As Comunidades Intermunicipais precisam de fazer prova de vida

A eleição indireta do presidente da CCDR e, simultaneamente, a sua estreita dependência do governo central (que o pode demitir) aumentam ainda mais a ambiguidade política que paira sobre a missão e a autonomia das CIM

Agora que se discute novamente a descentralização e a regionalização, perguntamo-nos o que sobra para a subregionalização ou intermunicipalidade, ou seja, para as CIM.

Além do mais, a eleição indireta do presidente da CCDR e, simultaneamente, a sua estreita dependência do governo central (que o pode demitir) aumentam ainda mais a ambiguidade política que paira sobre a missão e a autonomia das CIM.

De facto, as Comunidade Intermunicipais (CIM) ainda procuram um sentido e uma razão de ser para a sua criação, quando pensamos em recursos endógenos e coesão territorial. E é, assim, por maioria de razão, em áreas de baixa densidade, onde o espírito de comunidade e os bens e serviços comuns fazem todo o sentido.

 

As CIM, os sistemas produtivos locais (SPL) e a coesão territorial

Todos precisamos de saber se as CIM podem ser a base, a unidade de missão e o sistema operativo capazes de construir uma economia de proximidade com um mínimo de sustentabilidade.

Falo de um sistema produtivo local (SPL) em sentido amplo, que inclui o subsistema agroalimentar (SAL), o subsistema agroflorestal (SAL) e o subsistema agroambiental (SAA) com a sua extensa gama de serviços ambientais e de ecossistema e, bem assim, as cadeias de valor que tiram partido dos recursos naturais de uma região como é o caso do turismo rural nas suas diversas modalidades, as redes de energia renovável e, por via da economia digital, todas as plataformas de colaboração e partilha na oferta de serviços públicos.

A delimitação e a materialização de um sistema produtivo local bem ajustado ao território CIM e aos seus recursos endógenos é um objetivo fundamental na programação das atividades da CIM. Vejamos, para começar, o enunciado simples das principais propriedades de um SPL, enquanto instrumento fundamental de desenvolvimento territorial:

1. O SPL é uma economia de proximidade e baixa pegada ecológica,
2. O SPL é uma economia de produtos limpos, sãos e justos,
3. O SPL é uma economia de produtos com indicação geográfica,
4. O SPL é uma economia de baixa intensidade energética,
5. O SPL é uma economia de baixa intensidade hídrica,
6. O SPL é uma economia de baixo índice de mobilização do solo agrícola,
7. O SPL é uma economia circular de baixa entropia,
8. O SPL é uma economia amiga da paisagem global,
9. O SPL é uma economia que valoriza o capital social,
10. O SPL é uma economia que valoriza o capital simbólico.

Neste elenco de características há um traço em comum. Para lá do défice de conhecimento, pode existir, também, um défice de inteligência emocional, ou seja, precisamos de saber até que ponto um determinado território é um “território-desejado” que mobiliza suficiente entusiasmo e gera inteligência coletiva bastante para um projeto de futuro.

Se assim não for, muito dificilmente conseguiremos promover e alimentar um sistema produtivo local e um território inteligente e criativo.

 

O território CIM precisa de um sistema operativo eficaz

Neste momento, a CIM é um território meramente administrativo, o mesmo é dizer, ninguém parece morrer de amores por um território assim.

O secretariado executivo da CIM é uma emanação pura e simples da sua base municipal, isto é, “entalada” entre a administração local e a administração regional, a CIM não é, por enquanto, um sistema operativo eficaz.

Nestas condições, é tão difícil como absolutamente necessário constituir uma estrutura de missão, um ator-rede e uma curadoria territorial que preparem a estratégia e o programa operacional da CIM e suscitem, acima de tudo, a adesão e o entusiasmo dos atores e parceiros do projeto de desenvolvimento da CIM.

Não obstante estas dificuldades, julgo que as Comunidades Intermunicipais, já constituídas e em funcionamento, merecem uma oportunidade de se instituírem como territórios de referência, mesmo que, em alguns casos, tenhamos dúvidas acerca da sua maior ou menor pertinência.

É certo, as CIM não têm ainda a legitimação e a certificação de história feita, por isso elas precisam urgentemente de fazer prova de vida.

