Há algarvios que já tiveram Covid-19 e nem desconfiaram

Testes serológicos deram conta de anticorpos contra o novo coronavírus em pessoas que nunca tiveram sintomas

Tiveram nenhuns ou poucos sintomas de Covid-19, mas isso não impediu que 33 dos 1235 louletanos que fizeram testes serológicos no âmbito de um estudo piloto levado a cabo pelo Algarve Biomedical Center e a Fundação Champalimaud tivessem anticorpos contra o novo coronavírus, por já terem tido a doença.

Nos últimos dias – em apenas três dias – foram rastreados cidadãos de Loulé que, pela sua atividade profissional, têm maior risco de infeção, nomeadamente profissionais de saúde, forças de segurança, bombeiros e elementos da proteção civil, funcionários de lares e instituições similares, funcionários das empresas de serviços da administração central ou local – entre os quais os do Mercado de Loulé – e jornalistas. Ao todo, havia 34 pessoas que tinha anticorpos, um dos quais deu, mais tarde, positivo para a doença. Os restantes já a tiveram, sem se aperceber, e já a venceram.

No fundo, e aproveitando a analogia utilizada pelos responsáveis por este estudo, o médico Nuno Marques, diretor do ABC, e o imunologista Henrique Veiga-Fernandes, da Fundação Champalimaud, o estudo veio revelar que, também em Loulé, os casos diagnosticados são «apenas a ponta do icebergue».

«Fizemos 1235 testes e demonstrámos que nós temos, na realidade e nas populações de risco que testámos, uma taxa de casos muito acima daqueles que são conhecidos», segundo Nuno Marques.

 

Nuno Marques

 

Esta foi uma das conclusões do estudo feito no Algarve, que teve como centro nevrálgico um drive-thru instalado ao lado do que já existia no Estádio Algarve, para fazer estes testes serológicos, que detetam anticorpos para o novo coronavírus presentes no sangue. As estruturas montadas para o efeito foram esta tarde visitadas por Manuel Heitor, ministro da Ciência e do Ensino Superior, e por Jamila Madeira, secretária de Estado da Saúde, bem como pelos outros dois secretários de Estado algarvios, José Apolinário e Jorge Botelho.

Além de conhecer a logística dos testes, os membros do Governo e demais comitiva ficaram a conhecer os resultados do estudo e a metodologia usada.

À partida, os autores do estudo já sabiam que a maioria das pessoas infetadas com o novo coronavírus não desenvolvem sintomas, tendo em conta que já há estudos que apontam para que o número de pessoas que teve a doença sem saber será «5 a 20 vezes superior» aos dos casos diagnosticados. Na população estudada em Loulé, a percentagem de pessoas com anticorpos para o novo coronavírus foi de 2,8%, 14 vezes superior à prevalência da doença entre esta população de risco, em Loulé, que é de 0,2%.

«Nós podemos pensar que 2,8% é baixo. Mas ainda bem que assim é, porque a frequência por diagnóstico é de 0,2%. Isto revela, por um lado, a eficiência das medidas. Por outro, mesmo tendo medidas muito eficientes, com testes diagnóstico o que vemos é apenas a ponta do icebergue e há um universo muitíssimo superior de pessoas que estiveram infetadas e não tiveram sintomas, ou em que este foram tão ligeiros que não foram valorizados», considerou Henrique Veiga-Fernandes.

 

Henrique Veiga-Fernandes , da Fundação Champalimaud

 

Ainda assim, estes números não foram o grande triunfo do trabalho que foi feito. «A grande novidade deste nosso estudo foi a utilização combinada dos dois tipos de teste [serológico e de diagnóstico], de forma a aumentar a sensibilidade, conseguindo maximizar a eficiência na utilização de recursos. Definimos algo que, mantendo a segurança para a população, é perfeitamente exequível em qualquer lugar do país, por instituições da área da saúde, que o conseguem implementar de forma muito rápida», explicou Nuno Marques.

