A praga da Comunicação Social

Só com uma comunicação social sustentável e plural se consegue a necessária independência, garantia tão importante numa verdadeira democracia

Tive a sorte de ter nascido numa família fervorosamente benfiquista, sendo, eu, todavia, um empedernido apoiante do Futebol Clube do Porto (FCP).

Por isso, supondo que, no passado dia 4 de outubro, ainda vivíamos todos em casa e o meu pai comprava o jornal desportivo, chegado à banca de jornais, ele teria visto três títulos diferentes: 1º – “Marítimo vence FCP por 2-3″; 2º – “Marítimo humilha Porto no Dragão”; 3º “FC Porto dominador perde com antijogo do Marítimo”.

De certeza que o meu pai comprava o jornal com o título “Marítimo humilha Porto no Dragão”, só para me provocar e dar azo a longos e saudáveis – e felizes, porque nunca há zangas entre nós! – debates futebolísticos na família, durante o almoço de domingo.

Tive a sorte de que tal situação acontecesse na minha casa e, porque desde sempre estive habituado a ler, estudar, ouvir e admirar perspetivas com as quais não concordo, associada a esta educação propiciadora da consideração pela diferença, aprendi a respeitar e a “olhar o outro lado”.

Não podendo comprar o jornal com o título e a visão que mais gostava, não me restava senão a possibilidade de ler aquele escolhido pelo meu pai. Mas era um jornal e tratava um acontecimento que objetivamente se tinha dado. Podia apresentar o acontecimento de forma mais suave ou dura, clara ou escura, mas não negava o que tinha acontecido.

O ambiente digital, com a panóplia de redes sociais existentes, fez com que nem sempre exista um mediador equilibrado entre o acontecimento e o leitor.

Hoje sabe-se o que acontece no nosso mundo não já através da comunicação social, mas pela rede social. A informação surge sem filtro, logo sem contraditório, sob várias perspetivas, que favorecem o tribalismo. Nós só lemos, ouvimos e vemos a página, o podcast e o vídeo de quem gostamos e de quem concorda connosco. Se não apresenta a visão que gostamos e queremos, falamos mal e, se for uma rede social de um órgão de comunicação social, lá está! “É a praga dos jornalistas e da comunicação social! Eles deturpam tudo! Só dizem o que querem”.

Não pode haver ideia mais preconceituosa que esta. Para demonstrar isso, chamo a atenção para dois aspetos que considero essenciais:

1 – A larga maioria dos jornalistas é mal paga. Alguns, se recebem o salário médio nacional, é uma verdadeira alegria. Os artigos de opinião como este que agora escrevo e fazendo exceção daqueles que são escritos por comentadores verdadeiramente famosos, são integralmente gratuitos.

Os jornalistas são sujeitos e vulneráveis a pressões? Sim. Todos nós somos. E se tivermos uma família e filhos para cuidar e o dinheiro não chegar ao final do mês, ainda mais vulneráveis somos.

É por isso que é importante a sustentabilidade financeira de todos os órgãos de comunicação social e não só daqueles que estão ligados aos grandes grupos económicos.

Um órgão como este, onde agora escrevo, o Sul Informação, que há bem pouco tempo comemorou o 9º aniversário, tem sabido manter-se como uma das referências da nossa comunicação social regional.

Só com uma comunicação social sustentável e plural se consegue a necessária independência, garantia tão importante numa verdadeira democracia.

2 – As redes sociais influenciam a comunicação social? É verdade. Devia ser o contrário, mas começa a ser perigosamente assim.

Se um determinado órgão de comunicação social sabe que vai ter mais audiência e visualização maiores apostando numa linha extremista e demagógica, é lógico que acaba por ir atrás do seu público para garantir a sustentabilidade.

Devia ser ao contrário. A comunicação social é que devia influenciar as redes sociais e o debate aí gerado, para que a partilha de opiniões e perspetivas diferentes não afunilasse na já mencionada tribalização ou na manipulação.

O problema é que perigosamente começamos a não saber lidar com o contraditório e com quem não concorda connosco. Procuramos somente aqueles que pensam como nós e passamos a viver numa tribo digital e informacional fechada, distante da visão, a esta luz, quase fantasiosa da Aldeia Global de M. Macluhan.

É bom não discutir e criticar só quem ter outra visão? Penso que não. Sei que não.

Na minha casa, quando por vezes a discussão fervilhava um pouco mais intensamente, alguém dizia: “Falem de outra coisa! Só discutem futebol e não se conseguem entender!”.

Agora, ao invés, já diz: “Ainda bem que discutem futebol! É sinal de que conversam uns com os outros e que se mantêm ligados e amigos, respeitando as diferenças e aceitando que cada qual pode ter o seu ponto de vista e isso só nos enriquece enquanto sociedade humana, humanista, plural, fraterna”.

Até porque só na lua não há vento; só na lua a ausência de pensamento e da sua manifestação pode ser sinal de normalidade.

 

Autor: O Padre Miguel Neto é diretor do Gabinete de Informação e da Pastoral do Turismo da Diocese do Algarve, bem como pároco de Tavira

 

 

 


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