Explorando os nomes femininos que há no céu

Por todo o mundo, muitas mulheres e raparigas escolhem, cada vez mais, a ciência, as engenharias, a matemática e as tecnologias como percurso académico e profissional

O Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, assinalado a 11 de Fevereiro, é uma data definida pela UNESCO e pretende chamar a atenção para uma desigualdade no número de mulheres na investigação científica ou com interesse nos estudos nestas áreas.

Para assinalar este dia, propomos uma pesquisa e exploração de alguns nomes femininos no céu e no Sistema Solar. Mais do que meros nomes, estes levam-nos a descobrir a diversidade das contribuições presentes na astronomia.

Numa primeira abordagem, esta busca por nomes femininos no céu pode dar origem a algumas curiosidades aos nossos olhos de casuais observadores.

Vemos o Sol e a Lua no céu, “o” Sol e “a” Lua! E é curioso que “Sol” é uma palavra masculina e “Lua” feminina. Um primeiro pensamento pode tentar atribuir significado ao género destas palavras, constatando que o “dia” e a “noite” são também masculino e feminino!

Trata-se de um pensamento enganador, já que este significado de género varia com a língua usada! As mesmas palavras, em inglês (“Sun”, “Moon”, “day” e “night”), não têm qualquer género definido! Em Alemão, o caso é curioso pois Sol e Lua têm os géneros trocados face ao Português! Ao Sol corresponde “die Sonne” (feminino) e à Lua corresponde “der Mond” (masculino), e o dia e a noite mantêm o mesmo género que temos em Portugal (“de tag” e “die nacht”).

Este preâmbulo curioso alerta-nos para os perigos de falácias ao tentar contabilizar, por exemplo, quantas constelações vemos no céu que sejam masculinas e quantas femininas!

Há que ter em conta que as constelações têm associadas figuras que fazem uma alusão cultural a aspetos dos povos que buscaram no céu alguma orientação!

Mas também são uma homenagem, numa “visão ocidental”, ao que a Humanidade foi enfrentando na sua descoberta de conhecimento.

Como particularidade adicional, até ao século XVIII, a língua escolhida para comunicar em Ciência internacionalmente foi o Latim, que também tem o género masculino, feminino, e neutro! As constelações, sem exceção, têm um nome oficial em latim também!

Assim sendo, interpretar o género de uma constelação, pode ser mais complexo do que se pensaria…

Existem 88 constelações definidas oficialmente pela União Astronómica Internacional (UAI). Uma parte destas constelações homenageia o povo da Grécia Antiga, que, na sua visão pré-científica, já tinha compilado e “aprimorado” figuras mitológicas desenhadas por estrelas no céu.

Outra parte do céu, inacessível aos povos da Grécia Antiga devido à latitude, foi maioritariamente dedicada a uma particular fase de exploração ocidental do nosso planeta até ao hemisfério Sul, que envolveu a navegação até ao Novo Mundo e as descobertas nesse novo território.

Assim, 30 das constelações são objetos ou formações geológicas, 30 são animais, 27 são seres mitológicos, e 1 é um ser humano que personifica os novos povos encontrados (a constelação Índio [sulamericano]).

 

Saber qual o sexo de um ser mitológico, além dos desafios escondidos na tradução, ainda acresce que, na própria mitologia, há vários autores com versões diferentes do mito que dá sustento à figura da constelação!

Capricórnio, por exemplo, pode ser associado a Amaltheia, (feminina, uma cabra mitológica que amamentou Zeus), ou a Hera, a esposa de Zeus, ou um filho (masculino) de Zeus, com aparência humanizada de um caprino.

Em todos estes casos, os mitos convergem na capacidade intencional de autotransformação (por motivos de indecisão ou de vantagem estratégica, este ser transformou-se só parcialmente em peixe). Daqui resulta uma indefinição quanto ao género da constelação!

Há outras constelações que representam um conjunto plural de entidades… Com Gémeos, não é garantido que os irmãos sejam do mesmo sexo. A constelação de Cães de Caça também é indefinida neste aspeto.

 

No entanto, há animais ou seres mitológicos que manifestamente têm que ser macho ou fêmea devido a referências explícitas (Ursa Maior, Ursa Menor) ou devido ao dimorfismo sexual (Leão é macho por ter a juba, Pavão que exibe as suas penas).

Mas, por exemplo, o Leão Menor pode não se saber devido à tradução de “leo” que não implica um género, e não se conhece nenhuma obrigatoriedade de ter juba ou ser macho jovem. No século XIX, chegou mesmo a ser a constelação “Leoa”, que alimenta ainda mais esta incerteza.

Em relação às constelações associadas a objetos, não faz sentido interpretar a partir do género do substantivo.

Tendo estas limitações em conta, as referidas 88 constelações dividem-se em 13 manifestamente masculinas, 5 garantidamente femininas; em números semelhantes a estes, estão as constelações cuja interpretação tende para masculino (14) ou tende para o feminino (7); e as últimas 49 não têm género definido ou é incerto atribuí-lo.

 

 

Nos oito planetas do Sistema Solar, só dois têm nome feminino: o planeta que nos viu nascer e Vénus, associado a uma divindade da beleza e do amor. Os restantes nomes são baseados em divindades masculinas da Roma Antiga…

Mas, voltando ao início, como se atribui então, nos tempos modernos, um nome a um objeto no espaço (ou no céu)?

A UAI tem grupos de trabalho dedicados a isto mesmo: nomes a atribuir a planetas (caso se descubra mais um, nunca se sabe), a características morfológicas nesses planetas (montanhas, vales, crateras, lagos, etc), planetas anões, satélites naturais de planetas ou corpos menores do Sistema Solar.

