O amor nos tempos de vírus

Vivemos tempos de superação em que a nossa capacidade de resiliência é posta à prova todos os dias, em tantos sentidos

Tudo mudou desde que a normalidade foi substituída por um quotidiano de máscara, sem espaço para convívio presencial, onde o medo do toque e da proximidade se instalou.

O amor não desapareceu, mas, tal como as nossas vidas, as suas manifestações físicas foram pausadas. Falo nos diversos tipos de amor. O amor entre familiares, entre amigos e o amor carnal.

Os familiares deixaram os abraços e os beijos de parte. Quando se reaproximaram nas tradicionais épocas festivas, o número de infetados disparou. O vírus conspira contra os animais sociais que somos. Os danos que o distanciamento físico provocará na sociedade só serão percetíveis quando estivermos longe do olho do furação.

As crianças mais pequenas fazem observações do que antes podiam e já não podem devido à Covid — partilhar brinquedos ou comida é algo agora desincentivado, quando sempre ensinámos os mais pequenos a repartir o que têm. Um ensinamento a desaprender…e a reaprender um dia.

A alternância entre escola virtual e presencial baralha as nossas crianças, provoca-lhes angústia. Aos adultos, igualmente. Ora gerimos o nosso tempo de uma forma, ora precisamos de nos adaptar e recomeçar a reorganizar as tarefas domésticas com o teletrabalho e os deveres escolares. Isto para quem tem crianças. Para quem vive só, as agruras são outras.

Os relacionamentos dos solteiros estão condicionados. Os relacionamentos dos casados também. A rotina instalada, sem espaço para apagar a urgência da saudade, prejudica os casamentos. A privação do ser «eu», ter tempo para mim, e do sermos «nós», desespera.

Claro que existem soluções.

Para os solteiros, os websites de encontros e relacionamento por afinidade ou os websites de encontros amorosos de uma noite e sem compromisso são a alternativa às saídas à noite, aos encontros entre amigos e desconhecidos. Nesta opção, depois da fase virtual passar para o presencial, talvez exija um teste à Covid ou até valha a pena arriscar. Ou talvez não? O primeiro encontro não poderá ser num restaurante, a boa comida não entrará como um dos ingredientes da sedução. Provavelmente, a opção será mesmo continuar no online, no sexting ou esperar.

Os casados precisam de se reinventar, recorrer à imaginação, criar surpresas entre as mesmíssimas paredes. Quando o espaço de trabalho se mistura com o local das refeições e de estar, o cansaço do óbvio, da falta de novidade, que só as férias, o sair de casa, o namorar conseguem resolver, exigem ao casal um tremendo esforço para se conseguirem manter como tal.

Vivemos tempos de superação em que a nossa capacidade de resiliência é posta à prova todos os dias, em tantos sentidos. O amor nos tempos de vírus não é fácil. Obriga ao ser amoroso que somos, a um grande poder de adaptação. E de imaginação.

«Ela nunca tinha imaginado que a curiosidade era uma das muitas máscaras do amor».
In «O Amor nos Tempos de Cólera», de Gabriel Garcia Márquez

 

 

 
 



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