Vêm aí «dias muito difíceis» para São Brás com o confinamento parcial

«É uma decisão que não compreendemos e que contestamos», diz o presidente da Câmara

São 9h45 e Maria Amélia Lourenço está sozinha no café, sem clientes para atender. Idália Pires tem uma banca de flores há 10 anos no Mercado e prevê «dias muitos difíceis». São Brás de Alportel é o único concelho algarvio que vai entrar em confinamento parcial a partir de quarta-feira, 4 de Novembro, e na vila sente-se um misto de tristeza e revolta. A culpa, em parte, «é das próprias pessoas que relaxaram», atira Clara Santos.

O anúncio foi feito no sábado pelo primeiro-ministro: todos os concelhos, com mais de 240 casos de Covid-19 por 100 mil habitantes, nos últimos 14 dias, vão ter medidas mais restritivas de combate à pandemia.

A nível nacional, são 121, mas no Algarve, entre 16, só um preenche os critérios. Trata-se de São Brás de Alportel, que tem 40 casos ativos e um total acumulado de 71 infetados.

«Sermos incluídos foi a nossa medalha de bom comportamento», graceja Clara Santos, à porta do seu estabelecimento. Há duas semanas, comenta, «isto estava muito bom», mas só o surto no Lar da Santa Casa da Misericórdia, responsável por 24 casos, veio «trocar tudo».

«Também temos de pensar que somos um concelho apenas com uma freguesia e menos população, o que afeta a questão dos rácios», acrescenta à reportagem do Sul Informação.

 

Dona Clara Santos

 

À porta da sua loja, na rua António Rosa Brito, passam todos os dias dezenas de pessoas, mas o seu negócio – de venda de produtos de decoração e atoalhados – vai mal.

Ainda assim, Clara Santos, que já teve um familiar infetado com Covid-19, prefere focar-se na resposta que a comunidade tem de dar à questão sanitária.

«Sabe, eu não me sinto insegura, isso não, mas o que noto é que há gente que não se protege. Há pessoas que podiam ficar em casa, mas saem na mesma, para os cafés, por exemplo. Quem tem de trabalhar, tem de trabalhar. Agora, quem pode ficar em casa…que fique», diz.

Com as novas medidas a partir de quarta-feira – que incluem o dever cívico de recolhimento, o teletrabalho se possível ou o encerramento dos estabelecimentos comerciais às 22h00 -, Clara Santos garante que vai «cumprir tudo o que a lei mandar».

Só que, «infelizmente, há sempre a questão dos comércios poderem fechar de vez». Que o diga a dona Maria Amélia Lourenço. Há 33 anos à frente do café Dois Irmãos, no Largo de São Sebastião, diz que nunca viu «tempos tão negros».

 

Dona Maria Amélia Lourenço

 

«Eu acho que isto está tudo mal. Durante o dia, lá sirvo uma bica, um bolo, mas nada como dantes. Não sabemos bem como vai ser o futuro, mas, se agora já estava mau, provavelmente ainda vai piorar a partir de quarta-feira», perspetiva. Prova de como as pessoas «já se estão a resguardar mais» é que, enquanto decorre esta conversa, não há um único cliente no café.

A crise que a Covid-19 trouxe já a obrigou a pôr o estabelecimento para trespasse. «Ontem, por exemplo, foi dia feriado e normalmente eu teria a casa cheia. Mesas com familiares, amigos, mas quase nem tive movimento. Está muito difícil manter o negócio de pé, mas a reforma é pouca. Por isso é que me vou mantendo», confessa, de semblante carregado.

Ali perto, na papelaria Eneida, o movimento é muito maior. Há quem entre para comprar o jornal, para jogar no Euromilhões ou para ainda levantar livros escolares.

O civismo dos clientes é que, lamenta Angelina Custódio, a dona do estabelecimento, nem sempre é cumprido.

«Nós, agora com as novas medidas, vamos manter tudo igual: as regras dos limites das pessoas cá dentro, as máscaras, o gel à entrada. Instalámos estes acrílicos, fizemos tudo pela segurança. A situação pode piorar, mas eu vou continuar aberta. Tenho aqui uma empregada e não tem sido fácil. Isto é como gerir uma casa», diz.

A Vítor Guerreiro, presidente da Câmara de São Brás, a inclusão do seu concelho na lista dos 121 com confinamentos parciais deixou-o «totalmente surpreendido».

 

Vítor Guerreiro

«É uma decisão que não compreendemos e que contestamos. Nós temos a situação controlada no concelho. Tivemos os casos no lar, alguns nas escolas, mas tudo devidamente monitorizado». O facto de São Brás não ser considerado um concelho de baixa densidade (onde os surtos nos lares não contam para incluir um município na lista do confinamento parcial) e de ter apenas uma freguesia foi prejudicial ao município algarvio. «Nós não somos um concelho de baixa densidade e então os casos nos lares também contam – foi isso que entrou aqui em equação», enquadra Vítor Guerreiro ao Sul Informação.

Mas a revolta que o executivo, que até é de maioria PS, sente já levou a Câmara de São Brás a manifestar o seu desagrado junto do Governo.

Quanto ao relaxamento, apontado por muitos munícipes, o autarca considera que essa «não é a principal questão», admitindo «casos pontuais em alguns estabelecimentos».

Vítor Guerreiro prefere realçar o «trabalho fantástico dos comerciantes» que agora «vão ser os mais afetados com esta inclusão» na lista do confinamento.

Idália Pires já sentiu, neste Dia de Finados, as consequências da pandemia na sua banca de flores no Mercado Municipal. «As pessoas têm medo e os negócios tendem a piorar. Ontem, deveria ter sido uma romaria aos cemitérios. Normalmente, até contratava alguém para me ajudar, mas este ano as vendas foram baixíssimas», conta ao Sul Informação.

Vítor Guerreiro também teme pela restauração. «Tenho receio de que as pessoas que viriam, de outros concelhos, para frequentar a nossa restauração, agora fiquem em casa», lamenta.

 

Isa Rodrigues

 

Mas, como esta pandemia já o demonstrou, o mais difícil é manter o equilíbrio (tão ténue) entre economia e saúde pública. A opinião de Isa Rodrigues, residente nos Machados, é um bom exemplo.

«Eu acho que a Câmara tem feito um bom trabalho, mas vejo pessoas a comportarem-se mal. Entendo que todos estamos saturados destes tempos de exceção, mas quero acreditar que as pessoas vão cumprir estas novas regras. Eu ficarei, cada vez mais, em casa. Ao mesmo tempo, acho que vêm aí dias difíceis, sim, o desemprego, a precariedade».

Mas a esperança, essa palavra que tanto se tem ouvido, é a última a morrer.

«Temos de ter fé! Eu acho que daqui a 15 dias saímos da lista!», remata Isa Rodrigues, enquanto, da mesa do Café da Vila, olha para o pouco movimento na Avenida da Liberdade.

 

Fotos: Flávio Costa | Sul Informação

 

 

 

 

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