Sem abrigo ganham um lar em duas novas residências partilhadas de Tavira

Tavira implementou uma estratégia para ajudar os sem abrigo que tirou dezenas de pessoas da rua em cerca de dois anos

Novas residências partilhadas de Tavira – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

O cheiro a coisas novas, a estrear, é o que nos atinge logo à entrada. Mas não demora muito até que a decoração, cuidada e moderna, com cores alegres, nos entre pelos olhos adentro. São assim as novas residências partilhadas para pessoas em situação de sem abrigo criadas pela Câmara de Tavira e cuja inauguração oficial aconteceu na semana passada.

Num primeiro momento, foram quatro as pessoas que se instalaram numa das duas casas recuperadas e preparadas para integrar o projeto “TMN – Tua, Minha, Nossa”, que o MAPS – Movimento de Apoio à Problemática da Sida e o Centro Distrital de Segurança Social, com o apoio do Governo, estão a desenvolver em parceria com cinco municípios algarvios, nomeadamente o de Tavira.

Mas, em breve, outro apartamento preparado para o efeito será posto a uso, permitindo que mais seis pessoas que estão em situação de sem abrigo possam partilhar uma casa e chamar-lhe lar.

Esta nova resposta «tem uma componente de transição social», disse ao Sul Informação Ana Paula Martins, presidente da Câmara de Tavira, à margem da sessão de inauguração oficial destes espaços, que contou com a  presença de Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social.

«Vamos acompanhá-los de perto e a ideia é que eles possam criar competências, que possam ser ajudados a encontrar um emprego, a obter formação, se necessitarem, para se poderem autonomizar», disse a autarca.

 

Ana Paula Martins – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Tudo isto será feito com o apoio do MAPS, instituição que trabalha há décadas com a população sem abrigo, nomeadamente na sua reintegração na sociedade.

As quatro pessoas que partilham uma das duas casas que a Câmara de Tavira preparou no centro histórico, situadas junto ao Rio Gilão, estavam todas «em situação de sem abrigo e já se encontravam sinalizadas», explicou ao Sul Informação Fábio Simão, presidente do MAPS.

Estas pessoas têm «a oportunidade de fazer um caminho, que começa pelo Novas Oportunidades, que é um dormitório. Daqui, os beneficiários passam para os apartamentos, onde começamos a trabalhar com eles».

«O objetivo da autarquia é que consigamos, futuramente, integrar, mesmos os casos mais difíceis, em apartamentos de habitação social, uma solução mais definitiva, sem prazo», acrescentou Fábio Simão.

«Temos aqui uma grande construção, um bom esqueleto montado, para se conseguir resolver os problemas, mesmo aquelas situações mais complexas», acredita o presidente do MAPS, que considera que Tavira «é um exemplo, porque tem uma resposta muito estruturada».

 

Fábio Simão, do MAPS – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

A estratégia de Tavira para responder àqueles que vivem nas ruas começou a ser montada há já algum tempo.

«Começámos esta estratégia de trabalhar com as pessoas em situação de sem abrigo em 2019. Em Outubro desse ano, constituímos o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) de Tavira, do qual fazem parte 13 instituições, incluindo o MAPS e a Segurança Social», disse ao nosso jornal Ana Paula Martins.

«A partir daí, saímos à rua para procurar as situações que, à primeira vista, não pareciam ser assim tantas. Identificámos cerca de 20 pessoas. Mais tarde, fizemos nova ronda e o número subiu para 42», acrescentou a autarca.

A partir do momento em que foi feito o diagnóstico, a Câmara de Tavira avançou para a elaboração de uma estratégia de atuação, que «passa pelas dimensões da emergência, transição e a inserção social».

Tratando-se de uma população especialmente vulnerável e com histórias de vida muito distintas, há diferentes níveis de respostas.

 

Novas residências partilhadas de Tavira – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Criámos o regulamento de residências partilhadas e alojámos dez pessoas em apartamentos de habitação municipal. Cada quarto aloja duas pessoas, que são depois monitorizadas pelos nossos técnicos de ação social», disse.

