Comissão de Avaliação propôs «parecer desfavorável» às dragagens no Arade

Administração dos Portos de Sines e do Algarve poderá ainda pronunciar-se, antes da APA emitir a Declaração de Impacte Ambiental, que se presume desfavorável

Estuário do Arade, com o Castelo de São João em destaque – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental (CAIA) do projeto de “Aprofundamento e Alargamento do Canal de Navegação do Porto de Portimão” propôs há dias a «emissão de parecer desfavorável».

Mas isto não significa ainda o chumbo definitivo do projeto, que, a avançar, envolverá uma vasta campanha de dragagens e diversas outras alterações profundas no estuário do Arade.

É que, com base nesta proposta de decisão da CAIA, a Agência Portuguesa de Ambiente (APA), na qualidade de autoridade de Avaliação do Impacte Ambiental, «elaborou uma proposta de Declaração de Impacte Ambiental (DIA), a qual foi notificada ao proponente a 24 de setembro de 2020, para efeitos de audiência de interessados».

Respondendo a uma pergunta do Sul Informação, a assessoria de imprensa da APA explicou que, «caso o proponente [a Administração dos Portos de Sines e do Algarve, APS] se pronuncie em sede de audiência de interessados, a APA poderá ainda promover diligências complementares para análise dessa pronúncia, dispondo então de um prazo máximo de 20 dias úteis para emissão da respetiva DIA».

Ou seja, a APS tem ainda a hipótese de, nestes dias, se pronunciar quanto ao DIA que já lhe foi comunicado pela APA (mas cujo teor, que se pressupõe negativo, esta entidade não revela ainda).

Tendo em conta que o relatório final da CAIA, de 103 páginas, a que o Sul Informação teve acesso, propõe inúmeras alterações, reformulações e adições ao projeto e ao respetivo EIA, é ainda possível presumir que o projeto de alargamento do Porto de Portimão, no qual se prevê um investimento de várias dezenas de milhões de euros, não vai morrer com este primeiro chumbo. Admite-se que será reformulado e sujeito a novo processo de Avaliação do Impacte Ambiental.

O atual relatório da CAIA aponta a existência de inúmeras «lacunas», bem como de «diversas situações pouco definidas e sem qualquer avaliação concreta ou sustentada» no Estudo de Impacte Ambiental, promovido pela APS, que, curiosamente, tratando-se de uma intervenção em zona portuária, é simultaneamente a proponente e a entidade que licencia a obra.

Desde logo, «lacunas» nos parâmetros económicos, já que não tem em conta que o projeto de alargamento da bacia de manobra e aprofundamento do canal, para permitir a entrada de grandes navios de cruzeiro no Porto de Portimão, «irá induzir transformações radicais numa área ‘encaixada’ entre povoações, alterando a forma como o espaço será visto e vivido».

«A presença de novas estruturas móveis (navios de grande dimensão) assim como o desembarque de um número elevado de visitantes, num curto espaço de tempo, irão modificar a vivência das populações, para além de induzirem impactes indiretos em muitas outras áreas (inclusivamente áreas de especial valor natural localizadas na envolvente), o que não foi sequer abordado», acrescenta o relatório.

Depois, pelo facto de o projeto partir do pressuposto de que a Marina de Ferragudo não irá avançar, apesar de o processo ainda estar a ser decidido em Tribunal Administrativo.

Praia do Molhe, em Ferragudo – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Quanto à deposição dos materiais dragados, que estiveram na origem dos protestos da Câmara de Lagoa, da Junta de Freguesia de Ferragudo, e de movimentos de cidadãos (protestos traduzidos em pareceres negativos enviados na fase de discussão pública do AIA), o relatório considera que se prevê a sua deposição «em locais que não foram objeto de análise no EIA, não sendo sequer feita, neste documento, qualquer menção à sua existência, nem nos documentos que foram posteriormente apresentados».

