A revolução digital e a gestão do território

A revolução digital, para ser bem-sucedida, necessita de uma interação positiva e orientada entre comunidades virtuais e comunidades reais

A chegada iminente da rede 5G traz-nos de volta a revolução digital em todas as suas dimensões e amplitude. Basta olhar para as áreas abrangidas e estamos, de imediato, na porta de entrada de um admirável mundo novo ou, se quisermos, de um inquietante mundo novo.

A revolução digital já aí está, em várias velocidades, basta enunciá-la nas suas inúmeras variantes:

– A internet dos objetos (IOT) e os serviços de conexão doméstica,

– A robótica e a inteligência artificial e a pilotagem dos serviços de produção industrial,

– Os serviços de cloud bem como a sua manipulação na periferia das redes,

– Os serviços de drone, videovigilância, geolocalização e segurança pessoal,

– Os veículos autónomos, a mobilidade elétrica e a conexão entre eles,

– A agricultura de precisão, a revolução biotecnológica e a pilotagem da produção,

– Os interfaces cérebro-computacionais e as tecnologias imersivas da realidade aumentada

– A grande revolução nos serviços de logística e transporte,

– A grande área da bioeconomia circular e a revolução na gestão de resíduos/recursos,

– A grande área da silvicultura preventiva e a gestão das áreas rurais e florestais,

– A grande área dos teleserviços, dos serviços médicos e educativos aos serviços jurídicos,

– A grande área das smart cities e smart regions e a gestão urbana dos serviços públicos,

– A grande área dos serviços de segurança informática e combate ao cibercrime,

– A grande área dos serviços energéticos, públicos e privados,

– A grande área das tecnologias médicas em direção ao transumanismo e pós-humanismo.

Ao longo da década 2020-2030 os rankings da economia digital vão dizer-nos qual é o estado da arte e quais são as arritmias tecnológicas e digitais (económicas e sociais) que mais nos preocupam, seja no desenvolvimento industrial, nos serviços, nos mercados de trabalho ou nas nossas relações sociais.

 

A gestão de territórios em rede, plataformas e atores-rede

Um dos pontos de aplicação mais salientes da revolução digital será, sem dúvida, a futura gestão do território, in situ e ex situ.

Para lá do exemplo, já clássico, das smart cities, vejamos algumas configurações espaciais que são perfeitamente possíveis para a gestão de territórios em rede, suas plataformas e atores-rede correspondentes:

1) Um parque agroecológico intermunicipal e a construção de um sistema agroalimentar local (SAL), formado por produtores e consumidores, (por exemplo, para gerir um programa de institutional food) podem ser administrados por um ator-rede que integre uma CIM, uma escola profissional ou superior agrária, uma associação de IPSS; estas entidades nomeiam uma estrutura de missão ou administração dedicada para o efeito,

2) Uma área de paisagem protegida e as aldeias que integram o parque, mais o clube de produtores e a associação ambientalista do parque e a escola politécnica ou universidade mais próxima propõem-se modernizar o sistema produtivo do parque, criando, para o efeito, uma agroecologia própria, uma indicação geográfica de proveniência (IGP) e uma estratégia de visitação por via de um marketing territorial mais ousado e imaginativo; as entidades criam uma estrutura de missão, o ator-rede, para a gestão deste território-rede,

3) Um empreendimento turístico, uma área de paisagem protegida, uma câmara municipal, uma associação de desenvolvimento local e uma escola profissional, propõem-se requalificar um empreendimento turístico e área adjacente e criar um novo espaço público de qualidade para o turismo acessível, terapêutico e recreativo com base, por exemplo, numa pequena aglomeração de atividades terapêuticas, criativas e culturais criadas para o efeito; as entidades criam uma estrutura de missão, o ator-rede,

4) Um grupo de aldeias ribeirinhas, na área de influência de um lago, de uma albufeira, de uma barragem ou bacia hidrográfica, os operadores turísticos da zona, a associação de desenvolvimento local, o clube de produtores agroflorestais, uma escola superior agrária ou profissional agrícola, propõem-se lançar uma estratégia criativa e integrada de agro-turismo e turismo rural que inclui, por exemplo, a participação dos visitantes nas práticas agrorurais tradicionais; as entidades referidas criam para o efeito uma estrutura de missão, o ator-rede, para esse propósito,

5) Um grupo de aldeias com vocação especializada num determinado sector ou produto, as aldeias vinhateiras do Alto Douro, por exemplo, património mundial da Humanidade, associa-se com os empreendimentos turísticos, as associações ou clubes de produtores, uma escola superior ou técnico-profissional, as associações culturais mais proeminentes, tendo em vista desenhar uma estratégia conjunta de visitação e valorização do património natural e cultural dessa sub-região; as entidades referidas criam uma estrutura de missão, o ator-rede, para o efeito,

