Mercado Imobiliário no Algarve e o desajuste da oferta

«O controlo artificial dos preços ou do valor das rendas através de mecanismos e legislação provenientes do setor público nunca será a solução para um problema de falta de investimento do setor privado», escreve o autor

Foto de arquivo

Imaginemos o seguinte cenário: um grupo de jovens que teve a sorte de nascer, crescer, estudar e ter um bom trabalho no Algarve. O que lhes falta? Bem, a verdade é que não muito. Realmente, é um grupo que tem todas as razões supra mencionadas para sorrir, no entanto, este grupo tem outra característica em comum – não ter capacidade de adquirir casa própria e, por isso, muito provavelmente arrenda casa ou ainda vive com os pais.

Nos últimos tempos, todos temos estado assoberbados com o impacto que o coronavírus tem tido na saúde das nossas carteiras e na nossa própria saúde, tudo isto enquanto a capacidade de aquisição de habitação própria continua a ser um objetivo distante para o segmento mais jovem da região.

Não é novidade que a última recuperação económica do Algarve esteve alicerçada no turismo e no aumento da atratividade da região. Aos muitos dias de sol, gastronomia de topo e clima de segurança, juntaram-se iniciativas maioritariamente privadas – como o aumento da oferta de golfe e a diversificação das rotas aéreas – que permitiram reduzir a sazonalidade da procura turística no Algarve.

Importa também referir que o estatuto do “Residente Não Habitual” desempenhou um papel preponderante na atração de pensionistas estrangeiros com elevados rendimentos, convencendo-os a gastar os seus euros aqui.

O que é que isto tem a ver com o preço das habitações? Essencialmente tudo. Sendo que o preço de um bem ou serviço – neste caso o preço da habitação – reflete o ponto de equilíbrio do binómio procura-oferta, qualquer desajuste da procura face à oferta, ou vice-versa, leva a um aumento ou redução do preço.

Vamos então auxiliar-nos de dados estatísticos para melhor entender esta situação:

O que originou este desajuste entre a procura e a oferta?

A resposta está nos dados históricos. Dados recolhidos pelo INE e compilados pelo Millennium BCP na sua análise trimestral do mercado imobiliário, mostram-nos que, tanto o número de transações, como o valor médio das vendas, registaram taxas de crescimento negativas no 2º Trimestre de 2010, e que apenas voltaram a registar taxas de crescimento positivas passados três anos.

Simultaneamente, a taxa de crescimento de novas construções de edifícios residenciais foi negativa durante o período de 2007-2016. Concomitantemente, a taxa de crescimento de licenças para construção decresceu durante todo o mesmo período.

Resumindo: a procura de habitação demorou três anos a recuperar, enquanto a oferta demorou nove anos. Esta, sim, é a principal razão para o aumento sucessivo dos preços da habitação no Algarve – um claro desajuste da oferta face à procura.

Agora que enunciámos o problema (assumindo que a subida dos preços da habitação é um problema, o que não concordo), há que procurar possíveis soluções.

Em primeiro lugar, gostava de salientar que, na minha opinião, o controlo artificial dos preços ou do valor das rendas através de mecanismos e legislação provenientes do setor público nunca será a solução para um problema de falta de investimento do setor privado.

A solução deverá passar por dotar o setor privado de condições para investir e muscular a oferta – de modo a fazer face à procura – estabelecendo assim um novo equilíbrio.

Mais concretamente, poderá equacionar-se implementar as seguintes medidas:

>Aproveitar a nova legislação para Sociedades Gestoras de Investimento Imobiliário (SIGI) para atrair capital institucional/fundos de capital de risco (Private Equity), desde que os mesmos demonstrem ter um horizonte temporal de médio-longo prazo e planos de investimento sustentáveis, adaptados às necessidades da região e que permitam criar valor duradouro para a região;

>Dotar o sistema bancário de capacidade para financiar investimento, no lado da oferta, com condições favoráveis. Tal pode ser alcançado através de legislação que permita aos empresários do setor conseguir financiamento para uma maior percentagem do valor total de construção de novas habitações (Loan-To-Value), mas com critérios conservadores de exposição máxima para uma só entidade. Ninguém quer mais falências milionárias no setor;

>Implementar incentivos à capitalização, e não ao sobre-endividamento, dos players do lado da oferta do mercado imobiliário. A maneira com que o governo tem apoiado as empresas durante a pandemia tem sido predominantemente através do incentivo ao sobre-endividamento e ao crédito. A seu tempo, as empresas terão de pagar todos os cêntimos emprestados e muitas poderão não ter meios financeiros de o fazer;

>Promover o mercado imobiliário da região como um mercado atrativo internacionalmente, o que já é o caso, e com retornos atrativos, dado o desajuste entre a procura e a oferta da região;

>Conceder estes benefícios apenas a empresas que paguem impostos em Portugal, mas não de forma a criar barreiras à entrada de capital institucional estrangeiro.

No que toca aos jovens, em específico, há também medidas no lado da procura que podem ser adotadas. Tais como:

>Legislação mais leve que permita aos jovens conseguir financiamento para uma maior percentagem do valor total para aquisição de primeira habitação própria permanente (Loan-To-Value);

>Alargamento dos benefícios fiscais do PPR, de modo a permitir que o mesmo seja utilizado como depósito na aquisição de primeira habitação própria permanente;

>Inclusão de programas de literacia financeira nos planos gerais de educação dos alunos do 5º ao 12º ano.

Querendo ir mais além, deverá equacionar-se a possibilidade de implementar sistemas mais generosos e semelhantes ao “LISA – Lifetime Individual Savings Account” do Reino Unido.

O “LISA” é semelhante a um PPR, em que o Estado garante uma taxa de juro significativamente acima do mercado para contas poupança, cujo único destino é constituir poupança para um depósito inicial destinado à aquisição de primeira habitação própria permanente. Há, obviamente, um limite para as contribuições que se pode fazer para tais produtos financeiros.

Importa ainda referir que tais medidas terão como consequências acessórias a criação de postos de trabalho, aumento da receita fiscal nacional e autárquica e aumento da formação bruta de capital fixo da região.

Aproveito também para fazer a ressalva que tais soluções apenas são viáveis num cenário de desajuste da oferta face à procura, como o que temos hoje, e que, por isso, é importante não descurar o contínuo crescimento saudável do lado da procura.

 

Autor: João Feliciano Martins, licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças Empresariais, ambos na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, é membro estagiário da Ordem dos Economistas – Delegação Regional do Algarve.
Começou a sua experiência profissional na banca de retalho, tendo-se depois aventurado na consultoria de investimentos e planeamento financeiro.
Presta também serviços de consultoria de gestão para uma empresa de engenharia acústica no Algarve e é co-fundador da CV Riser – uma empresa que pretende automatizar e agilizar toda a experiência de recrutamento das empresas nacionais.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

 

 

 

 

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