Sem poder ir para o terreno, arqueólogos “escavam” segredos de Cacela no laboratório

Equipa do projeto arqueológico que está a decorrer desde 2018 em Cacela Velha

Investigação sobre o passado de Cacela Velha continua na UAlg – Foto: Direção Regional de Cultura do Algarve

Em 2020, os arqueólogos não puderam ir para o terreno e continuar a escavação iniciada em 2018, mas a pandemia de Covid-19 não impediu que o projeto de investigação «Muçulmanos e cristãos em Cacela Medieval: território e identidades em mudança» conhecesse avanços, no laboratório.

A inesperada chegada da Covid-19 obrigou a equipa de investigadores da Universidade do Algarve (UAlg) e da Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg) a repensar as escavações que estavam previstas para o Verão passado e a focar-se no trabalho de análise do material recolhido nos dois primeiros anos de trabalho no terreno.

Impedidos de escavar, investigadores e alunos focaram todas as suas intenções nas ações laboratoriais e os resultados já começaram a surgir.

«Há alguns resultados interessantes do ponto de vista das faunas. Começamos já ter alguns dados quantitativos e bate bem com aquilo que já estávamos à espera», revelou ao Sul Informação Maria João Valente, arqueóloga e professora da UAlg, que coordena o projeto em conjunto com a também arqueóloga Cristina Teté Garcia, da DRCAlg.

 

Cristina Tété Garcia e Maria João Valente – Foto: Rodrigo Damasceno | Sul Informação

 

Entretanto, a investigação que tem vindo a ser desenvolvida permitiu lançar luz sobre a zona do poço antigo, «onde nós estamos a escavar e que pensávamos que tinha sido totalmente abandonada e depois ocupada pelos cristãos, para fazer a necrópole por cima».

Ou seja, a teoria que existia era a de que «o bairro islâmico terá sido abandonado já próximo da altura da Reconquista cá chegar abaixo e teria sido ocupado, mais tarde, pelos cristãos, já com outra função», como cemitério.

«Mas a situação parece ser mais complexa do que estávamos à espera, porque há a reocupação do próprio bairro. Ou seja, este terá sido abandonado, num primeiro momento, e depois terá sido reocupado. O que ainda não sabemos é se foi reocupado ainda por muçulmanos ou se por algum grupo cristão que se tenha fixado ali após a conquista do castelo. Esta é uma das coisas que temos de ver nos próximos anos», explicou Maria João Valente.

Esta informação surge graças ao trabalho que tem vindo a ser realizado e que vai muito além das semanas em que arqueólogos e estudantes – portugueses e canadianos – escrutinam minuciosamente o solo, sob o olhar da velha fortaleza de Cacela-Velha.

 

Material resultante das escavações arqueológicas – Foto: Rodrigo Damasceno | Sul Informação

«Este ano, as atividades do projeto de investigação “Muçulmanos e Cristãos em Cacela Medieval: território e identidades em mudança” foram alteradas. A escavação arqueológica de Verão foi cancelada, as equipas reorganizaram-se e este tempo foi empregue em tarefas diversificadas. Assim, na tranquilidade das instalações da Biblioteca da Universidade do Algarve, investigadores de antropologia analisaram esqueletos provenientes da necrópole cristã de Cacela», descreveu a Direção Regional de Cultura, numa publicação na rede social Facebook.

«Já no Laboratório de Arqueologia da mesma universidade, foi ensaiado o desenho arqueológico de peças metálicas encontradas nas escavações arqueológicas com a colaboração de um aluno da Faculdade de Belas Artes (Lisboa)», acrescentou a mesma entidade.

Entretanto, a equipa do município de Vila Real de Santo António «começou a dar forma ao Sistema de Informação Arqueológica de Cacela-Velha, criando a base de dados de registo das cerâmicas, cuja coleção atinge perto de 15.000 fragmentos».

«Nesta dinâmica, foi também ensaiada a base de dados de Antropologia, com a sistematização de toda a informação bio-arqueológica da necrópole de Cacela-Velha, no âmbito de um trabalho final de seminário de investigação do curso de Património Cultural e Arqueologia da Universidade do Algarve», ilustrou a Direção Regional de Cultura.

 

Aluno de Belas Artes veio dar uma ajuda aos arqueólogos – Foto: Direção Regional de Cultura do Algarve

 

«Se as coisas não se compuserem ao nível do trabalho do campo, vamos continuar a investir a sério de laboratório, porque este trabalho tem de ser feito. Temos material para, pelo menos, dois bons anos só de trabalho de materiais», disse, por seu lado, Maria João Valente.

«A nível de trabalhos de mestrado, já estão todos a ser desenvolvidos. Quanto ao Doutoramento, que era algo que gostaríamos que estivesse já em curso, está sempre dependente de uma bolsa. Estamos à espera disso», contou ao Sul Informação.

As colaborações com o Laboratório Hércules da Universidade de Évora também se mantêm «e houve muitos materiais que foram encaminhados para laboratório para serem analisados do ponto de vista bioquímico. Tudo o que é a nível de laboratório, está a andar bem».

Apesar de não ter sido possível continuar a escavação no terreno, conforme estava previsto, foi possível fazer «o levantamento 3D, topográfico e fotográfico, do poço antigo. Gostaríamos de o ter feito antes, mas só conseguimos fazê-lo em Outubro, mês em que choveu e é sempre complicado fazer este tipo de trabalho à chuva. Mas foi feito», garantiu a arqueóloga da UAlg.

Já a DRCAlg salientou que este trabalho, bem como a limpeza do sítio arqueológico, foram feitos em articulação com o município de Vila Real de Santo António e a Guarda Nacional Republicana, parceiros do projeto.

«Foi um tempo muito útil de organização, de análise do espólio arqueológico inédito de Cacela-Velha e de dar continuidade aos vários trabalhos académicos e de investigação científica em curso. Espera-se, em 2021, regressar de novo ao terreno para continuar os trabalhos arqueológicos e de salvaguarda do Património Cultural», conclui aquela entidade.

 

 

 

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