Cidadãos devem ser chamados a discutir o uso do Cineteatro António Pinheiro

A ideia-chave para se desenvolver qualquer política cultural baseia-se nessa premissa: trabalhar em conjunto. Políticos e servidores apoiam, cidadãos criam

Obras do Cineteatro António Pinheiro, com a caixa de palco a elevar-se acima do casario de Tavira – Foto de Tela Leão

A inauguração de um teatro do porte do recuperado e alargado Cineteatro António Pinheiro, em Tavira, é um evento muito importante para uma cidade, pelas inegáveis vantagens que traz para a mesma, para as cidades vizinhas e para região. Por isso mesmo, os cidadãos devem ser chamados a discutir o uso de tal equipamento.

A história do Cineteatro António Pinheiro vem atravessando várias gerações e administrações, com altos e baixos.

Desde que se começou, finalmente, a recuperar o edifício, que agonizava lentamente, já se passaram três anos e a obra cresce. Aliás, cresce tanto que até assusta.

As dimensões da caixa de palco do novo Teatro António Pinheiro permitirão que se apresente ali quase tudo o que a imaginação humana concebeu em termos de performances ao vivo. É verdade.

Porém, parece que ninguém se apercebeu de qual seria o impacto dessa volumetria no local onde está implantado o teatro.

As fotografias da espantosa torre que vão sendo publicadas são tiradas de ângulos que lhe acentuam o tamanho, mas, assim mesmo, a caixa de palco parece alta demais, não para o fim a que se destina, mas para a zona da cidade onde o edifício se insere.

Ficaria bem num terreno camarário desafogado e com estacionamento próprio. Pena não se ter optado por essa solução, mas discuti-la agora é pura perda de tempo.

O teatro poderá receber 300 pessoas sentadas ou entre 600 e 700 de pé, retirando-se as cadeiras. Vender 300 bilhetes parece mais fácil do que 600, mas talvez haja mais público interessado em concertos pop-rock a que se assiste de pé, do que nas disciplinas a que se assiste sentado.

Deveria o Cineteatro António Pinheiro colocar-se no “mercado” baseado numa rica programação de nomes de sucesso em diversas disciplinas, proposta por um programador cultural, para servir às populações locais (e até Huelva)?

Ou deveria ter um diretor artístico de renome para “assinar” uma programação dedicada a uma vertente estética de qualidade reconhecida?

Em nome da democracia, qualquer dos nomeados deveria ter um mandato limitado e, nenhum deles deve ser funcionário público, porque, segundo a Constituição Portuguesa, tudo o que diz respeito à fruição e criação cultural “cabe ao Estado em colaboração com todos os agentes culturais”.

O papel definido para os políticos e servidores públicos é o de “incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de ação cultural, e “apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e coletiva”.

A ideia-chave para se desenvolver qualquer política cultural baseia-se nessa premissa: trabalhar em conjunto. Políticos e servidores apoiam, cidadãos criam.

E como deverá ser administrado? Há muitos modelos. Posso referir este link para um estudo comparado sobre espaços culturais europeus que fiz há alguns anos, mas que ainda é válido em termos de exemplos. Há matéria para inspiração.

Depois, será preciso financiar a programação. Equipar aquela torre com os mecanismos necessários: urdimento, cicloramas, equipamento de som e luz, projetores e écrans, entre outras coisas, com manutenção constante, será muito caro, mas absolutamente necessário para que o modelo arquitetónico escolhido faça sentido.

Será também dispendioso manter a equipa a contratar para apoiar o responsável pela criação do programa: há que tratar de gestão, produção, divulgação, frente de casa, técnica, manutenção… porque uma programação sustentável, num teatro daquelas dimensões, não se faz apenas com profissionais pagos à jorna ou equipamentos alugados ao dia.

E há que decidir se esta estrutura será apenas de acolhimento ou se terá também produção própria, e se alugará ou não as suas instalações para uso externo como estratégia de financiamento.

Será sempre preciso lidar com os condicionamentos da nossa pequena cidade. O concelho tem alguns artistas individuais e grupos musicais que são profissionais, e cerca de três dezenas de associações de artistas amadores ou semiprofissionais de diversas disciplinas, aos quais dá algum apoio, suportando parcialmente programas ou criações pontuais que as associações conseguem produzir com uma grande dose de gratuidades profissionais ou voluntariado amador.

Em qualquer modelo, será imperioso e justo reservar tempo suficiente de uso deste espaço para todos eles.

Há muitas perguntas a responder, mas não há dúvida que existirão nesse teatro condições (pelo menos arquitetónicas) para acolher até uma adaptação da ópera “Aida”, de Verdi… talvez sem orquestra completa e com um coro mais modesto, mas com direito a elefante.

Haveria receita de bilheteira suficiente para cobrir os custos de um evento de tal natureza? Pode-se considerar a venda antecipada de bilhetes no mercado nacional e internacional. Os preços variam dos 20 aos 100 euros em Lisboa, ou dos 200 aos 900 euros em Viena da Áustria. Quanto poderiam custar em Tavira?

E já existem planos de angariação de fundos e mecanismos para rentabilizar esse investimento de 5 milhões de euros? Como se diz em terra de provérbios… é tempo de se colocar mãos à obra, porque, “quem anda à chuva, molha-se”…

 

Autora: Tela Leão é programadora cultural e presidente da direção da associação cultural Partilha Alternativa

 



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