Uso da água do Alqueva está «muito longe de ser sustentável», alerta a Zero

A Zero considera que as duas culturas que mais têm crescido na zona irrigada pela barragem – olival intensivo e amendoal super-intensivo – são «insustentáveis»

Olival intensivo no Alentejo – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A associação ambientalista Zero alertou hoje que «o uso da água do Alqueva está muito longe de ser sustentável» e a expansão da área de regadio do empreendimento põe «em causa» a margem de segurança para rega.

O alerta da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável surge a propósito do Dia Nacional da Água, que é celebrado hoje. Em comunicado, a associação faz uma avaliação à utilização da água disponibilizada pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA).

Tendo em conta a realidade atual, a Zero considera que as duas culturas que mais têm crescido na zona irrigada pela barragem – olival intensivo e amendoal super-intensivo – são «insustentáveis».

A associação ambientalista admite que «a albufeira de Alqueva e a reserva estratégica de água que lhe corresponde surgiu como fator importante no desenvolvimento do Alentejo, resolvendo o problema da irregularidade do clima e da disponibilidade hídrica nesta região».

No entanto, alerta, este enorme investimento público, associado à implementação de 120.000 hectares (ha) de perímetros de rega e ao fornecimento de água subsidiada, «não foi acompanhado de um planeamento capaz de ter em conta a realidade nacional e os problemas da soberania alimentar e muito menos por meios eficazes de acompanhamento e controlo na fase de instalação e exploração».

Agora que a primeira fase do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) está praticamente concluída e uma segunda fase está a ser implementada «é inegável que estamos perante opções erradas na gestão, as quais vão ter reflexo no futuro do empreendimento», alerta a Zero.

A política de fornecimento de água pela Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA) em regime precário (a áreas fora dos perímetros de rega do EFMA), «se bem que apoiada na legislação, atingiu cerca 20.000 ha, em grande parte para culturas permanentes, o que não é aceitável».

 

Também «criticável», de acordo com a Zero, pela extensão ocupada, «é o facto que tal ocorreu em áreas não sujeitas a Avaliação de Impacte Ambiental, contíguas aos blocos de rega onde esse processo foi obrigatório, gerando um efeito cumulativo sobre o ambiente».

Entretanto está já em curso a implementação da segunda fase do EFMA com mais 50.000 ha. Ora, a associação considera que «a margem de segurança para a disponibilidade de água para rega invocada para a dimensão de Alqueva é posta em causa ao fazer-se um acréscimo desta ordem».

Questiona ainda o argumento da EDIA de que «as culturas instaladas são menos consumidoras de água do que o previsto, dando assim margem para esta alteração». É que, sublinha a Zero, «vemos agora como o amendoal, cultura mais consumidora de água do que o olival, está em grande expansão».

Além disso, «parece não se ter em conta os cenários climáticos futuros, onde a maioria dos modelos apontam para um aumento da temperatura e redução de pluviosidade nesta região da Península Ibérica, conduzindo a menos disponibilidade hídrica».

Por outro lado, salientam os ambientalistas, «sem um planeamento de base, tem-se assistido à instalação de monoculturas de grande dimensão em espaços contínuos, sem adequar as culturas às condições especificas de cada área».

Tudo isto decorre «num cenário em que as entidades que deviam acompanhar e fiscalizar a instalação e exploração da terra pouco fazem para controlar o modo como se instalam estas culturas no terreno, seja por não existir vontade política ou por falta de recursos humanos».

«Não se faz cumprir os instrumentos de ordenamento em vigor, nomeadamente os Planos Diretores Municipais, com manifesto desrespeito pelo que está estabelecido na Estrutura Ecológica Municipal», denuncia a Zero.

Mas também se assiste «à retificação e destruição das margens das linhas de água, à ocupação ou mesmo destruição de áreas de montado, ao desaparecimento de espécies e habitats, à ocupação de declives e taludes, à destruição de caminhos municipais e de uso tradicional, à destruição de património histórico e arqueológico e à ocupação de terrenos na proximidade de povoações que sofrem agora com a aplicação de pesticidas junto delas».

 

Fábrica de Bagaço de Azeitona na aldeia de Fortes – Foto: Benvinda Neves

Mas a preocupação da Zero não se fica por aqui. É que, a jusante da produção olivícola, predominante neste modelo agrícola, surgiu outro problema: «ao resolver a situação do escoamento do bagaço de azeitona resultante do trabalho dos lagares, promovendo o seu processamento para extração de óleo, não se teve em atenção a poluição do ar aí gerada».

Hoje, as três unidades existentes na região de Beja são «causadoras de mal estar nas populações da sua vizinhança, sendo o caso mais gritante o que se vive nas Fortes, a sudoeste de Ferreira do Alentejo, onde os residentes resistem à poluição quotidiana da unidade instalada a escassas centenas de metros das suas casas».

Tendo em conta todas estas situações, a Zero interroga: «É esta a agricultura que queremos para a região? Monoculturas para exportação, com base na subsidiação da água e no maior investimento público ao nível agrícola jamais efetuado? Ou mais diversificação, a qual possa, essa sim, responder às necessidades alimentares do país?»

A associação defende que «uma agricultura que, apesar de se refugiar no discurso da eficiência no uso da água e da mais valia da aplicação regrada de fertilizantes via rega, o que consideramos positivo, tem de ter em conta o respeito pelos instrumentos de ordenamento do território em vigor, nomeadamente os PDM e o cumprimento efetivo das boas práticas agrícolas».

Por outro lado, sublinha, «parece não se querer assumir que a crise climática é uma urgência e que, face aos cenários previsíveis, temos de avaliar que água vai estar disponível».

«A quantos anos de seca pode a albufeira responder em dotações para rega quando tivermos quase 200.000 ha dela dependentes em época normal e mais ainda nas fases de seca?», questiona.

A Zero preconiza, ainda, ser necessário que a legislação venha «a definir uma faixa de segurança em redor de povoações e habitações isoladas, onde seja condicionada a instalação de culturas que impliquem um uso intensivo de pesticidas, tendo em vista a saúde e bem-estar das populações».

A revisão dos PDM permitirá «incluir este condicionalismo no futuro ordenamento dos territórios municipais», acrescenta.

Mas «o respeito pela paisagem e a identidade regional merecem também uma maior atenção no planeamento da instalação deste modelo agrícola baseado no regadio».

Por último, a Zero defende «a promoção da compostagem em centrais de dimensão adequada», que pode vir a ser uma «alternativa ao crescimento e à proliferação de mais unidades de extração de óleo de bagaço de azeitona, com ganhos ambientais diversos, tanto pela redução da poluição do ar, como pela disponibilização de matéria orgânica numa região onde os solos estão muito necessitados».

 

 

 

Ajude-nos a fazer o Sul Informação!
Contribua com o seu donativo, para que possamos continuar a fazer o seu jornal!

Clique aqui para apoiar-nos (Paypal)
Ou use o nosso IBAN PT50 0018 0003 38929600020 44

 

 



Comentários

pub