«É desolador»: Numa Tavira sem pessoas na rua, só o som do Gilão nos acompanha

Reportagem ao final do primeiro dia de confinamento parcial em Tavira

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

O som da água a correr no rio Gilão é quase o único que se ouve, mal cai a noite em Tavira. O concelho algarvio está em confinamento parcial desde esta segunda-feira, 16 de Novembro, devido ao aumento de casos de Covid-19 e, nas ruas, «já se nota menos movimento». Há lojas que esperam horas por clientes, um restaurante que não serve refeições, medo das pessoas e preocupações dos comerciantes. «A corda vai esticando…vamos ver é até quando é que aguenta sem rebentar», dizem.

No primeiro dia desde que Tavira entrou na lista de concelhos de maior risco (com medidas mais apertadas, como o recolhimento obrigatório às 23h00), o decréscimo no número de pessoas na rua já se nota. Se, às 17h30, hora de saída em tantos trabalhos, ainda se vê algum movimento, passado pouco mais de hora, ele passa a ser quase nulo.

Nas esplanadas frente à Câmara Municipal, há algumas pessoas, mas nada do que seria normal se o mundo não estivesse todo a lutar contra uma pandemia.

É dali perto que Anabela Martins, funcionária da sapataria Económica, vai tomando o pulso à cidade. Há 20 anos que os seus dias são passados atrás daquele balcão e os últimos tempos têm sido particularmente difíceis.

«Isto tem estado fraco. Já há algum tempo que o estava, mas agora noto maior medo das pessoas. Parece que isto voltou com maior intensidade e as pessoas só saem para o essencial», comenta à reportagem do Sul Informação. Ao seu lado, a colega Manuela Santos vai concordando. Não há clientes para atender.

 

Manuela Santos e Anabela Martins

 

«De manhã, ainda há qualquer coisa, mas, durante a tarde, são horas e horas sem ninguém. Nós aqui trabalhávamos muito com turistas. A estação de autocarros é perto, eles vinham, paravam, mas agora não é assim. Até agora, cá nos mantemos: amanhã não sabemos», lamenta Anabela.

Incerteza é mesmo um dos sentimentos reinantes nestes tempos estranhos. A pandemia, que não tem ainda fim à vista, apesar das boas notícias trazidas pelos avanços nas vacinas, veio alterar rotinas e os negócios foram afetados.

O Flavour Café, perto do Mercado Municipal de Tavira, é um exemplo. Antes, trabalhava muito com turistas; agora, vai apostar mais em atrair as pessoas da terra. Quem o garante é a gerente Catarina Estevens.

«Se notamos quebra no negócio? Claro que sim. Temos a faturação em mínimos históricos», lamenta. À hora do lanche, no café só está um jovem casal. Mesmo a esplanada não tem ninguém. «Em condições normais, a esta hora, estaríamos cheios», recorda, com saudade, a gerente.

Até agora, não foi preciso despedir ninguém e Catarina Estevens faz questão de acreditar em tempos melhores.

«Preocupa-me o futuro. Há a questão da sazonalidade, mas eu acredito mesmo no imenso potencial de Tavira e que, daqui a algum tempo, voltará a estar no mapa. Por enquanto, a corda vai esticando. Vamos ver até quando é que aguenta sem rebentar», diz.

 

 

A verdade é que a entrada de Tavira na lista dos 191 concelhos de alto risco não ficou isenta de polémica. Além deste município, Albufeira, Faro, Portimão, Lagos, São Brás de Alportel, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António também fazem parte.

Em Tavira, a autarquia demonstrou, logo no dia a seguir ao anúncio, a sua «surpresa e indignação», uma vez que esta inclusão resulta da atribuição ao município, pela Direção Geral de Saúde, de «60 novos casos» que não constam das contas das autoridades de saúde local e regional.

Ana Paula Martins, presidente da Câmara, escreveu à DGS e a Marta Temido, ministra da Saúde, mas, até agora, ainda não teve resposta.

«Os números que tínhamos não nos davam como concelho de risco, mas acabámos por ser incluídos e era algo com que não estava a contar. Talvez haja um desfasamento de dados, mas pedi uma revisão ou uma explicação para esta situação», explica a autarca ao Sul Informação.

Com ou sem resposta, neste primeiro dia de confinamento, Ana Paula Martins já notou «um movimento menor».

«As pessoas que não têm de trabalhar, notei que ficaram mais em casa, uma vez que há o dever cívico de recolhimento. As rotinas diárias, com esta inclusão, acabam por se alterar, isso é certo», acrescenta.

Nesta equação, quem mais sofre, reconhece a autarca, é o «comércio local, a restauração e os cafés». Para estes, a Câmara tem «prevista a criação de um apoio extraordinário aos empresários, que espero que, até ao final do ano, esteja pronto».

 

Liberto Alegre

 

A noite já caiu em Tavira e o senhor Liberto Alegre vai fazendo contas à segunda-feira de (pouco) negócio que passou. A sua vida confunde-se com aquela pequena loja – a Autociclo Tavirense -, onde vende pequenos e grandes eletrodomésticos, pilhas e utensílios de cozinha.

«Comecei aqui com 13 anos. Durante 38 fui funcionário, há 12 que sou proprietário», conta. Ao longo de tanto tempo, confessa que nunca o negócio esteve tão mau.

«Nós sofremos todos os dias. As pessoas não têm dinheiro, há desemprego. De manhã, ainda há algum movimento: lá faço 2 euros ali, outros 5 acolá, mas, durante a tarde, é muito fraco. Estes são os tempos mais difíceis de que me lembro, porque se junta a falta de emprego ao medo», diz.

A renda do espaço, confessa, «é baixa» e é isso que vai dando para manter as portas abertas. «Vamos aguentando», resume, com olhar triste.

É hora de jantar em Tavira. O relógio marca 20h15, mas nas ruas pouca gente se vê. Os restaurantes junto à Praça António Padinha têm alguns clientes, mas, do outro lado do Gilão, há um que ainda não recebeu nenhum cliente ao longo da noite.

Trata-se do restaurante “O Coreto”, um dos mais antigos de Tavira. À porta, Álvaro Assis, empregado de mesa, tenta não perder a esperança.

«É desolador. Isto é quase como um tiro no escuro: pode ser que chegue alguém. No outro dia, por exemplo, eram 21h25 quando chegou um casal», conta.

 

Álvaro Assis

 

«Ao almoço, ainda trabalho qualquer coisa. Temos uma pessoa ou outra que são clientes habituais, mas de resto… Isto no Inverno nunca foi forte – e quero realçar isso -, mas nos últimos anos tinha melhorado. Agora, está tudo pior», lamenta, enquanto, como que esperando clientes, vai mexendo nas ementas.

A restauração, que tem de encerrar até às 22h30 durante a semana e até às 13h00 ao fim de semana, será uma das áreas mais afetadas com as novas medidas tomadas para os concelhos de risco, como Tavira. O setor tem demonstrado o seu descontentamento, com a realização de manifestações, e Álvaro Assim reconhece as dificuldades do ofício.

«Esta é uma profissão em que se trabalha à noite, fins de semana, feriados, mas, quando não há turismo, é complicado», diz.

Na rua, no famoso Jardim do Coreto, não se vê ninguém. Carros são poucos. O som da água a correr no Gilão é quase o único que se ouve.

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 

 

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