6) Um grupo de cooperativas agrícolas ou associações de agricultores, uma empresa de distribuição alimentar ou rede de supermercados, a associação de municípios da mesma área, uma escola superior agrária ou universidade, associam-se tendo em vista desenhar uma estratégia conjunta de modernização agroecológica e comercial para uma sub-região que foi objeto de grandes investimentos públicos e que precisa de atualizar a sua estratégia de marketing (Alqueva e Cova da Beira, por exemplo); as entidades referidas criam uma administração dedicada, o ator-rede, para esse efeito,

7) Uma ou mais Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), as associações de produtores florestais, as reservas cinegéticas, as áreas de paisagem protegida, as empresas agroflorestais, uma escola superior, as aldeias envolvidas, associam-se para formar um sistema agroflorestal (SAF) de fins múltiplos tendo em vista criar uma estratégia de intervenção que vai desde a prevenção e recuperação de áreas ardidas à construção dos sistemas agro-silvo-pastoris com o seu cabaz de produtos da floresta; as entidades criam uma administração dedicada, o ator-rede para esse delicado território-rede,

8) Um centro de investigação na área da ecologia e reabilitação de ecossistemas, um parque natural, uma associação agroflorestal, empresas de turismo em espaço rural, empresas de termalismo, uma associação de desenvolvimento local, propõem-se criar um programa de investigação-ação tendo em vista a preservação da biodiversidade, a melhoria da oferta de serviços de ecossistema e a valorização comercial destes ativos ecológicos e paisagísticos por via do lançamento de novos serviços turísticos, culturais e científicos; as entidades referidas criam para o efeito uma estrutura de missão, o ator-rede, para o território-rede proposto,

9) Um grupo empresarial da área do termalismo e/ou das águas minerais, uma área de paisagem protegida, uma associação ambientalista ou de desenvolvimento local, uma escola superior politécnica, a associação local de produtores, as aldeias e vilas da área de influência do projeto, propõem-se criar uma espécie de “santuário ou ecossistema exemplar” que seja um local de aprendizagem e visitação de boas práticas agroecológicas onde se pode observar e aprender a diversidade de modos de produção agrícola, a ecologia da paisagem e a reabilitação de habitats, a economia da conservação, baixo carbono e energia renovável, as práticas de reciclagem e compostagem, etc; as entidades referidas criam uma administração dedicada, o ator-rede, para esse efeito,

10) Mas poderíamos, também, referir outros territórios em estado crítico a necessitar de intervenção urgente e “rede social”: guetos e bairros urbanos, territórios pendulares, territórios de 2ª residência em meio rural, territórios turísticos padecendo de stress sazonal, zonas industriais decadentes, zonas florestais desordenadas, bacias hidrográficas descuidadas, baldios abandonados, etc; em cada caso, é necessário perguntar qual a melhor fórmula de “ação coletiva e inovação social” que pode e deve ser promovida.

Em todos os casos referidos, tarde ou cedo, os dispositivos tecnológicos, plataformas e suas respetivas aplicações, tornam-se de uso corrente, mas depressa nos daremos conta de que, tão ou mais relevante, são as características específicas do ator-rede e a eficácia da sua comunidade e rede de relações.

 

Notas Finais

A revolução digital, para ser bem-sucedida, em todas as áreas já referidas, necessita de uma interação positiva e orientada entre comunidades virtuais, geradas por plataformas digitais nascidas na internet e nos smartphones, e comunidades reais, geradas por relações sociais nascidas no dia a dia dos contactos e intercâmbios entre produtores e consumidores, serviços e utentes.

Ou seja, a revolução digital, face à complexidade dos problemas de hoje, obriga-nos a procurar uma organização que seja capaz de corresponder, de modo efetivo, a essa interação fundamental.

O ator-rede é o agente desta nova intermediação para a economia digital e o administrador das plataformas colaborativas que aí vêm, em modo de coprodução e cogestão.

É, portanto, uma organização inovadora que assumirá múltiplos formatos em função das áreas de atividade, dotada de um mínimo de complexidade e diferenciação, mas, sobretudo, de muita inteligência coletiva territorial para enfrentar e resolver os desafios do mundo de hoje.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 

Ajude-nos a fazer o Sul Informação!
Contribua com o seu donativo, para que possamos continuar a fazer o seu jornal!

Clique aqui para apoiar-nos (Paypal)
Ou use o nosso IBAN PT50 0018 0003 38929600020 44

 

 



Comentários

pub