E não foi preciso muito tempo para criar a Combicov, uma estratégia integrada criada em conjunto pelo ABC e pela fundação sediada em Lisboa, que alia um rastreio serológico a testes de diagnóstico e pretende contribuir para a «prevenção da Covid-19 e retoma das atividades sociais e económicas».

«Há quinze dias, podíamos estar a trocar pequenas ideias sobre isto, mas muito rapidamente montámos esta operação», explicou o diretor do ABC. Na prática, foi criado um sistema de recolha de amostras, neste caso de sangue, com oito postos, com capacidade para fazer «cerca de mil testes diários».

Mais do que um retrato da situação atual – e, no caso dos testes serológicos, do que foi o passado -, o modelo criado pelo Algarve Biomedical Center e pela Fundação Champalimaud permite «um acompanhamento da situação ao longo do tempo, que nos pode levar a identificar a taxa de exposição da população, numa determinada zona, de forma relativamente rápida, segura e com uma grande sensibilidade, usando uma estratégia que é muito eficiente».

 

Jamila Madeira

 

É que, ao usar os testes serológicos, muito mais rápidos mas, também, bem mais baratos que os de diagnóstico, os chamados PCR, pode-se perceber, por um lado, quem já teve a doença, mas também identificar pessoas que possam ainda estar infetadas, ao mesmo tempo que se descarta quem não está. Isto entre pessoas de quem não haja motivos óbvios para se desconfiar que estejam doentes.

Isto permite reduzir custos, já que evita que se tenha de fazer onerosos testes de diagnósticos a todos os profissionais de risco.

«Estamos a arranjar aqui uma estratégia, que maximiza a sensibilidade, a segurança do que damos à população, minimizando os custos e, acima de tudo, tornando-a exequível em qualquer ponto do país», resumiu Nuno Marques.

Já Henrique Veiga-Fernandes acredita que o facto de esta estratégia ir além dos testes de diagnóstico, permite combater a doença de forma mais eficiente.

«Este modelo dá-nos informação epidemiológica e números mais concretos para estudar e prever a evolução da pandemia, ao mesmo tempo que nos permite maximizar os recursos, para termos mais população sujeita a rastreio serológico e, eventualmente, a testes de diagnóstico. Isso permite-nos racionalizar custos, quer em termos operacionais, quer em termos de reagentes, assegurando, simultaneamente, a maior sensibilidade possível na deteção de casos positivos», reforçou o imunologista.

 

Manuel Heitor

 

No final, Manuel Heitor elogiou o estudo, considerando-o «um contributo muito importante da ciência, neste período de grande incerteza».

Até porque, avisou o ministro da Ciência e Ensino Superior, «enquanto não houver uma vacina ou uma terapia para a Covid-19, o diagnóstico é particularmente importante»

«Tudo faremos para que esta experiência, que assenta num estudo científico, mas também numa realidade prática, possa ser feito noutras zonas, porque o que foi demonstrado é que o estudo aqui feito em Loulé é muito importante para dar confiança às pessoas e  teve eficiência, quer em termos científicos, quer económica», acrescentou.

No Algarve, revelou Nuno Marques, «está em estudo» a realização de testes semelhantes à população de risco de outros concelhos do Algarve. O ministro da Ciência mostra-se «confiante de que há capacidade humana e cientifica, bem como os recursos necessários, para poder avançar com este estudo noutros locais do Algarve e do país e fazer disto uma referência a nível do mundo».

Já Jamila Madeira, apesar de classificar este estudo como «algo muito interessante para o ministério da Saúde e para o Governo» e a metodologia criada como «um caminho interessante e a ter em conta, que poderá ter muito futuro», foi mais cautelosa na hora de comprar a ideia.

«Neste momento ainda estamos a avaliar cientificamente qual o caminho a seguir», disse. Também não houve compromisso da parte da secretária de Estado sobre quem será sujeito a testes serológicos – se toda a população ou que grupos específicos.

 

 

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