A Igreja e o recomeço do Turismo no Pós-Covid

Esta é uma oportunidade para repensar a Igreja na relação com o Turismo, sem barreiras, mas num pensamento estruturado em parceria

Os relatórios internacionais e europeus revelam que a Covid-19 trouxe a maior crise mundial dos nossos tempos, afetando de forma sem igual a forma de viver, de trabalhar, de viajar, de socializar.

Após a I Guerra Mundial e a gripe pneumónica, assistiu-se a muito daquilo que hoje se está a viver – um agravamento da ansiedade geral das pessoas. Só quando, passados anos, se verificou um ciclo de crescimento otimista, esse impacto se foi esbatendo.

Com a pandemia, o funcionamento geral da sociedade está profundamente afetado e não é só no turismo.

A fragilidade e a desconfiança em relação aos regimes políticos, às estruturas de socialização – onde também se enquadra a igreja – conduziu a visões céticas, niilistas e por vezes, radicais.

Mas a igreja pode desempenhar um papel importante no “recomeço” do Turismo, para além de um papel fundamental no retemperar da esperança no pós-pandemia.

Enumero alguns aspetos principais:

1 – A Igreja e os seus agentes são fonte de apoio, conforto, orientação e serviço social, para as comunidades onde se inserem.

2 – As comunidades religiosas podem ser veículos principais para compartilhar informações de saúde, de forma mais ampla e com maior aceitação do que de outras fontes de informação.

3 – O apoio espiritual durante emergências de saúde pública e outros desafios de saúde é essencial, e a Igreja pode defender as necessidades das populações mais vulneráveis.

4 – A igreja é um pilar de segurança e de estabilidade numa sociedade global em transformação, pois tem consigo séculos de história, mantendo uma forte relação de proximidade com as suas comunidades diretas.

5 – Como instituição, a igreja pode promover informações, prevenir e reduzir o medo e o estigma, tranquilizar as pessoas nas suas comunidades e promover práticas de preservação e melhor conhecimento das suas heranças culturais.

6 – Por último, a igreja pode ser um parceiro importante na promoção do respeito e garantia de abordagens baseadas nos direitos humanos e na promoção da coexistência pacífica interreligiosa.

Para além destas oportunidades de diálogo, e de proximidade com as comunidades, emergem outros cenários de confiança no futuro, que se podem relacionar com o Turismo.

Assiste-se a uma recuperação moderada associada a aumentos nas poupanças, no consumo de bens duradouros, em vez do gasto supérfluo, emergem investimentos em setores estratégicos como a economia verde, a saúde, a cultura e a educação, a que acrescentaria a ciência e a tecnologia.

O discurso já reconhecido de excesso de monocultura de determinadas atividades tem dado lugar a práticas de incentivo e financiamento à diversificação. Refiro-me a uma lógica de reconstrução económica e não financeira, o que pode trazer uma recuperação aparentemente mais lenta, mas mais sustentável.

A sede de viajar e de férias está muito presente no discurso individual e algumas consultas do mercado revelam isso mesmo, mas uma visão global não deixa evidente uma recuperação rápida de um turismo massificado.

 

O Turismo é a indústria da paz e um construtor de pontes entre povos

Assim, nos momentos de crise sanitária, emergem como prioritários: a preservação da vida/saúde, a valorização do património e da cultura, como espaços de preservação das memórias e raízes identitárias, mas também do sentido de pertença e identidade, que tanto contribuem para o bem-estar psicológico, e o sentimento de fraternidade – pois o inimigo é o mesmo para cada um de nós (a Covid-19).

Neste último aspeto, as instituições religiosas, e também as educativas, podem ter um papel decisivo na construção de novos significados para as paisagens culturais.

Para além dos espaços de culto, estão os elementos patrimoniais que importa dar a conhecer, salvaguardar e valorizar como nosso património cultural comum.

A Igreja reúne imensas oportunidades em áreas específicas, pelo que, será necessário olhar para esta relação de forma estratégica e considerar:

– Um sistema de incentivos ao emprego no acolhimento aos visitantes nestes espaços patrimoniais;

– Um programa de capacitação para a educação cultural dos agentes deste sistema do turismo religioso e cultural, associado aos bens culturais da Igreja;

– A estruturação de programas conjuntos para o desenvolvimento de ofertas conjuntas com outros parceiros no território (nomeadamente de Rotas Culturais, dando como exemplo a Rota do Românico);

– O desenvolvimento de estratégias de comunicação e promoção destas ofertas;

– A constituição de parcerias locais para a musealização, reabilitação e interpretação dos lugares patrimoniais e dos bens culturais da Igreja.

A própria reconfiguração do turismo e das suas relações terá de ser mais humana, tomando consciência de que a digitalização do setor pode trazer ganhos na segurança individual, mas não substitui a interação com o outro.

Como dizia o Cardeal D. Tolentino Mendonça, este 13 de Maio, em Fátima: temos de ser melhores; esta é uma oportunidade para reconfigurar a vida e também aqui existe um laboratório de oportunidades.

Esta é uma oportunidade para repensar a Igreja na relação com o Turismo, sem barreiras, mas num pensamento estruturado em parceria.

O espaço de reencontro connosco pode resultar de uma maior aproximação entre o Turismo e a Igreja, pois, quando fazemos Turismo, procuramos a descoberta.

Relembro que o Turismo é a indústria da paz e um construtor de pontes entre povos.

 

Nota: este artigo é a súmula da comunicação apresentada pela autora no painel «Turismo: Desafios da era pós-pandemia», integrado no colóquio promovido pelo Secretariado Nacional das Comunicações Socais e pela Obra Nacional da Pastoral do Turismo, que decorreu na sexta-feira passada, no Santuário da Mãe Soberana, em Loulé.

 

Autora: Alexandra Rodrigues Gonçalves é diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, Professora Adjunta/PhD em Turismo e investigadora integrada no CinTurs – Research Centre for Tourism, Sustainability and Well-being, da UAlg

 

 



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