais: escassez, divisibilidade, utilidade, transportabilidade, durabilidade e potencial de falsificação.

Considerando os atributos da tecnologia utilizada e da forma de operacionalidade das principais criptomoedas, temos que cumprem em larga medida estas características, colocando-as num plano em que as favorece no sentido de ocupar um lugar de relevo na esfera económica internacional, como meio de pagamento.

Por conseguinte, e assumindo as criptomoedas características que levam muitos a conotá-las com o termo de “moeda livre”, e já que não dependem de instituições internacionais para controlar as transações (finanças descentralizadas), são vistas como a solução do futuro para o sistema monetário internacional.

E, como tal, a nova “Febre do Ouro” está a ser personificada pela criptomoeda Bitcoin e Ethereum (as duas vistas com maior potencial de se tornarem a referência internacional devido à tecnologia que utilizam).

Outras moedas alternativas como a Doge (inicialmente criada em jeito de piada), mas que, graças a figuras como Elon Musk ou Mark Cuban, que se interessaram pelo projeto e estão a mover esforços para melhorar a tecnologia para que possa ser, de facto, utilizada para transações, fazem com que o interesse despoletado a nível internacional por criptomoedas tenha crescido a um ritmo vertiginoso nos últimos três anos.

Mais: há cada vez mais negócios (cafés, restaurantes, estádios, serviços, etc.) a aceitar pagamentos em criptomoeda e, para consubstanciar e, francamente, sedimentar a sua definitiva adoção, temos o facto de inclusivamente governos, tais como EUA, Rússia, China (entre outros), estarem a desenvolver a sua própria forma de criptomoeda (“Govcoins”).

Não quer isto dizer que as moedas governamentais venham a ser adotadas, mas é sim, francamente, um forte reflexo da importância deste novo sistema monetário, que está a causar impacto de tal ordem que governos de potências internacionais se viram impelidos a desenvolver algo similar, numa tentativa de manter algum controlo sobre a política monetária interna. O futuro dirá se vão, ou não, ter sucesso.

Facto é que as criptomoedas vieram para ficar. Estamos a atravessar uma fase deveras interessante de desenvolvimento e adoção dum sistema monetário inovador.

Entretanto, fico confiante e expectante quanto às novidades que o futuro nos trará e assisto com entusiasmo à mutação na esfera económica internacional.

Autor: Luis da Ponte é membro efetivo da Ordem dos Economistas.
É licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças Empresariais pela Universidade do Algarve e licenciado em Administração Pública pela Universidade do Minho.
Profissionalmente, é proprietário das empresas “VDP – Consultoria | Seguros”e “TSE Industrial”.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 



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