Odemira ou a crónica de uma confusão há muito esperada

Ambiente que se vive no concelho de Odemira, especialmente em São Teotónio, é explosivo, a nível social

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

É triste que tenha sido preciso uma pandemia para pôr a nu a exploração e as condições de vida indignas dos muitos trabalhadores migrantes que garantem a produção das framboesas, dos tomates cherry, das saladinhas lavadas e outras produções agrícolas de luxo de que todos gostamos e que garantem muitos milhões ao país, em exportações, nos hectares e hectares de estufas de agricultura intensiva, situados sobretudo no concelho de Odemira.

É grave que tenha sido preciso uma pandemia para que o primeiro ministro tenha finalmente decidido chamar os bois pelos nomes, sublinhando que os locais onde estas pessoas são alojadas (contentores, casas apinhadas de gente, apartamentos sobrelotados), pelas suas condições de “insalubridade inadmissível”, são “uma violação gritante dos direitos humanos”.

Os movimentos cívicos do Litoral Alentejano há muito que denunciavam isso, o próprio presidente da Câmara de Odemira (que até é do PS) já o tinha denunciado também, assim como o seu vizinho edil de Aljezur (também do PS), mas o Governo ainda não há muito tempo fez questão de fechar os olhos a esta situação – e ao descontrolo da agricultura intensiva numa zona dita de “parque natural” – ao publicar a famosa Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019.

Esta Resolução do Conselho de Ministros fez tábua rasa das sugestões de autarcas e movimentos cívicos e apenas deu cabimento aos interesses das multinacionais agroalimentares, que operam naquela zona, já que, na prática, criou uma moratória de 10 anos, permitindo a manutenção de estruturas de habitação amovíveis e até fomentando a sua criação…

O ambiente que se vive no concelho de Odemira, especialmente em São Teotónio, é explosivo, a nível social. E é grave a nível sanitário.

A nível social, há muito tempo que há um evidente fosso entre a população originária do concelho (ou pelo menos há muito lá residente) e esta nova população, de imigrantes, que fala línguas diferentes, tem hábitos diferentes e que, aos olhos dos odemirenses, ninguém controla, nem vigia. Isto é meio caminho andado para surgir o racismo, a xenofobia. E de quem é a culpa?

Não sei se o que se está a viver em Odemira agora, com a cerca sanitária e a obrigatoriedade de as empresas agrícolas registarem os seus trabalhadores, irá, finalmente, obrigar as multinacionais agroalimentares a dar condições dignas de residência aos seus trabalhadores migrantes.

Também não sei se esta situação irá levar o Governo a repensar a invasão do plástico numa zona classificada teoricamente como «área protegida», mas que há muito deixou, na prática, de o ser.

Em termos ambientais, o que se passa nesta zona era previsível, uma vez que, no mesmo espaço, existe o Aproveitamento Hidroagrícola do Mira e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, estruturas que, por muito que se queira (e não se quer) não são compatíveis…pelo menos nos moldes atuais, com a aposta na agricultura intensiva.

As razões para o que se está a passar em Odemira há muito que estão identificadas e são conhecidas pelas entidades oficiais, desde o nível local (Juntas e Câmaras), ao nível regional (CCDR Alentejo, ICNF) e ao nível central (Governo). Será que é agora, perante esta emergência sanitária, que serão, finalmente, tomadas medidas de fundo? Duvido…

 

Autora: Elisabete Rodrigues é jornalista e diretora do Sul Informação

 



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