Também consideram «inadequada a solução preconizada (de utilização futura dos sedimentos, com um depósito temporário em área de jurisdição portuária, não identificada nos documentos apresentados), uma vez que o processamento desta areia deverá ocorrer no âmbito da intervenção a empreender e não num segundo momento indefinido». Ou seja, pretende-se evitar o que aconteceu em dragagens anteriores, quando enormes montes de sedimentos ficaram durante anos e anos depositados na margem do Arade, em Ferragudo, à espera de uma solução que nunca chegou…de tal forma que grande parte desses sedimentos acabaram dentro do rio, por ação do vento e da chuva.

No entanto, salienta a CAIA, mesmo que avance uma solução para deposição das areias dragadas de melhor qualidade nas praias, para realimentação dos areais (nomeadamente no Pintadinho e Molhe, na margem do concelho de Lagoa), «tendo presente a reconhecida qualidade da praia do Molhe para a prática do surf e bodyboard a nível regional, a realimentação desta praia deveria ter sido analisada/desenvolvida, tendo em conta esta particularidade, por forma a evitar a perda de qualidade e se possível melhorar as condições para a prática destes desportos aquáticos».

O relatório chama ainda a atenção para o facto de as obras de dragagem para alargar a bacia de manobras de navios no Porto de Portimão e aprofundar o acesso, bem como os trabalhos complementares, terem forte impacto na qualidade das águas dentro e fora do estuário, nas pescas, numa estrutura de aquicultura offshore, e, sobretudo, a nível ambiental.

Aqui, as principais questões têm a ver com a preservação de duas espécies de golfinhos, que usam a área (boto e roaz), das pradarias marinhas formadas por Zostera noltii (fundamentais como maternidade e viveiro de peixes), dos jardins de coral, situados ao largo da foz, de peixes como a savelha (Alosa fallax) ou a enguia (Anguilla anguilla), ou ainda do emblemático cavalo-marinho (no Arade ocorrem duas espécies: Hippocampus hippocampus e Hippocampus guttulatus), que tem uma «população residente no estuário».

O relatório propõe, desde logo, várias medidas minimizadoras, novos estudos e correções. Uma delas tem a ver com a poluição direta causada pelos navios de cruzeiro de grande porte, que, se as obras forem feitas, poderão entrar no apertado estuário do Arade. O documento considera que «qualquer licenciamento só poderá ser equacionado desde que (…) sejam equacionadas alternativas ao funcionamento permanente dos motores de combustão durante os períodos em que os navios estão atracados, evitando assim o aumento da poluição atmosférica e das águas».

 

Arqueologia subaquática no estuário do Arade – Foto: DGPC

 

Quanto ao património cultural, a CAIA conclui que os impactes das obras são «negativos e extremamente significativos, mantendo-se muito significativos mesmo após a adoção das medidas de minimização e/ou compensação».

Aliás, o relatório considera que «o fator Património Cultural apresenta lacunas que condicionam a avaliação de impactes efetuada».

Uma das principais preocupações é o Castelo de São João do Arade, onde o projeto prevê «ações para remoção de rocha com recurso a explosivos onde se implanta o edifício e muralhas do Imóvel de Interesse Público» daquele edifício histórico situado em Ferragudo, à entrada do estuário do Arade.

Mas há ainda preocupação com o vasto património subaquático já identificado ou por identificar. O próprio EIA que esteve em discussão pública admite a existência de «28 ocorrências patrimoniais e duas Áreas de Sensibilidade Arqueológica, correspondentes a 1 Sítio classificado – Castelo de São João de Arade; 2 Áreas de Sensibilidade Arqueológica, uma com 8 achados isolados e 3 naufrágios e outra com indicação de 4 sítios arqueológicos de época romana que se encontram associados a um antigo local de desembarque; 6 Sítios arqueológicos submersos (nomeadamente um naufrágio indeterminado, um da Idade Média/ Moderna, outro genericamente enquadrado na época Moderna, um outro do século XVIII-XIX e dois de época Contemporânea), e uma grande zona designada por “Área de Elevada Sensibilidade” submersa. Nesta área já já foi recolhido diverso espólio, e é aqui que se inserem 6 sítios arqueológicos e 16 anomalias, sendo assim considerado um fundeadouro de longa diacronia com elevado potencial arqueológico».

