Câmaras passam a ter voz na gestão das áreas protegidas do Algarve

Apesar de partilhar a gestão, o ICNF não vai abdicar das suas competências ao nível do licenciamento e da conservação da natureza

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Não vão poder fazer o que bem entenderem, mas, desde sexta-feira, dia 7 de Maio, as Câmaras do Algarve passaram a ter uma palavra a dizer sobre a forma como são geridos o Parque Natural da Ria Formosa e a Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e VRSA.

A AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e o Fundo Ambiental assinaram protocolos de colaboração técnica e financeira para a promoção da cogestão destas duas áreas protegidas, na sede da entidade que junta os 16 municípios do Algarve.

Na prática, houve um pedido formal das Câmaras de Castro Marim, Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António, as que estão na área de influência das duas áreas protegidas, para aderir ao modelo de cogestão que já está a em vigor noutros locais do país, delegando essa competência na AMAL.

Na cerimónia de sexta-feira, onde marcaram presença João Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática, e João Paulo Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território, ficou bem claro que o ICNF não vai abdicar da sua missão e das suas competências, nomeadamente «ao nível do licenciamento».

«É preciso enquadrar as coisas desta forma: as responsabilidades do instituto em matéria de conservação de natureza e biodiversidade, quer em termos nacionais, quer em termos internacionais, não mudaram. E, portanto, nós continuamos a ser responsáveis pela gestão das espécies e dos habitats e por tudo aquilo que são os instrumentos de gestão territorial, planos de ordenamento, plano de gestão da Rede Natura e todas as figuras de proteção. Isso é verdade hoje e continuará a ser», disse ao Sul Informação Nuno Banza, o presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, à margem da sessão.

 

Nuno Banza – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Aquilo que entra na cogestão é uma área, também muito importante, que tem a ver com a relação com o território, tem a ver com a forma como se gerem as atividades, a forma como se dinamiza a relação com as comunidades, seja na área do turismo de natureza, seja na área da educação ambiental, seja na área do desenvolvimento e promoção de atividades, como por exemplo, a marca natural.pt, a produção local, os artesãos, os produtos tradicionais, a agricultura tradicional e a pesca», acrescentou.

«Há imenso trabalho que tem a ver com a ligação com a comunidade, que não é especificamente regulamentar, mas que é muito importante para a conservação. A relação com os pescadores, a relação com os caçadores… Nós temos uma experiência muito interessante com o lince, uma parte significativa dos habitats que hoje suportam a reintrodução do lince, são dinamizados pelas zonas de caça e não é uma questão regulamentar», exemplificou.

Em resumo, o que será feito no PNRF e no sapal de Castro Marim e VRSA, «é sobretudo uma experiência de partilha, uma estratégia de abordagem em relação às áreas protegidas que é fundamental para depois as coisas funcionarem».

Da parte das autarquias, esta partilha de responsabilidades na gestão das áreas protegidas era algo que «há muito solicitavam».

«É verdade que é um desafio e que o destino destes territórios passa agora, também, a depender de nós, mas é exactamente esta oportunidade que andamos a pedir há tanto tempo», disse António Pina, presidente da AMAL, durante a cerimónia.

«Temos de construir o futuro da gestão dos parques, de uma forma partilhada e mais adaptada à realidade dos dias de hoje, em que os parques naturais não podem ser olhados só de uma perspetiva de extremo conservacionismo mas, também, perceber que esse é um espaço de fruição da natureza», reforçou o também presidente da Câmara de Olhão, em declarações ao Sul Informação.

«A fruição da natureza, seja pelos residentes, seja até como produto turístico, é uma realidade que ganha cada vez mais adeptos e é preciso compatibilizar estes usos com a conservação. E é preciso também investir, é preciso investir muito, porque os habitats – que são conhecidos e de grande valor – e a biodiversidade destes parques, requerem investimentos na manutenção dos mesmos», acredita o autarca.

 

António Pina – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

No caso da Ria Formosa, há que fazer, por exemplo, «a manutenção das barras», tendo em conta que «a boa circulação da água é fundamental para que a Ria Formosa continue a ter os habitats que hoje temos», mas também investir nos sistemas pluviais, para evitar «os esgotos que drenam para a Ria Formosa».

