Competências para a cultura democrática

Trata-se de realizar uma tentativa de aperfeiçoamento do menos mau dos sistemas políticos, a democracia representativa

Vamos admitir que os nossos representantes políticos voltavam para a escola e eram avaliados pelos critérios de um documento intitulado “Quadro de Referência das Competências para a Cultura Democrática” do Conselho da Europa, de 2018. Assim como se fosse um Exame Nacional de ingresso na vida política ou uma experiência-piloto para um futuro melhor.

Poder-se-á recear, nesta proposta, algum desprezo pelo processo eleitoral democrático, mas não se trata disso, trata-se de realizar uma tentativa de aperfeiçoamento do menos mau dos sistemas políticos, a democracia representativa.

Pretender-se-ia, com esta proposta de avaliação prévia, dotar o sistema de um mecanismo pedagógico que permitisse ao candidato a político profissional ganhar autoconhecimento do nível das suas competências (básico, intermédio ou avançado) e assim iniciar um período probatório, mais ou menos longo, consoante a classificação obtida.

Talvez pudéssemos vê-lo/a a chegar a casa e a queixar-se da nota de Valorização da Democracia, da Justiça, da Imparcialidade, da Igualdade e do Estado de Direito.

“Porque é que tiveste essa nota, Mariazinha? Assim não entras para a Assembleia, ora diz lá qual foi a pergunta que te lixou? Ah, foi uma sobre as políticas públicas e a sua implementação de forma transparente! Estudasses Mariazinha, ficaste ao menos no nível intermédio, aquele que diz que a justiça deve ser acessível a todos? Também não?! Ao menos diz-me por favor, que uma mãe também se arrelia com o insucesso escolar dos seus rebentos, que alcançaste o nível básico, aquele que refere que as escolas devem ensinar aos alunos o que é a democracia. Pelo menos o básico, Mariazinha!!!!”

Olhemos para o problema de outro ângulo, o dos/as professores/as. De facto, a Mariazinha atingiu o nível básico, está apta para o exercício da profissão depois de cumprir um período probatório longo.

Contudo, este grau mínimo (digamos o dezinho) apenas nos garante que, nas escolas, se continua a transmitir os valores democráticos.

Seria de uma outra escala de importância realizar a missão que a UE pretende ver cumprida. É que os/as aluno/as devem ter educação política para serem capazes de se mobilizarem em causas, “dando o corpo ao manifesto”, evoluindo assim para uma ação interventiva junto das pessoas que fazem parte da pólis, para a participação em processos de tomada de decisão relativos aos problemas da comunidade e do bem comum.

E o que pode fazer a escola para que isso possa acontecer? A resposta parece estar na criação da disciplina obrigatória de Cidadania e Desenvolvimento (CD), até ao 9º ano, e da componente curricular, do 10º ao 12º ano.

Voltemos ao exemplo da aluna Mariazinha. Imaginemos que a sua vocação política não esmorecia com a fraca nota, e que, através de um plano de recuperação das aprendizagens essenciais da cidadania, urdido pelo/a seu/sua professor/a de CD, se empenhava na prossecução dos seus objetivos.

Este/a docente, aplicando a lista completa dos descritores validados pela UE, e pelo Ministério de Educação, como se de uma bússola se tratasse, ensinaria à aluna Mariazinha como evoluir no seu processo de aprendizagem política. Dar-lhe-ia, assim, uma ferramenta para o seu e para o nosso sucesso.

Agora que a Mariazinha já sabe que é obrigatório manifestar respeito por aqueles que têm opiniões políticas diferentes das suas, apoiar organizações ligadas a questões sociais, exercer as obrigações e as responsabilidades inerentes a uma cidadania ativa, a nível local, nacional e global, respeitar os compromissos assumidos com os outros de forma consistente, apoiar cidadãos apesar das diferenças de pontos de vista, refletir de forma crítica sobre a natureza e as finalidades dos processos políticos democráticos ou ainda sobre os problemas éticos associados à globalização e aos padrões de consumo (…), agora, e só agora, a Mariazinha poderá tentar ingressar nessa nobre profissão que se chama política.

E todos os outros alunos, aqueles que não querendo enveredar por uma carreira política, pertencem ao universo dos cidadãos que compõem uma comunidade?

A esses, tanto a disciplina como a componente curricular de CD se apresentam como um espaço educativo de desenvolvimento pessoal e social, focado na necessidade de formação de uma cidadania consciente e interventiva, e assim, capaz de melhorar a democracia e de zelar pelo bem comum.

 

Autora: Ana Lúcia Correia leciona a disciplina de Área de Integração e pertence à equipa de Cidadania e Desenvolvimento da Escola Secundária João de Deus, em Faro.
É membro do Glocal-Faro.
É licenciada em Filosofia e mestre em Gestão de Recursos Humanos

 



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