Ferragudo rejeita deposição de areias das novas dragagens do Arade nas suas praias

Discussão pública do Estudo de Impacte Ambiental termina hoje, mas conta já com 45 participações

Estuário do Arade, entre Ferragudo e Portimão – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A população de Ferragudo está com medo de ver o cenário repetir-se, 20 anos depois, mas desta vez afetando mesmo as principais praias junto à vila. As dragagens do projeto de Aprofundamento e Alargamento do Canal Navegação do Porto de Portimão, cuja discussão pública do Estudo de Impacte Ambiental, que se prolongou apenas por 10 dias, termina esta terça-feira, 11 de Agosto, preveem a deposição de areias – e talvez de lodos – tiradas do fundo do rio Arade nas praias do Molhe e do Pintadinho.

No início dos anos 2000, as dragagens no porto de Portimão resultaram na criação de enormes montes de areia depositados na margem ferragudense do rio, criando um muro entre Ferragudo e o estuário, e destruindo a pequena enseada da praia que se chama, ainda hoje, Angrinha. Nessa altura, a então Junta Autónoma dos Portos do Barlavento Algarvio tinha garantido que a situação da deposição das areias seria provisória…mas eternizou-se e algumas zonas das margens, como a Angrinha, nunca mais voltaram a ser como eram.

Para lutar contra as obras agora promovidas pela Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS), e que se destinam a aprofundar e alargar o «atual canal de navegação, tendo em vista a receção de navios de cruzeiro com comprimento até 334 metros», a página de Facebook «Ferragudo» dinamiza um movimento de cidadãos, denominado «Não à destruição! Sim à preservação! Ferragudo desde 1520».

Também a Junta de Freguesia de Ferragudo, liderada pelo socialista Luís Veríssimo, tomou já posição contra as obras.

Para o movimento, a questão é simples: «não queremos cascalho e lodo nas praias do Molhe e de Ferragudo», para mais porque, se o porto é «para Portimão», o lodo deve ser depositado «nas praias de Portimão», ali do outro lado do rio.

Analisando o Resumo Não Técnico do Estudo de Impacte Ambiental, que está disponível clicando aqui, pode ler-se que, nas dragagens necessárias para alargar o canal e a bacia de rotação dos navios de cruzeiros, se prevê «a remoção total de cerca de 4 630 000 metros cúbicos de materiais arenosos e outros materiais detríticos». E onde serão depositados estes materiais?

A descarga dos materiais como siltes e outros «sem características para depósito em praias» será feita ao largo, no mar, «em área identificada para tal no Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo (PSOEM), para depósito de dragados do Porto de Portimão».

Mas uma «pequena fração de areias» será «utilizada para recarga direta das praias do Molhe e Pintadinho (40 000 metros cúbicos), as quais se situam na área de jurisdição do Porto de Portimão». Segundo o EIA, tendo em conta que estas praias estão a sofrer «uma forte erosão», a deposição de areias será uma «medida de compensação local». Ou seja, segundo o EIA, não se prevê a deposição de cascalho ou lodo nas praias de Ferragudo, apenas de areia dragada com qualidade suficiente.

As restantes areias, «em face da articulação tida com a APA/ARH Algarve», «com condições para a alimentação de praias (1 020 000 m3)» deverão «ser também lançadas em vários pontos na deriva litoral para alimentação de outras praias da região do Algarve (Praia da Luz, Alvor, Meia Praia, Salgados, Ponta da Piedade)».

Mas não são só o movimento de cidadãos ou a Junta de Freguesia de Ferragudo que se têm pronunciado contra a deposição de areias nas praias do Molhe e do Pintadinho. Também os surfistas contestam essa intenção, alegando que a praia do Molhe tem uma «onda de classe nacional ou mesmo mundial», sendo «ponto de encontro de praticantes de surf, bodyboard e stand up paddle». São frequentadores que sabem «o quanto a existência de mais ou menos areia afeta a formação da onda na praia do Molhe».

No entanto, as obras não se ficam apenas pela deposição das areias. De acordo com o EIA, serão ainda construídas «duas obras de proteção marginal, uma na fundação do Cais da Marinha [do lado de Portimão] e a outra na melhoria / relocalização da retenção marginal existente junto ao edifício do Instituto de Socorro a Náufragos», em Ferragudo, no lado de Lagoa.

«A obra de retenção junto ao edifício do ISN visa a substituição do esporão e terrapleno existentes, fruto do alargamento do canal, e consiste na criação de um novo terrapleno em talude de enrocamento. A retenção marginal terá 210 metros de comprimento e uma configuração em planta curvilínea que se adapta a um projeto existente, datado de 2004, para arranjo desta zona marginal».

Apesar da explicação dada no Estudo, a população de Ferragudo, com a Junta de Freguesia e o movimento de cidadãos à cabeça, receia que, daqui, resulte a construção de um muro que destrua para sempre a beleza da zona ribeirinha da vila.

O movimento salienta ainda os efeitos que considera nefastos no património arqueológico subaquático e na biodiversidade do estuário do Arade.

Perpetuando a eterna guerra entre os dois concelhos vizinhos, o presidente da Junta de Ferragudo, na sua participação na fase de discussão pública do Estudo de Impacte Ambiental, defende que a proposta tem «a pretensão de potencializar o concelho de Portimão em detrimento do concelho de Lagoa».

É que, defende o autarca Luís Veríssimo, «basta ter presente a escolha da Praia do Pintadinho e a Praia do Molhe, já para não referir a Praia Grande nem a Praia da Angrinha, todas na Freguesia de Ferragudo, no concelho de Lagoa, como eleitas para a deposição das areias provenientes das dragagens, quando podiam optar pela Praia da Rocha, Praia do Vau, Praia do Alemão ou mesmo a Praia dos Três Irmãos».

O presidente da Junta de Freguesia conclui: «a proposta é pouco fundamentada, apresenta, segundo a análise efetuada em tempo recorde, um impacto potencialmente muito negativo em vários setores, nestas zona de deposição».

A Junta de Freguesia, revelou Luís Veríssimo, está mesmo «preparada para uma demissão em bloco, se não for ouvida e tomadas em consideração as nossas pretensões». «Depois venham cá fazer eleições antecipadas, que estaremos preparados para o boicote», desafia o autarca socialista.

Demonstrando que o tema das dragagens do Arade para criar condições no Porto de Portimão para a entrada de navios de cruzeiro de maiores dimensões não é consensual, o Portal Participa regista já 45 participações, de entidades coletivas e pessoas individuais. Em 10 dias, com pouca ou nenhuma divulgação da existência desta consulta pública, que decorre em pleno mês de Agosto, é uma participação que demonstra o grande interesse que a situação suscita.

 

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