Relações entre Coreia e Portugal estreitam-se com geminação de Faro e cidade coreana

60 anos de relações diplomáticas entre Portugal e a Coreia motivam programa cultural que passou pelo Algarve

Song Oh, embaixador da Coreia do Sul em Portugal – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

Faro poderá vir a geminar-se com uma cidade da República da Coreia do Sul. A novidade foi adiantada pelo presidente da Câmara de Faro, na passada quarta-feira, durante a antestreia, na capital algarvia, do filme «Minari», promovida pela Embaixada da Coreia em Portugal, e confirmada pelo próprio embaixador em entrevista ao Sul Informação.

«A melhor maneira de ligar os dois povos é criar pontes entre as pessoas que vivem num e noutro país», disse o embaixador Song Oh, na entrevista exclusiva que deu ao nosso jornal. «Temos alguns coreanos a viver no Algarve, que provêm de diversas cidades na Coreia. Talvez eles possam ser a ponte entre a região algarvia e algumas localidades no nosso país. A comunidade coreana em Portugal é muito importante para desenvolver estas relações bilaterais entre os dois países», acrescentou o diplomata.

A recente antestreia do premiado filme «Minari» (nomeado para seis Óscares, acabou por ganhar o de melhor atriz secundária, atribuído a Yoon Yeo-jeong) em Faro, depois de ter sido apresentado em Lisboa e no Porto, integra o programa do 60º aniversário das relações diplomáticas entre a Coreia e Portugal, que decorre em 2021.

O embaixador Song Oh explicou que «este ano é muito importante para a Embaixada da Coreia, porque celebramos o 60º aniversário do estabelecimento das relações diplomáricas. Queremos usar estas celebrações para promover a Coreia e a cultura da Coreia entre o povo português, não só em Lisboa, mas em todo o país».

«O filme “Minari” é muito especial para nós, pela história que conta», acrescentou o embaixador. «No ano passado, tivemos um filme muito bom, “Parasitas” [Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2020], o que fez com que o público português aumentasse o seu interesse pelo cinema coreano. “Minari”, mesmo sendo produzido por uma produtora americana, tem um realizador, uma equipa e um elenco composto por coreanos ou americanos-coreanos. É uma história de coreanos que emigraram para a América».

Mas há uma coincidência engraçada. É que, no início dos anos 70, um jovem coreano de vinte e poucos anos, oriundo de uma família pobre, resolveu ir para o estrangeiro à procura de uma vida melhor. Acabou por chegar a Portugal, de mãos a abanar, sabendo apenas algumas palavras de Português que aprendeu no voo que o trouxe. Mas foi aqui que se fixou, se casou, teve filhos e netos. Esta é a história real de Chong-song Won, um dos mais antigos membros da comunidade coreana em Portugal.

«Este filme também foi mostrado no Porto e convidámos esse imigrante coreano que veio para Portugal, em 1972, vive e trabalha no Caramulo. O senhor Won veio para Portugal há quase 50 anos, começou a sua vida aqui, tal e qual como as personagens do filme “Minari”, a trabalhar em aviários, como chicken sexer, as pessoas que dividem os pintos entre machos e fêmeas».

No Caramulo, o senhor Won acabou por tornar-se empresário ligado ao mundo agrícola, fundando os Produtos Won. Inspirado numa receita tradicional coreana chamada “jocheong”, iniciou a produção de Geleia de Milho, um adoçante natural usado ainda hoje como substituto do açúcar convencional. A este produto juntaram-se muitos outros, sempre naturais, que são vendidos em lojas especializadas de todo o país.

No Algarve, há também uma pequena comunidade coreana a viver. Um desses naturais do país asiático é um jovem estudante de Turismo na ESHGT da Universidade do Algarve, que também tem uma história de superação das dificuldades. Este estudante estava no Reino Unido num programa de intercâmbio, quando veio ao Algarve para uns dias de férias com colegas ingleses. Um mergulho mal dado fê-lo ficar paraplégico, tendo estado em tratamento no Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul, em São Brás de Alportel. Os seus pais acabaram por vir da Coreia para o Algarve, para acompanhar o filho. Os colegas da turma de Turismo do jovem coreano, que também assistiu à antestreia do filme «Minari», acompanhado pelo pai, foram igualmente convidados para a sessão em Faro.

 

Song Oh, embaixador da Coreia do Sul em Portugal – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

A grande aposta do programa de celebração dos 60 anos das relações diplomáticas entre a Coreia e Portugal passa pela Cultura – além da antestreia, houve um ciclo de Clássicos do Cinema Coreano, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, mas haverá ainda outros eventos culturais: Quizz on Korea, K-Pop Festival, Concurso K-Food (Junho), um Festival da Cultura Coreana em colaboração com o Museu da Cidade, em Lisboa (Julho), iniciativas nas Feiras do Livro de Lisboa e do Porto (Agosto), entre outras.

Para dar a conhecer o rico património histórico da Coreia, estreou este domingo, dia 16, na RTP1 (11h30), a série documental em oito episódios “Património Mundial da UNESCO – A Cápsula do Tempo da Humanidade”.

Na sua entrevista ao Sul Informação, o embaixador Song Oh explicou que, «para promover as relações bilaterais entre os países, o fundamental são os povos, as pessoas. Em termos de relações entre as pessoas, a perceção é muito importante e a Cultura pode ter uma grande impacto na perceção que as pessoas têm sobre o outro país. É por isso que a Embaixada está muito focada nas trocas culturais entre os nossos dois povos, entre a Coreia e Portugal».

O objetivo, salientou, é que «os povos dos nossos dois países possam ter sentimentos de amizade mútua».

