Os benefícios e riscos das vacinas da AstraZeneca e da Janssen

O risco dos efeitos adversos continua a ser extremamente baixo, sendo amplamente compensado pelos benefícios de prevenir uma doença com risco de complicações bem maiores

Começando pelo fim: se eu tivesse oportunidade de tomar a vacina da AstraZeneca ou da Janssen, ambas associadas a problemas raros de coagulação do sangue, tomaria hoje sem hesitar.

Tenho 44 anos, uma idade inferior à indicada em Portugal para a toma de qualquer uma dessas vacinas, e um risco baixo de exposição ao vírus.

Significa isto que estou convencido de que estas vacinas não aumentam o risco desses problemas de coagulação do sangue? Não. De acordo com os dados conhecidos, esse aumento de risco parece real.

A questão é que, mesmo assim, o risco dos efeitos adversos continua a ser extremamente baixo, sendo amplamente compensado pelos benefícios de prevenir uma doença com risco de complicações bem maiores.

Há duas razões para que muitos países tenham restringido a aplicação destas vacinas apenas às pessoas mais velhas. A primeira é que o risco de ocorrência de problemas de coagulação é maior nos mais jovens. E a segunda é que o risco de doença grave ou morte é maior nos mais velhos.

Mas vamos a números e comecemos pela vacina da AstraZeneca. Segundo uma análise da Universidade de Cambridge , no Reino Unido, para as pessoas entre os 60 e os 69, a incidência de problemas graves associados à vacina é 0,2 casos por cada 100 mil doses administradas.

Ou seja, uma reação adversa grave (que não resulta necessariamente em morte) por cada meio milhão de pessoas imunizadas.

Para a mesma faixa etária, e considerando uma população com baixo risco de infeção, a cada quatro meses são admitidos nos cuidados intensivos 14,1 pessoas por 100 mil habitantes (considerando a incidência da covid-19 no Reino Unido no início de Abril de 2021).

Se consideramos pessoas com risco de exposição médio, o número de internados em cuidados intensivos é 41,3 por 100 mil habitantes. E de 127,7 por 100 mil habitantes, no caso de pessoas muito expostas à infecção. O balanço é sempre positivo. Quanto maiores forem o risco de infeção e a idade, mais favorável será.

Mesmo para pessoas entre os 30 e os 39 anos, com baixo risco de infeção, compensa: 0,8 reacções adversas face a 2,7 internamentos em cuidados intensivos por cada 100 mil habitantes.

Só não é favorável no grupo entre os 20 e os 29 anos (os mais novos da amostra)s: 1,1 reações adversas e 0,8 internamentos em cuidados intensivos por 100 mil habitantes.

No caso da vacina da Janssen, de acordo com dados do Centro de Controlo de Doenças dos Estados Unidos, em 8 milhões de doses administradas ocorreram 15 casos adversos. Ou seja: um em cada 536 mil vacinações.

É difícil estimar quantas vidas se salvam ao vacinar 8 milhões de pessoas, pois isso depende da prevalência do vírus na população e da probabilidade de infeção, assim como da capacidade de resposta dos serviços de saúde (há uma maior letalidade em situações de sobrelotação).

Mas, tendo em conta os registos históricos da pandemia, é seguro dizer que vacinar 8 milhões de pessoas salva muitos milhares de vidas, à custa de 15 reações adversas.

Parece claro que os benefícios destas duas vacinas superam os seus baixos riscos. Se a incidência da covid-19 baixar significativamente, e o risco de infeção também, a situação será diferente.

Mas a vacinação contribui sobremaneira para a redução sustentada de casos, pelo que as duas coisas estão interligadas.

Claro que, se for possível imunizar a população mais jovem sem recorrer às vacinas da AstraZeneca e da Janssen e sem atrasar o processo de vacinação, reduzir-se-á ainda mais um risco já de si reduzidíssimo.

Esse deve ser um objetivo fundamental: não atrasar a vacinação, pois a redução do número de infetados é crucial para abrandar o aparecimento de novas variantes, que poderão ser problemáticas.

Autor: David Marçal (Bioquímico) – Doutorado pela Universidade Nova de Lisboa. Bioquímico e comunicador de ciência.
É autor de vários livros, espetáculos, programas de televisão e centenas de artigos na comunicação social sobre ciência.Ensina comunicação de ciência na Universidade Nova de Lisboa.
Foi distinguido com os prémios Químicos Jovens (da Sociedade Portuguesa de Química), Ideias Verdes (da Fundação Luso e do jornal Expresso) e COMCEPT (da Comunidade Céptica Portuguesa).

 

 
 



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