A agricultura é «um setor sexy para trabalhar e para investir» no Algarve

Uma das ideias que mais mais se ouve nas conversas de café – e de Facebook – é que a União Europeia matou a agricultura portuguesa. Mas será que isso é verdade? Não terá antes havido uma reinvenção da agricultura?


Luís Sabbo, de 36 anos, cresceu a ouvir os agricultores mais antigos «a lamuriar-se» por Portugal ter entrado na União Europeia. Afinal, de um momento para o outro, esses homens tiveram de repensar os seus negócios, para vingar num mercado aberto, ultra competitivo.

No entanto, este jovem empresário agrícola algarvio não hesitou, anos depois, em pegar na empresa familiar criada pelo pai e é hoje uma referência, não só a nível regional, mas também a nível nacional.

E esse caminho, iniciado há quase 14 anos, foi feito com apoios da União Europeia, aos quais o agricultor recorreu «sempre que possível».

Desde a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, em 1986, e ao longo dos anos – e das mudanças – que se seguiram, até ao presente, muito mudou em Portugal.

E se, num primeiro momento, os agricultores se sentiram lesados – «estavam habituados a ganhar mais, trabalhando muito menos» e sem sentir necessidade de evoluir -, as novas gerações adaptaram-se e encontraram o seu espaço num mercado global.

Hoje, há organizações de produtores que exportam produtos certificados e com Indicação Geográfica Protegida (IGP) para vários pontos do mundo, empresários agrícolas que prosperaram ao apostar em nichos e uma enorme evolução tecnológica e científica, relativamente aos anos 80.

 

Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas do Algarve, considera mesmo que, nos dias que correm,  a agricultura «é reconhecida como um setor sexy para trabalhar e para investir», muito graças ao uso de «tecnologia de ponta».

Este conhecimento é aplicado, por exemplo, ao nível da rega, mas também da fertilização, na colheita e na pós colheita, seja em culturas como os citrinos ou o abacate, seja nas estufas.

«No caso dos frutos vermelhos, o controlo é feito ao pé da plantinha. Aquela planta está a ser monitorizada em permanência 24 sobre 24 horas. Num abacateiro, é tudo controlado: a quantidade de água que é aplicada, a que horas é aplicada, é descontada a precipitação que cai, é descontado o teor de humidade que já existe no solo, é feito o cálculo em função do vento», descreveu Valadas Monteiro em entrevista ao Sul Informação, salientando que «quem fala em abacate, fala em citrinos».

«Tudo isto é controlado automaticamente por computadores. Nas linhas, nós temos sistema gota-a-gota, em que os aplicadores de água, à medida que a planta vai crescendo, vão sendo destapados, consoante as necessidades. É colocada a tela por causa das infestantes, para reduzir a aplicação de herbicidas, as folhas são analisadas para ver o teor de nutrientes que existe naquela folha e a adubação é calculada em função naquilo que já existe ou no solo ou na água ou na folha, e só se aplica aquilo que efetivamente faz falta, e depois tudo o resto», acrescentou.

E se há muita tecnologia na fase de produção, na pós-colheita a situação não é diferente.

«Quando passa pela central fruteira, há tapetes em que a fruta vai a uma velocidade brutal e está a ser observada num ângulo de 360 graus. São automaticamente vistos os defeitos na epiderme, o calibre, tudo… É logo calibrada», descreveu.

No Algarve, assegurou Pedro Valadas Monteiro, há tecnologia de ponta, com muitas das explorações agrícolas a usar «sondas, computadores, aplicação de drones e imagem de satélites», de modo a que, «com um smartphone, conseguem controlar tudo».

«Uma das nossas Organizações de Produtores, que tem uma central fruteira associada, nos concursos nacionais, fica sistematicamente em primeiro lugar», disse o diretor regional de Agricultura e Pescas.

 

Central de calibragem e embalamento de citrinos no Algarve – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Amílcar Duarte, professor e investigador na área das ciências agrárias da Universidade do Algarve, acredita que as condições para se fazer o tipo de agricultura que se faz, hoje em dia, no Algarve, são, em boa medida, fruto do trabalho realizado na UAlg e noutras universidades.

«Hoje temos uma agricultura muito evoluída, em Portugal, até mais do que noutros países da União Europeia», disse.

«No que toca à rega gota-a-gota de culturas permanentes, designadamente os pomares, a nossa cobertura, em termos de percentagem, é muito superior à de Espanha. Se compararmos com a Itália, então, é enorme», exemplifica o professor da UAlg.

Ou seja, «a nossa agricultura é tecnificada e ambientalmente muito sustentável».

Como se percebe, os fundos europeus ajudaram os produtores – que entretanto se organizaram e se juntaram em associações, ganhando escala -, a crescer.

Mas se estas ajudas são «sempre boas, quando vêm», não podem ser vistas como uma base para nenhum negócio, defendeu Luís Sabbo.

«As pessoas, por vezes, parecem não compreender bem isso e confundem um bocado para o que servem os apoios. Mais importante do que estas ajudas, é ter o conhecimento e a capacidade de fazer», acredita.