Uma das formas de conhecer o outro é através do Turismo. Em 2019, antes da pandemia, 200 mil turistas coreanos visitaram Portugal. Pode parecer muito, mas, segundo o embaixador, «é um número que pode ainda crescer, porque, no mesmo ano, viajaram para fora do país 29 milhões de coreanos. Temos muito espaço para crescer, para atrair mais turistas coreanos».

De modo a contribuir para isso, começou este mês de Maio a ser disponibilizado o serviço de áudioguia em coreano nos autocarros de turismo hop on & hop off no Porto. Em breve, o mesmo poderá acontecer nos de Lisboa. Esses autocarros turísticos também passaram a ostentar a bandeira da Coreia. «Sempre que os turistas coreanos veem a sua bandeira nesses autocarros, quando andam a passear nas ruas, sentem-se bem, sentem-se mais próximos de Portugal e do povo português».

O diplomata conta a sua própria experiência: «numa das caves do vinho do Porto, na Taylor’s, vi que eles fornecem áudioguias em coreano, o que leva muitos coreanos a preferir visitá-los. Em vez de ter que ouvir em inglês, eles ouvem as explicações na sua língua-mãe».

 

Song Oh, embaixador da Coreia do Sul em Portugal – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

As relações económicas podem também ser um meio de dar a conhecer um povo. Em Portugal, muitas das principais marcas coreanas são bem conhecidas do público, que, muitas vezes, até desconhece a sua origem: a Kia, a Daewoo, a Samsung, a LG, são algumas das mais conhecidas.

No entanto, o nosso país não é dos que mais atraem investimento coreano na Europa. É que, como explicou o embaixador Song Oh, «neste momento, o investimento das empresas coreanas não é muito grande, porque psicológica e geograficamente, Portugal é muito longe».

Apesar disso, «há companhias coreanas que investiram em Portugal na indústria dos componentes automóveis, mas as grandes linhas de produção automóvel das marcas coreanas na Europa são na Polónia, na Eslováquia. Para os empresários coreanos, não é fácil vir para Portugal».

É por isso que, defende, «a primeira coisa a fazer é captar a atenção das pessoas. Temos de investir no processo do intercâmbio entre as pessoas, para que comecem a conhecer e reconhecer Portugal e a virar os seus olhos para o mercado português».

A Embaixada da Coreia quis também estreitar os laços com Portugal de uma forma mais direta, partilhando as dificuldades que os portugueses atravessam devido à pandemia de Covid-19 e manifestando a sua solidariedade de várias formas.

«A principal função da Embaixada é criar pontes entre o povo coreano e o português. Eu queria dar uma boa impressão do povo coreano aos portugueses. Soube que havia estudantes portugueses com dificuldades em seguir as aulas online, por falta de computador. Por isso, discutimos com a Cruz Vermelha Portuguesa como ajudar esses estudantes e pensou-se que seria útil doar tablets e teclados aos estudantes». E assim, em Fevereiro passado, foram doados 100 tablets e 100 teclados de uma marca sul-coreana à CVP, para os entregar a alunos portugueses.

Mas a solidariedade não se ficou por aqui: «também queríamos agradecer aos profissionais de saúde pela forma como lidaram com a situação da Covid, por isso doámos roupas de proteção». No total, foram doados 1000 equipamentos de proteção individual, metade dos quais à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a outra metade à CVP.

Para Setembro, está igualmente prevista uma Campanha de Amizade e Solidariedade, com doação de alimentos a famílias carenciadas.

«Nós queremos ganhar o coração dos portugueses e estes intercâmbios entre pessoas são muito importantes», acrescenta, com um sorriso, o embaixador.

 

Song Oh, embaixador da Coreia do Sul em Portugal – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

Como se vê, a República da Coreia do Sul está a fazer um esforço por se dar a conhecer aos portugueses. E Portugal, é conhecido na Coreia?

«Quando eu estudava História na Escola Secundária, lembro-me de ouvir falar de [Bartolomeu] Dias e de Vasco da Gama, que eram portugueses muito famosos. Mas agora o que se fala mais é dos jogadores de futebol – Eusébio, Figo, Ronaldo – portanto temos de aumentar o grau de conhecimento dos coreanos em relação a Portugal».

Alguma coisa está já a mudar. O embaixador Song Oh revelou que, recentemente, um importante «jornal coreano escreveu que Portugal é um país muito bom para o turismo e muito seguro e isso deu ao vosso país uma boa reputação. A nossa Embaixada também tem feito um grande esforço para promover Portugal: esta semana terei uma entrevista com uma importante rádio coreana e isso será uma boa oportunidade para eu falar de Portugal ao povo coreano».

Enquanto a pandemia não deixa que as viagens se normalizem, pode conhecer um pouco da forma de estar dos coreanos no filme «Minari», que está a ser exibido nas salas de cinema de todo o país, nomeadamente no Algarve.

«Minari» conta a história de uma família coreana-americana que se muda para o Arkansas rural nos anos 80 em busca do seu próprio sonho americano. O filme foi vencedor do Grand Jury Prize e do Audience Award no Festival de Sundance de 2020, do Globo de Ouro para o Melhor Filme Estrangeiro de 2021, do prémio de Melhor Atriz Secundária no Screen Actors Guild Awards, do BAFTA de Melhor Atriz Secundária e do Óscar de Melhor Atriz Secundária.

Como recorda o embaixador Song Oh num artigo que publicou recentemente no Diário de Notícias, «Minari é uma planta originária da Coreia do Sul, esta planta cresce bem tanto em terras húmidas como em terras áridas, estabelecendo um paralelo com a vitalidade e a adaptabilidade de que os imigrantes necessitam numa terra desconhecida».

Song Oh, embaixador da Coreia do Sul em Portugal – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 



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