Neste caso, os beneficiários são antigos sem abrigo «que foram desenvolvendo mais competências e que já podiam estar numa situação de alojamento em prédios onde temos outros fogos de habitação social».

«Mais tarde, construímos o chamado Centro Novas Oportunidades, para pernoita, que funciona das 21h00 às 9h00, onde damos resposta a pessoas que estão na rua e que temos tido dificuldades em integrar. Podem dormir e tomar banho neste espaço», ilustrou Ana Paula Martins.

Esta infraestrutura, que se situa na mesma fiada de casas térreas do bairro de habitação social onde foram criadas as residências partilhadas de transição, pode ser vista mais como uma resposta de emergência, para casos mais complicados.

 

Ana Paula Martins e Ana Mendes Godinho – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Entretanto, também foi possível «integrar pessoas em comunidades terapêuticas».

«Neste momento, das 42 situações identificadas, há três ainda nas ruas e não têm surgido situações novas. Estamos muito contentes com esta resposta que temos vindo a construir desde 2019», revelou a presidente da Câmara de Tavira.

Certo é que «já há alguns casos de sucesso».

«Neste momento, temos um casal num apartamento, em que a senhora está grávida. Ainda há pouco estavam aqui as técnicas a relatar o momento emocionante que foi a chegada deles à casa, ao verem as condições», disse Ana Paula Martins.

«No fundo, é o realizar de um sonho, porque é um casal que tem vivido situações complicadas», reforçou.

Mesmo os que estão nos apartamentos de habitação social, naquele que é o último passo da caminhada de inserção na sociedade, «são, muitas vezes, pessoas que só precisavam de uma pequena ajuda, porque têm empregos ou têm reformas, mas, por esta ou por aquela razão, tinham dificuldades».

«Até temos um senhor que foi sem abrigo durante muitos anos, que hoje em dia assumiu um papel de liderança no prédio onde vive e está completamente integrado. É ele que faz a limpeza das áreas comuns e toda a gente o respeita. Às vezes, só é preciso um pequeno click», acredita Ana Paula Martins.

 

Ana Mendes Godinho – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

No final da visita que fez às novas residências partilhadas e ao espaço Novas Oportunidade, Ana Mendes Godinho considerou que o que acabara de ver é «exemplar do ponto de vista do que se está a fazer aqui no Algarve».

A região algarvia, diz a governante, está «muito alinhada com a estratégia nacional para a integração das pessoas em situação de sem abrigo, com esta preocupação de, acima de tudo, voltar a dar dignidade e voltar a dar uma oportunidade às pessoas, garantindo-lhe um bem essencial, que é o alojamento».

No fundo, trata-se de criar «um ciclo virtuoso», que começa pelo alojamento e é reforçado «pelas equipas técnicas que fazem o acompanhamento do ponto vista de reintegração, o acompanhamento psicológico e social e o acompanhamento para integração no mercado de trabalho».

«Tudo isto faz parte deste grande programa que o Algarve conseguiu mobilizar, que faz dela a única região do país que conseguiu criar um programa articulado com os municípios, assumindo uma resposta regional integrada», disse.

«Acho que é exemplar, que é um projeto simbólico, porque começa a dar provas de resultados de pessoas que estiveram em apartamentos partilhados e que, neste momento, estão a conseguir a sua autonomização, já com o seu alojamento próprio. Portanto, isto está a servir como uma escada para as pessoas saltarem da rua e voltarem a estar integradas na sociedade», concluiu a ministra.

Da parte de quem está no terreno, fica a garantia de que o trabalho irá continuar.

«Nós temos um princípio: nada é impossível, só é preciso dar a oportunidade. E, muitas das vezes é isto. Tratamos os sem abrigo como as pessoas que são e acho que isto é fundamental», defendeu Fábio Simão.

 

 

 

 



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