História geológica do Algarve revela-se nas camadas multicores da Praia da Luz

Na Praia da Luz, estão resumidos 120 milhões de anos da história geológica do território a que hoje se chama Algarve

Fósseis dos gastrópodes Nerinea algarbiensis na Praia da Luz – Foto: Filipe da Palma

Todas as camadas multicolores da Praia da Luz são páginas de um livro, em que cada página nos conta um momento da história geológica do Algarve.

 

Estratos identificados – Foto DR

As sequências rochosas multicoloridas revelam a composição das rochas sedimentares, mas mostram-nos igualmente 120 milhões de anos de histórias, histórias de avanços e de recuos do mar, uma linha de costa em constante modificação.

Os estratos de sedimentos finos, como as margas e os argilitos (de tons verde, vermelho e violeta) depositaram-se em ambientes mais afastados da linha de costa.

Pelo contrário, os arenitos (em tons de amarelo), onde, por exemplo, podemos observar as Nerineas, são sedimentos que se depositaram próximo da linha de costa da altura, num ambiente semelhante a uma praia.

As arribas de belas camadas coloridas perto das quais hoje colocamos a nossa toalha já foram um fundo de mar profundo ou uma zona costeira próxima do continente de então, ou mesmo ambiente de praia. E como sabemos isto?

Pelas características das rochas, pelo tamanho e tipos dos seus minerais, pelas suas cores.

 

O que revela mais a Praia da Luz?

Se caminharmos para Este, com o mar pela direita, chegamos ao limite natural da Praia da Luz, uma barreira rochosa escura, quase negra nalguns locais, que quase impede a caminhada.

E o que é essa barreira, a Ponta das Ferrarias, popularmente chamada de Rocha Negra?

São os restos de um antigo vulcão, com atividade há cerca de 70 milhões de anos, da mesma altura da formação de Monchique. Apesar de não ter o tamanho nem ser impressionante como o Vesúvio ou o Etna, somos ainda capazes de reconhecer parte das paredes desse vulcão do Cretácico superior (período da história da terra que vem imediatamente a seguir ao famoso Jurássico).

 

O que nos ensinam os vestígios vulcânicos na Praia da Luz?

Há aproximadamente 70 milhões de anos, a Península Ibérica continuava a ser uma “jangada de pedra”, relativamente isolada do resto do continente europeu e cada vez mais longe do continente americano.

Estas mudanças paleogeográficas, que que já se vinham a acentuar há algumas dezenas de milhões de anos, são a consequência do afastamento das placas tectónicas que originaram a abertura do Oceano Atlântico.

Todas as alterações dos continentes e movimentos tectónicos fizeram com que a Península Ibérica, nesta altura, se movimentasse no sentido contrário dos ponteiros do relógio, para além de navegar ora para norte, ora para sul, ao sabor desses movimentos tectónicos lentos.

Se apertarmos um petit gâteau, cujo exterior é sólido, mas cujo interior se encontra em estado líquido, o recheio sairá e ficaremos com um prato de texturas variadas.

Assim também aconteceu há cerca de 70 milhões de anos em vários pontos da Península Ibérica. Com as grandes movimentações tectónicas, criaram-se várias zonas de fraqueza que, tal como acontece nos petit gâteaux, fizeram com que material em fusão do interior da Terra pudesse ascender à superfície e foram esses materiais que deram origem ao vulcão da Rocha Negra e a outras estruturas vulcânicas de menor tamanho, como uma que existe mesmo no centro Vila da Luz, num jardim de uma casa particular.

 

E os fósseis, que histórias geológicas nos contam?

Na Ponta da Calheta, na extremidade Oeste (o lado direito de quem olha para o mar), há uma mega-concentração de fósseis – os gastrópodes Nerinea algarbiensis. Os fósseis destes animais encontram-se em arenitos amarelados, em grande quantidade, e é possível observar que muitos deles estão alinhados.

Este facto é indicador dos movimentos das marés do Cretácico superior, com uma linha de costa diferente da atual, uma vez que o movimento das marés provocou o alinhamento das suas conchas.

Se fecharmos os olhos talvez ainda sejamos capazes de imaginar esses mares e costas de há 120 milhões de anos, habitat das Nerineas viviam, próximo da costa de então, e onde as suas conchas se depositaram.

São estas algumas das histórias que a Geologia e Paleontologia da Praia da Luz têm para nos contar.

 

TURISMO CIENTÍFICO DO CENTRO CIÊNCIA VIVA DE LAGOS

O Centro Ciência Viva de Lagos aceita marcações de visitas guiadas quer à Praia da Luz, quer às pegadas de Dinossauro da Praia Santa ou da Praia da Salema. Grupos/ famílias até 8 pessoas.

https://lagos.cienciaviva.pt/

 

Vídeo produzido pelo Centro Ciência Viva de Lagos sobre a Praia da Luz

 

 

Autor: Luís Azevedo Rodrigues é paleontólogo (PhD) e diretor executivo do Centro Ciência Viva de Lagos, [email protected]

 

 

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