E é aqui que entra o Fundo Ambiental, o terceiro parceiro destes protocolos, representado na sessão pela sua diretora, Alexandra Carvalho. Este instrumento financeiro, gerido pela Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente e da Transição Energética, obrigou-se a transferir para a AMAL até ao limite de 100 mil euros, por cada área protegida, nos próximos 3 anos, o período de vigência do acordo.

«O Fundo Ambiental vai criar a possibilidade de haver dinamização de atividades a partir da comissão de cogestão. Ou seja, vai, na prática, financiar quer recursos humanos, quer recursos técnicos, para garantir que há logo um conjunto de ações que começam a ser dinamizadas a partir da comissão de cogestão e que envolvem os municípios todos. Eles vão começar a ter planos de atividades comuns, de promoção, de informação, de uma série de coisas, que vão permitir que haja investimento», enquadrou Nuno Banza.

António Pina disse que o dinheiro será utilizado para fazer um «conjunto de investimentos que são necessários para manter a boa saúde destes territórios, alguns dos quais já mencionei, como as barras, as dragagens e os esgotos para a ria».

Mas as autarquias querem, igualmente, sentar-se à mesa «para rever aquilo que é o regulamento do Parque Natural, que já tem mais de 12 anos, e que na sua génese tem mais de 30».

O presidente da AMAL defende que as regras «têm que ser alteradas» e que há «um conjunto de atividades humanas, mas também de investigação, que tem que ser compatibilizadas com as regras» das áreas protegidas.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Este sentar à mesa será com o ICNF, mas também com as outras entidades que farão parte da comissão de cogestão, que será presidida pelos municípios.

«As autarquias são importantes, mas nós também vamos envolver as universidades,  as Organizações Não Governamentais de Ambiente, associações culturais e associações de património local. Há, igualmente, um conjunto de pessoas aqui em Faro que trabalha na área do património da pesca, das artes tradicionais, das embarcações e dos artefactos de pesca. Tavira também tem uma experiência dessas… Há muita coisa para fazer no envolvimento das pessoas», acredita Nuno Banza.

«Eu acho que a pedra de toque disto é que hoje já é relativamente mais fácil falar de conservação. Eu conto isto muitas vezes, só para as pessoas perceberem: Nós, há 20 anos, quando fizemos o plano do Parque Marinho Professor Luís Saldanha, em frente ao Parque Natural da Arrábida, fizemos uma sessão de esclarecimento para os pescadores, em Sesimbra. Saímos de lá dentro de um jipe da GNR. Hoje, 20 anos depois, os pescadores de Sesimbra são os primeiros defensores do parque. Eles agora reconhecem que o facto de termos criados zonas sem pesca, zonas em que não há nenhum tipo de captura, fizeram com que a quantidade de recursos que existem para eles pescarem seja muito maior do que antes. Mas isto, estas pessoas não conseguiam perceber naquela altura», revelou o presidente do ICNF.

O evoluir das mentalidades também é aquilo que permite que as autarquias, que no passado estiveram muitas vezes do lado dos atentados ambientais – uma das razões pela qual foram criadas as áreas protegidas – sejam hoje parceiros na gestão das mesmas.

António Pina garantiu que isso é algo que pertence ao passado. «Hoje, os autarcas são os mais interessados na valorização e na conservação da biodiversidade nos seus territórios, porque todos já entendemos a sua mais valia. É uma sorte termos um território com este potencial, porque nos distingue de outros territórios, até do ponto de vista turístico, que é a nossa principal atividade económica.

 

João Matos Fernandes – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O ministro João Matos Fernandes, que presidiu à cerimónia, salientou o facto destes serem já os 8º e 9º protocolos de cogestão que assinamos».

No entanto, foi «a primeira vez que isto aconteceu com uma Comunidade Intermunicipal. E isto também mostra o que é o Algarve, uma região que se junta e fala a uma só voz».

 

 

 



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