Por isso, entre as medidas preconizadas no relatório da CAIA, está a necessidade de «garantir a preservação e conservação do Imóvel de Interesse Público do Castelo de São João do Arade (…) impedindo a sua destruição, deterioração ou perda», bem como a necessidade de, antes de se avançar com quaisquer obras, nomeadamente de dragagem, promover todos os trabalhos arqueológicos necessários.

Para isso, diz a CAIA, deverá haver «um cronograma da obra», que «deverá compreender o tempo necessário à boa execução das medidas de salvaguarda do Património Cultural, nomeadamente para realização de todos os trabalhos arqueológicos».

Assim, deverá ter lugar uma «prospeção sistemática intensiva e sondagens arqueológicas numa malha de 10 em 10m na Área de Elevada Sensibilidade Arqueológica 1 (AES 01), bem como em cada um dos sítios arqueológicos Arade 1 (OC 17), Arade 17 (OC 15), Arade 22 (OC 11), Arade 23 (OC 03) com o objetivo de proceder à sua caracterização complementar».

Terá ainda de sistematizar-se «a informação existente, reprospetar a área de forma visual e sistemática, bem como proceder a sondagens arqueológicas em caso de necessidade dos sítios arqueológicos Arade 5 (OC 21), Arade 6 (OC 14), Arade 7 (OC 23), Arade 8 (OC 25) e Rio Arade – Ânforas dragadas 1 (CNS 22230), bem como nos sítios Arade 20? (OC 24), Arade 27 (OC 08), Arade 28 (OC 10) e Fialho 2 (OC 26)».

Além disso, «nas áreas de proteção dos sítios arqueológicos e nas Áreas de Elevada Sensibilidade arqueológica, devem ser utilizadas dragas mecânicas que garantam uma observação direta dos inertes que se encontrem a dragar», de modo a poder detetar imediatamente se surgir na boca da draga algum material arqueológico.

 

Porto de Portimão e Convento de S. Francisco – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Durante a Consulta Pública foram recebidas 89 exposições, das quais apenas a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) e o Turismo de Portugal apresentaram parecer favorável, sendo que as restantes exposições apresentaram parecer desfavorável à execução do projeto.

Apresentaram parecer neste processo, enquanto entidades externas, a Câmara Municipal de Lagoa, a Junta de Freguesia de Ferragudo, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o Turismo de Portugal, a Autoridade Nacional da Aviação Civil, o Centro de Humanidades (CHAM), Unidade de Investigação interuniversitária da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores (FCSH/NOVA/UAç), as empresas MARGUDO – Empreendimentos Turísticos, Marítimos e Imobiliários, S.A., Marinas de Barlavento – Empreendimentos Turísticos, S. A. e Sociedade Imobiliária S. João do Arade S.A., a Associação “Pela Defesa da Ribeira de Quarteira-Não à Cidade Lacustre”, a associação “Glocal Faro”, a Plataforma Download, o Movimento Cívico “A Última Janela para o Mar” e ainda 76 Cidadãos. A Câmara Municipal de Portimão não se pronunciou nesta fase.

Da Comissão de Avaliação fazem parte a Agência Portuguesa do Ambiente, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, a Administração Regional de Saúde do Algarve, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e ainda o Instituto Superior de Agronomia/Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves (ISA/CEABN).

Após o período para as eventuais alegações da Administração dos Portos de Sines e do Algarve, a APA irá então emitir e divulgar a Declaração de Impacte Ambiental, que «será então disponibilizada ao público através do Sistema de Informação em AIA», disponível clicando aqui.

 

 

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