A sustentabilidade e a água

Portugal ratificou há muitos anos a Convenção Europeia da Paisagem – alguém já deu por consequências positivas para as paisagens portuguesas?

Sustentabilidade e água são duas faces da mesma realidade. Por exemplo, em algumas áreas do deserto do Sahara, que conheço com alguma profundidade, existe uma certa sustentabilidade relacionada com a água disponível – é tudo uma questão de grau.

A água no território depende do clima e da sustentabilidade dos ecossistemas. Todos sabemos que o clima está à mercê das alterações climáticas que as atividades humanas acrescentam às variações climáticas de origem natural.

E, neste domínio, desde há muito que os cientistas prevêem o agravamento das condições desfavoráveis nas latitudes mediterrânicas e sul da Península Ibérica, com secas prolongadas e fenómenos extremos de precipitação.

As recentes ocorrências no Sul de França e a situação de seca do Algarve desde há uns anos a esta parte e das albufeiras das barragens algarvias não deviam deixar margem para dúvidas.

A sustentabilidade do território depende da conservação e do grau de atividade climácica dos ecossistemas, o que é posto em cheque pelo estado de abandono de grandes áreas do nosso País, com destaque para os milhares de hectares pelo Alentejo e Ribatejo fora, sem qualquer uso; e com a falta de cobertura florestal adequada nas bacias hidrográficas e em especial nas suas cabeceiras que, todos devíamos saber, é onde se formam os caudais que abastecem os aquíferos e as ribeiras a jusante.

Há um livrinho do Prof. Manuel Gomes Guerreiro, “A floresta na conservação do solo e da água”, hoje esquecido, mas que todos – políticos, técnicos e jornalistas – deviam ler…

Temos um território abandonado.

Nada se faz para fomentar a agricultura nos milhares de hectares em pousio, porque desde há muitos anos que deixámos de ter Ministérios da Agricultura e as suas Direções Regionais empenhados nessa tarefa, ao contrário de outros países da UE, com realce para a França, que usa os dinheiros da PAC para cultivar todo o seu espaço agrícola, até nas pequenas parcelas dos Pirinéus…

Por cá, extinguiram-se os Serviços de Extensão Rural, que eram fundamentais para auxiliar e motivar a chegada de novos pequenos e médios agricultores e ocupar o interior, hoje entregue na sua vastidão aos eucaliptais e pinhais extremes, que ardem todos os anos, paulatinamente, sem que nada se faça para ter uma política florestal adequada. E já falta a paciência para bater sempre nesta tecla.

A sustentabilidade dos recursos hídricos pressupõe a limpeza e manutenção de margens e leitos, por forma a que os caudais escoem sem dificuldade; pelo menos aqui no Sul temos as ribeiras e linhas de drenagem invadidas pelo matagal e que se transformam em linhas de fogo na ocorrência de incêndios rurais. Quando havia equipas chefiadas por guarda-rios, as ribeiras estavam sempre limpas.

Portugal ratificou há muitos anos a Convenção Europeia da Paisagem – alguém já deu por consequências positivas para as paisagens portuguesas?

Ao ser anunciado um “Programa de Transformação da Paisagem”, ficou a expectativa de finalmente serem acionados os incentivos necessários para termos paisagens sustentáveis.

Mas, se olharmos para o Algarve, ficamos preocupados:

– centenas de hectares estão transformados, ou em vias disso, em pomares de abacateiros, cultura exigente em água que, como sabemos, é um recurso que abunda por cá…

Já tínhamos como pomares regados os tradicionais citrinos que deram fama ao Algarve – o que a nossa agricultura regional devia empenhar-se, se estivesse consciente da penúria das precipitações que nos aguardam, era em experimentar culturas de ciclo curto e pouco exigentes em água, como praticam muitos dos países mediterrânicos que vivem nas mesmas condições;

– olivais intensivos infestaram o Alentejo, quais novos eucaliptais, a sugarem o solo e a serem pulverizados de avião com herbicidas e pesticidas, pois melhor sustentabilidade que esta não existe…para os investidores, claro, que depois de “comerem a carne”, quando deixar de ser rentável, deixam cá os ossos e vão explorar outra localização. Agora virão amendoais em vez dos olivais…

– a região de Monchique continua a ser transformada naquilo que tem sido a sua sina – encostas terraceadas para plantar mais eucaliptos, que vão ardendo todos os anos – eis mais uma paisagem sustentável que “eles” acham que é…

Repor a floresta autóctone é uma fantasia de utópicos. Um ou outro projeto em curso para repor a floresta, se bem que louvável, não chega para se opor à dimensão da replantação de eucaliptos. Da Governação, não vem nada…

Não se promovem campanhas de sensibilização das populações para a economia da água (estão à espera que falte água nas torneiras para então dar de vaia) – a não ser que umas rezas a Nossa Senhora e as danças da chuva ainda resultem.

Falou-se pela 1ª vez oficialmente na hipótese de dessalinização, estratégia utilizada há muito em todo o Mediterrâneo, para fornecer água de abastecimento publico e deixando a cada vez mais escassa água das albufeiras para usos agrícolas e das populações do interior.

Estão à espera que um capitalista, talvez chinês, venha propor o negócio, porque, para negócio público, não dá, o privado é que é bom… Qualquer dia voltam com a proposta de privatização das Águas do Algarve…

Se não aprendermos agora com as revelações que a pandemia trouxe aos olhos de toda a gente sobre as fragilidades da globalização neoliberal e do espírito consumista de mercado sem regra, então restam poucas hipóteses de se construir um futuro melhor para as gerações que aí virão.

 

Autor: Fernando Santos Pessoa é arquiteto paisagista

 



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