 

 

A empresa agrícola de que Luís Sabbo é proprietário e gerente explora «140 hectares de dióspiro, abacate, romã, abóbora, figo e limão em Tavira e Vila Real de Santo António».

No caso do dióspiro, este jovem agricultor algarvio foi não só pioneiro a apostar nesta cultura, mas também foi à procura de formas de inovar.

«De que forma é que eu, como agricultor, posso inovar? Posso inovar em técnicas de produção, ser mais eficiente a nível da água, ser mais eficiente nos fertilizantes, ter melhores técnicas de poda, conhecer e aprender mais sobre a fisiologia da planta para conseguir tirar a melhor rentabilidade dela. Mas, para isso,  é preciso ter conhecimento», algo que Luís Sabbo não desiste de obter, participando em formações, principalmente fora de portas.

«O dióspiro é a nossa referência. Foi o meu pai que começou com a cultura. Eu depois peguei no que estava e tenho desenvolvido. Tenho aumentado a produtividade para valores bastante interessantes, tenho melhorado a qualidade da fruta. Olhando para o passado e olhando para hoje, temos mais produtividade, menos perdas, melhores resultados em termos de produção», disse.

O conhecimento ganho permitiu a esta empresa introduzir em Portugal «a técnica do dióspiro duro», que funciona «com câmaras para controlar a temperatura, utilizando CO2» e se revelou uma vantagem competitiva.

Outra coisa que é importante «é o mercado», nomeadamente conseguir «trazer um produto que o mercado absorva. Isso muitas vezes requer muita adaptação e jogo de cintura».

«Muitas vezes, há produtos que funcionam bem num determinado mercado, mas não funcionam noutro, como, por exemplo, a romã. Há algumas variedades que funcionam bem num tipo de mercado e outras variedades que funcionam noutro. É preciso fazer um estudo de mercado, é preciso saber como funciona o mercado onde queremos vender, para escolher o produto que vamos lá pôr», acredita.

 

 

Como se vê, inovação e empreendedorismo não faltam, no Algarve, no setor da agricultura. Mas, se este é um setor tão «sexy», porque razão continua a ser difícil atrair os jovens para este setor?

O motivo, acredita o diretor regional de Agricultura e Pescas, é o mesmo que leva a que a procura «de todos os cursos de engenharia tenha descido de uma maneira brutal neste país».

«De um momento para o outro, a juventude acordou e disse: “eu quero ser um trabalhador de colarinho branco”; “ eu quero dedicar-me à gestão, eu gosto de marketing, de ciências da comunicação, informática, etc, etc, eu não quero aquele trabalho que implica ir para o campo, estar numa obra, sujar as mãos, tratar do posto de transformação, qualquer coisa que seja fora do gabinete. Eu quero é trabalhar no gabinete”», acredita Pedro Valadas Monteiro.

E é mesmo de desinteresse da parte dos mais jovens que falamos, no que à procura pelo curso de Agronomia da UAlg diz respeito.

Isso leva Amílcar Duarte a considera que «esta coisa da agricultura ser sexy é um bocado relativo». «Se, por um lado, as pessoas mais adultas e quem está mais bem informado se sente mais atraído por esta área,  no que aos jovens diz respeito, nomeadamente aos que ainda estão no Secundário, isso não é verdade», disse.

Isto explica que o curso de Agronomia da UAlg tenha «mais alunos que vêm tirar segundas licenciaturas e que pedem transferência de outros cursos do que alunos que vêm do Secundário, através do Regime Geral de Acesso».

«Em termos de programas escolares, o que tem sido privilegiado tem sido a saúde e a biologia humana e a biologia vegetal e o conhecimento sobre as plantas tem sido muito secundarizado. E quando se fala da agricultura, até se tem tendência em falar numa parte negativa, nomeadamente o impacto ambiental que esta atividade tem e na poluição que causa», acredita.

Para Amílcar Duarte, esta generalização, para além de «injusta», é muitas vezes baseada «em desinformação».

Desta forma, na visão desta professor da UAlg, ainda é necessário percorrer algum caminho até que a agricultura seja vista por todos, principalmente pelos mais jovens, como um “setor sexy”.

«Antes, esta atividade era vista como sendo pouco nobre. Hoje, quero crer que já não é assim, embora não possa dizer que não é de todo assim. Penso que ainda não podemos dizer que a agricultura é vista como uma área prestigiante», rematou o professor da UAlg.

 

 

A Europa paga aos agricultores para não produzirem? MITO!

A Política Agrícola Comum (PAC) foi criada para proporcionar aos cidadãos da UE alimentos a preços acessíveis e garantir um nível de vida equitativo aos agricultores. Passados 50 anos, estes objetivos mantêm-se válidos.

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Nota: Este artigo tem o apoio da Representação em Portugal da Comissão Europeia e integra uma série de artigos a publicar sobre a situação da Agricultura e das Pescas, e setores com elas relacionados, no Algarve.

 

 

 



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