Dessalinização é solução pacífica para falta de água, novas barragens motivam “guerra”

O Sul Informação falou com o autarca António Pina e com o arquiteto paisagista Fernando Pessoa sobre as soluções para a escassez de água

Foto: Flávio Costa|Sul Informação

Em sintonia quanto à aposta na dessalinização e à necessidade de repensar a agricultura que se faz no Algarve, mas em extremos opostos quando se fala na construção de novas barragens na região.

António Pina, presidente da AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve, e Fernando Pessoa, arquiteto paisagista e ativista na defesa da paisagem mediterrânica do Algarve, falaram com o Sul Informação sobre as soluções que defendem para enfrentar a escassez de água na região algarvia.

Este é um tema na ordem do dia, já que o Governo vem esta quarta-feira, 16 de Setembro, ao Algarve apresentar o Plano Regional de Eficiência Hídrica (PREH) para a região.

E se António Pina e Fernando Pessoa convergem em algumas soluções, há outras em que as visões são bem distintas.

É o caso da construção de uma barragem na Ribeira da Foupana, uma solução defendida por autarcas da região e que o próprio presidente da AMAL disse ser consensual, entre os edis algarvios.

Já Fernando Pessoa, não tem papas na língua ao afirmar que este é «um daqueles disparates que não tem fundamento nenhum».

«Se não chove o suficiente para encher as barragens que já existem, como é que há de chover para encher outras?», questionou.

«Não é armazenando água que lá vamos, é economizando água e não fazendo os disparates que se têm feito», defendeu o arquiteto paisagista.

 

Barragem de Odeleite – Foto: Flávio Costa|Sul Informação

 

António Pina, que fala agora não numa barragem, mas em «dois açudes, nas ribeiras da Foupana e de Monchique», salienta que «os autarcas não são técnicos da área» e que apenas querem apontar o caminho.

«O que nós temos é a noção de que, nos nossos territórios, há duas ribeiras que são o local onde a chuva tem caído, nestes últimos anos, apesar de chover pouco no Algarve. E passa por ali muita água, que entendemos que devia ser retida», defendeu o também presidente da Câmara de Olhão.

«Compreendemos que talvez não seja necessária mais uma estrutura para acumular 100 hectómetros. Mas queremos que haja, pelo menos, uma infraestrutura que retenha a pouca água que cai e, depois, interligue com a barragem já existente», reforçou.

O facto é que parece ter havido uma mudança no discurso dos autarcas da região, que não será alheia ao facto de João Matos Fernandes, o ministro do Ambiente, ter afirmado por diversas vezes que não considera que uma nova barragem seja solução, usando, precisamente, os argumentos avançados por Fernando Pessoa.

O presidente da AMAL fala agora em «açudes galgáveis, com um impacto ambiental substancialmente inferior ao de uma barragem, mas suficiente para travar a água da chuva e desviá-la para a barragem já existente».

Quanto ao facto de ter existido, no passado, um projeto inicial da Barragem de Odelouca que também englobava a bacia da ribeira de Monchique, tendo sido chumbado pelo Ambiente e a nível da União Europeia, António Pina salientou que «era para uma grande barragem. Estamos a falar em algo quatro ou cinco vezes inferior».

Outra solução em cima da mesa é o transvase de água do Guadiana, desde o Pomarão, em Mértola, até à Barragem de Odeleite, em Castro Marim, proposta que, sabe o Sul Informação, estará prevista no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve.

 

António Pina

 

Os autarcas algarvios veem com bons olhos a construção desta conduta. Já Fernando Pessoa diz que «é um remedeio. Se não chover no resto do território, de que nos serve? De pouco».

A solução que o conhecido defensor da paisagem mediterrânica e da flora endémica do Algarve preconiza, para aumentar a quantidade de água disponível, é a criação de centrais de dessalinização.

«Se tivéssemos o abastecimento humano com água dessanilizada ao longo do litoral, que é onde está a maioria da população, a pouca água que há nas albufeiras das barragens serviria para a agricultura e para as populações do interior», disse.