Estou convencido de que nas nossas pequenas vilas e cidades do interior de baixa densidade caminharemos, progressivamente, para uma “oferta integrada e complementar de bens e serviços comuns”, sob a forma de uma rede inteligente que utilizará as melhores práticas tecnológicas e digitais, mas, também, comunitárias e institucionais, para impedir a migração de bens e serviços fundamentais, de qualquer natureza, para as áreas litorais.

Na sequência dos efeitos devastadores da pandemia da covid 19, vem aí o Programa de Recuperação Económica da União Europeia e, também, o próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 com meios financeiros substanciais.

Ora, este é o momento indicado para, desde já, preparar as diversas economias regionais e as CIM em especial para as estratégias de recuperação e desenvolvimento que são necessárias.

Agora que se discute a descentralização e a transferência de competências para vários níveis de administração (regional, intermunicipal e municipal) importa saber em que níveis vamos colocar a provisão de serviços comuns fundamentais, sob pena de uma enorme confusão na esfera de atribuições de cada nível e, portanto, na afetação daqueles meios financeiros.

Refiro, a título de exemplo:

– Os transportes públicos e a sua interoperabilidade à luz da mobilidade elétrica e suave,

– A oferta e a gestão de infraestruturas fundamentais de carácter ecológico,

– O combate contra as alterações climáticas e a redução das nossas várias pegadas,

– O abastecimento local de alimentos, a agricultura comunitária e o institutional foods,

– A oferta de assistência médica, cuidados ambulatórios e serviços de apoio domiciliário,

– A oferta de serviços ambientais e serviços culturais de lazer e recreio,

– A oferta de serviços de segurança pública e proteção aos grupos mais vulneráveis,

– A oferta de serviços públicos administrativos e serviços postais,

– A oferta de serviços de ensino e formação profissional para a transição digital,

– A oferta de incentivos a novas cadeias de valor CIM que usem os recursos locais.

Há, de resto, duas áreas onde a urgência de um sistema operativo eficaz salta à vista: em primeiro lugar, o modo como reocupamos um território cada vez mais “desertificado” de serviços públicos e, em segundo lugar, o modo como promovemos e reorganizamos um mercado de trabalho cada vez mais rarefeito.

Além disso, se a revolução tecnológica e digital abre um campo imenso de possibilidades e oportunidades é prudente e sensato que as CIM estejam em condições de promover duas outras “pequenas revoluções”: em primeiro lugar, ao lado de uma economia globalizada é necessário recriar uma economia de recursos e produtos de proximidade, em segundo lugar, ao lado de uma economia do emprego em contração é necessário recriar uma economia do trabalho feita por medida, num universo laboral onde o fracionamento do mercado de trabalho, a pluriatividade e o plurirrendimento passem a ser uma norma social plenamente reconhecida. Há muito trabalho a fazer nestas duas áreas.

 

Notas Finais

Regresso aos défices de conhecimento e observo o que se passa à nossa volta. Nos últimos anos foram criadas em muitas regiões do país, com o apoio de fundos europeus e nacionais , o que poderíamos denominar como o “embrião de comunidades inteligentes”: parques de ciência e tecnologia, centros de investigação e desenvolvimento, polos tecnológicos, centros de negócios, ninhos de empresas, incubadoras e aceleradoras de startup, espaços de coworking, uma rede de smart cities, uma rede de living labs, uma rede nacional de associações de desenvolvimento local, uma rede rural nacional, sociedades de capital venture, uma Startup Portugal, uma associação de business angels, hubs tecnológicos e criativos, para além de muitas associações empresariais de geometria muito variável.

Pensemos, por um momento, nos imensos efeitos difusos e dispersivos, de duvidosa sustentabilidade, com origem em todas estas presumidas comunidades inteligentes, pensemos no seu impacto sobre os territórios de baixa densidade e ficamos, de imediato, com um amargo de boca no que diz respeito à sua eficácia, eficiência e efetividade. Com algumas exceções, como é evidente.

Não há coesão territorial e inteligência coletiva das CIM que resistam a estes efeitos difusos e dispersivos. Elas não têm autoridade política própria para tarefa de tal envergadura.

Por isso, sem uma forte cooperação política e técnica entre as CCDR e as Câmaras Municipais, com delegação de poderes efetivos nas CIM, muitos dos efeitos externos das entidades referidas não serão monitorizados e, mais tarde ou mais cedo, acabarão por perder-se na malha frágil e sensível dos tecidos empresariais municipais e intermunicipais.

E tudo recomeça de novo.

 

 

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