Plataforma Água Sustentável contesta soluções do PRR para eficiência hídrica no Algarve

Associações e movimentos ambientalistas falam em «soluções que não são soluções»

A Plataforma Água Sustentável (PAS) acusa o Governo de apostar em soluções «tiradas da cartola» para tentar aumentar a eficiência hídrica do Algarve, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e de fazer «tábua rasa» do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas (PIAAC), um documento «de fôlego» elaborado «por reputados especialistas e com forte participação cívica».

Este grupo de associações e movimentos, composto pel’ A Rocha, Agua é Vida, Almargem, Associação Faro 1540, Civis, Glocal Faro, Quercus Algarve e Regenerarte, tornou público o seu desacordo em relação à aposta no transvase de água do Pomarão e na construção de uma ou mais estações de dessalinização como parte de uma estratégia para promover a eficiência hídrica na região previstas no PRR, para a qual estão reservados 200 milhões de euros.

A PAS apela à participação na consulta pública do PRR e as suas constituintes já estão a preparar os seus contributos para esta janela aberta à participação cívica, que acaba a 1 de Março.

Numa nota enviada às redações, a plataforma de associações e movimentos defende que a necessidade destas duas obras «fica por provar» e que os seus «impactos ambientais e económicos são muito elevados».

«Nós temos o PIAAC [apresentado em Junho de 2019], que aponta soluções, é um trabalho de fôlego, bem feito, que demorou um ano a fazer e envolveu a sociedade civil. Mas as medidas que são vertidas para o Plano de Resiliência são estas duas obras, que só surgiram mais tarde», disse ao Sul Informação Alice Pisco, porta-voz da PAS.

Este “mais tarde” foi o mês de Setembro passado, altura em que o Governo veio à região apresentar o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve.

Na mesma sessão de apresentação deste documento, que apontava para um défice estrutural de água no Algarve, com tendência a piorar, e para soluções do lado da poupança e melhoria da gestão, foi apresentado um estudo paralelo, onde se analisou a pertinência e viabilidade de grandes infraestruturas  para aumentar as disponibilidades hídricas no Algarve, a médio/longo prazo.

Entre elas, contavam-se o transvase de água do Pomarão para a barragem de Odeleite e a dessalinização, ideias que foram agora “repescadas” para integrar o PRR, que define onde será gasta a “bazuca europeia” de fundos para recuperar a economia no pós-pandemia.

 

Pomarão – Foto: Hélder Santos | Sul Informação

 

As diferentes associações e movimentos que constituem a plataforma não aceitam que, assim que o dinheiro surgiu, o PIAAC tenha sido «deitado imediatamente para o lixo, para se irem buscar estas soluções, que em termos técnicos não têm grande consistência».

Prioritárias, defendem, deveriam ser as várias medidas de curto médio/prazo que o plano de adaptação às alterações climáticas preconiza, nomeadamente a implementação de técnicas de retenção de água, como «paisagens de retenção de água, lagos artificiais, bacias de retenção, açudes e reservatórios».

Estas soluções «já são defendidas para o Algarve há pelo menos 50 anos, por Manuel Gomes Guerreiro, Gonçalo Ribeiro Telles e outros, porque são medidas de bom senso e de fôlego, que nos podem tornar autossuficientes».

Por outro lado, é apontada a necessidade de melhorar as políticas de gestão da água, nomeadamente «remodelar as infraestruturas de rega, de modo a suprimir as perdas na rede, e reduzir as necessidades de água nos espaços verdes urbanos», bem como reutilizar águas residuais.

Estas últimas medidas até são mencionadas no PRR, algo que a plataforma apoia.

«Claro que nós concordamos com as coisas que são apontadas como medidas de curto prazo e estão de acordo com esse trabalho que foi feito, de grande fôlego. Agora, não concordamos é com soluções que surgem como coelhos tirados de uma cartola», disse Alice Pisco.

«Deve fazer-se as coisas com consistência científica e técnica. Temos um documento que aponta as soluções e é por aí que devemos ir e não optar por soluções mirabolantes», reforçou.

É que, para a PAS, as duas grandes obras previstas no PRR «não são soluções ou, no caso da dessalinização, não o são para já, porque se tem de ir monitorizando a situação e ver o que se passa».

«A história da captação de água no Pomarão é um bocado mirabolante. Para já, não é solução nenhuma, porque basta haver um ano mais seco e os espanhóis não libertarem caudais – e a previsão é que as coisas sejam cada vez piores -, para que se torne inviável», diz a co-fundadora da Glocal Faro.

Por outro lado, é uma solução que não foi alvo de um estudo de fundo e que poderá até carecer de articulação com a vizinha Espanha.

 

Quanto à dessalinização, apesar de ser «certo que aparece no PIAAC»,  era apontada neste plano como um projeto de futuro, que só avançaria «se, durante o acompanhamento e monitorização da situação, esta piorasse».

Alice Pisco lembrou que as soluções que vão ser financiadas pelo PRR foram avançadas por uma equipa de especialistas independentes, da qual «fez parte Carmona Rodrigues, que já tinha essas ideias e já as tinha divulgado anteriormente».

Mesmo o PREH do Algarve, defende a porta voz da plataforma, «foi um bocado feito às três pancadas. Não convidaram ninguém, só os empresários. A sociedade civil não esteve representada. E depois fizeram o tal estudo paralelo e deu no que deu. Agora parece que é tão bom que até já está no PRR», gracejou Alice Pisco.

A dimensão técnica e ambiental não é, ainda assim, a única que preocupa os membros da plataforma.

Para a PAS, o que também está aqui em causa é o uso «dinheiro públicos para negócios privados», para estes «lucrarem com o erário público ao arrepio dos direitos humanos».

Na nota que enviou às redações, a plataforma lembra que, numa sessão pública promovida pela Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos, «foi reafirmada a informação de que a água do Pomarão, a ser custeada por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, já que água captada no Pomarão será comercializada mais barata do que a obtida por dessalinização. Quanto à dessalinização, a ser implementada por empresas privadas, disponibilizará o metro cúbico da água para consumo doméstico por um valor mais alto, apesar da água ser um bem indispensável à vida e, por isso, um direito assegurado pelo Estado aos seus cidadãos».

«Isto está tudo mal cosido e nós sabemos como é que as coisas funcionam. “Agora há muito dinheiro, que ideias é que há aí?” e começa tudo a mandar sugestões. Não é uma coisa séria e é isso que nós também queremos dizer», enquadrou Alice Pisco.

«Já temos fundamentos técnicos e científicos para continuar por vias que não estão vertidas no PRR. É que andar a fazer represamentos na serra, a melhorar as redes de distribuição para evitar perdas, dá trabalho e dá pouco dinheiro a certos lóbis», acusou.

 

 

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