Fernando Pessoa diz conhecer bem o Mediterrâneo, onde «todos os países têm há muitos anos estações de dessalinização. Por cá, não temos nenhuma e não se ouve, sequer, falar disso».

«Só a Argélia, tem 14 ou 15 estações de dessalinização. Marrocos tem quatro ou cinco, incluindo a maior do mundo. Quase todos os países do Mediterrâneo as têm, até mesmo a Espanha», ilustrou.

António Pina, por seu lado, considera que «é preciso romper com o preconceito» em relação à dessalinização, «até porque é uma tecnologia que ainda não existe em Portugal e é importante começar a haver».

«Há outros países da orla mediterrânica e de outros locais do planeta onde a escassez de água é um problema há muito tempo que já usam esta tecnologia e nós ainda não avançámos», acrescentou.

De resto, na visão do presidente da AMAL, «há mais dois pilares nesta equação: sermos todos mais eficientes e criteriosos no uso da água e termos a ousadia de repensar o futuro da agricultura, no Algarve».

No primeiro caso, «há que diminuir as perdas, quer nas redes dos municípios, quer nas da agricultura – e recordo que este último setor é quem consome 60% da água».

Já em relação ao futuro do setor agrícola, é preciso pensar «que culturas devemos escolher».

«Não se trata de acabar com a agricultura, trata-se de adequar o tipo de produções às condições que temos e à não água existente».

António Pina não aponta baterias a nenhuma cultura em específico, mas salienta que o Algarve «fez um caminho muito interessante na renovação  da sua produção agrícola e é uma pena se não continuarmos a ter condições para fazê-la crescer».

«Eu não quero, para já, dizer se são as culturas do abacate ou da laranja. Mas temos de fazer essa reflexão, pois a falta de água condiciona o crescimento do que temos hoje», disse o autarca algarvio.

 

 

Já Fernando Pessoa não hesita em apontar o dedo às culturas que acha inadequadas e prejudiciais, considerando «uma loucura» os «milhares de hectares de plantação de abacates que se estão a fazer no Algarve».

«Nós já tínhamos os citrinos, que gastam muita água. Em vez de fazermos alguma coisa a favor de culturas que vivem com pouca água – e há tantas -, estamos, com o apoio deste Governo e dos Ministérios do Ambiente e da Agricultura, a cometer o erro de aumentar uma cultura exigentíssima em água, que não era precisa», defendeu.

«Há imensas experiências em todo o Norte de África de culturas agrícolas de curto ciclo e pouco exigentes em água. Era isso que a nossa agricultura devia estar a estudar», acrescentou.

O arquiteto paisagista afirmou, ainda, que «a pouca água que existe tem de ser seriamente controlada. Não é com danças da chuva, nem com rezas a Nossa Senhora que nós fazemos com que chova mais».

«É preciso é aprender a viver com pouca água, que é a que temos. É uma questão de educação e de mentalização. As nossas exigências é que se têm de adaptar ao que temos e não o contrário», acrescentou.

E é isso que as autarquias do Algarve estão a procurar fazer, garantiu António Pina ao Sul Informação.

«Nós, os autarcas, assumimos o desafio de reduzir perdas nos sistemas municipais, quer sejam geridos pelas Câmaras, quer sejam responsabilidade de empresas», assegurou.

Os presidentes das Câmaras do Algarve pediram, inclusivamente, «que se reserve uma verba para esse fim, seja nos fundos comunitários, seja na bazuca dos 300 milhões de euros. Estimamos que sejam necessários entre 100 a 150  milhões de euros para a renovação das redes».

«Temos de assumir o objetivo, durante o próximo quadro comunitário, de diminuir o nível das perdas abaixo dos 30%», rematou o presidente da AMAL.

«Está mais que na hora de fazer uma campanha de consciencialização das pessoas para não gastarem mal a água», disse, por seu lado, Fernando Pessoa.

É que, diz, «toda a gente fala em alterações climáticas mas, no fundo, ninguém quer acreditar que elas já estão aí».

«A latitude mediterrânica, sobretudo a Península Ibérica, será uma das mais afetadas, até mais do que o Norte de África», concluiu, em jeito de aviso.

 

 

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