Tradicionalmente, os satélites de planetas têm mais nomes de divindades femininas do que masculinas. É o caso das luas dos planetas gasosos e gelados!

Normalmente, quem descobre um determinado corpo ou aspeto, é informado do nome temporário que a sua descoberta adquire, mas tem direito a sugerir um nome com alguma conotação associada, que o(s) grupo(s) de trabalho posteriormente avaliarão, e farão por o aprovar ou dar outro caminho à sua nomeação. Mas este processo pode variar ligeiramente, em função dos grupos de trabalho.

Por exemplo, crateras, vales, montanhas em planetas, satélites ou outros corpos, podem ser inspirados em personalidades, em espécies botânicas, em montanhas ou cidades do nosso planeta. No entanto, planetas e luas ficam dentro do contexto mitológico.

Atribuir um nome implica, assim, que haja um descobridor, haja uma sugestão de nome e, muito importante para tudo, é necessário que o objeto descoberto se deixe descobrir com a tecnologia da época. Este aspeto influencia subtilmente a nossa sugestão de focar agora a busca de nomes femininos no caso dos asteróides.

No que toca a asteróides e outros corpos menores do sistema solar, há já muitos exemplos no século XX, dos quais só destacamos estes dois:

 

O asteróide descoberto em 1988 (12859) Marlamoore, homenageando Marla H. Moore, investigadora pertencente ao Goddard Space Flight Center da NASA. Marla H. Moore é astrónoma profissional ainda no ativo e professora universitária, com estudos sobre a irradiação de gelos e implicações em grãos interestelares. Participou em missões espaciais recentes, como a OSIRIS-REx, que se dedicam à exploração do nosso Sistema Solar.

 

E o asteróide (12753) Povenmire, originalmente designado “1993 HE” e co-descoberto pela astrónoma Carolyn Shoemaker, com o nome inspirado em Katie Povenmire, uma enfermeira de profissão, mas astrónoma amadora, observadora de chuvas de meteoros, ocultações rasantes de estrelas pela lua, ocultações asteroidais, e com contribuição científica para a determinação das dimensões destes objetos.

Estes dois casos mostram que o contributo para a ciência nem sequer obriga a ser feito por um profissional na área, e que, mesmo assim, o reconhecimento é merecido com atribuição dos nomes dos objetos no céu.

A ciência precisa de trabalho correto e com método, que pode ser realizado independentemente dos conhecimentos e experiência de base da pessoa.

 

No século XIX, de entre os primeiros asteróides a receber nomes femininos estão:

(238) Hypatia, descoberto em 1884, inspirado por Hypatia de Alexandria – uma filósofa do século IV a.C, cujos comentários à obra de Ptolomeu foram encontrados e utilizados por Copérnico, mostrando que, mesmo na antiguidade, antes da ciência ser uma Ciência consolidada, já havia mulheres influentes no pensamento e no conhecimento.

Este marco é importante pois trata-se da altura em que os textos escritos transitaram da visão do nosso sistema de planetas centrado na Terra, para um sistema estelar com o Sol a ser orbitado pelos planetas.

Mudar o pensamento de um modelo geocêntrico para um heliocêntrico foi uma autêntica revolução e teve esta mulher num papel importante nesta transição.

 

(281) Lucretia – homenageando Caroline Lucretia Herschel, irmã de William Herschel, foi descoberto em 1888.

Esta astrónoma viveu numa época diferente de Hypatia. A visão global de como o Sistema Solar “funcionava” estava muito mais “estável”; no entanto, viviam-se ainda os seus mistérios sobre como se teriam formado os planetas e era uma altura que proporcionava a descoberta de inúmeros objetos novos.

No século anterior, Halley tinha demonstrado que cometas poderiam ser periódicos (com o seu primeiro cometa periódico descoberto, o cometa Halley) e a busca por mais cometas e outros objetos não tinha diminuído.

Já a trabalhar com o seu irmão, foi contemporânea da descoberta por ele de Urano. Caroline ajudou o irmão a desenvolver a abordagem matemática moderna da astronomia.

Este conhecimento matemático assume especial importância, visto que o planeta seguinte foi descoberto por previsão matemática da sua posição. Caroline foi também a primeira mulher a descobrir um cometa, bem como mais outros sete nos anos seguintes…

Descobriu mais três Nebulosas e fez correções a centenas de posições de estrelas catalogadas.

Além do asteróide, o seu nome foi atribuído a crateras lunares (C. Herschel) e em mais objetos do céu noturno: um enxame de estrelas NGC 2360 conhecido como “Caroline’s Cluster”, e outro NGC 7789 apelidado de “Caroline’s Rose”.

 

Instrumentos científicos e observatórios inteiros também podem receber o nome de personalidades e o observatório Vera C. Rubin (situado no Chile, no pico de Elqui, 350 km a Norte da capital Santiago) é um exemplo de tal.

Vera Rubin foi pioneira na observação da rotação de galáxias e na perceção de como essa rotação diferia do que seria expectável. Para explicar a rotação, mais matéria teria que existir, “escura” ou invisível aos nossos instrumentos.

Com o final da construção apontado para o próximo ano, este observatório irá explorar os céus em busca de conhecimento sobre inúmeras galáxias em simultâneo, continuando o trabalho da astrónoma que lhe inspirou o nome, na compreensão da matéria escura.

Resta-nos esperar um futuro em que todos os humanos sejam curiosos, colaborem, explorem e em que todos ajudem a desvendar os mistérios científicos ainda por encontrar e que a astronomia nos reserva!

 

Autor: Filipe Dias, astrónomo no Centro Ciência Viva do Algarve

 

 

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