Faro para as pessoas, não para os carros

Faro é uma boa cidade, mas com um melhor planeamento poderia ser um dos melhores lugares para se viver na Europa

Há três anos e meio, vim para Faro pela primeira vez. Como muitos alemães, vim pelo sol e para escapar ao inverno no Norte. Apaixonei-me! Apaixonei-me pela minha futura esposa, mas também pelo lugar.

A beleza natural da Ria Formosa é única. As pessoas são simpáticas e abertas a estrangeiros. A comida é deliciosa. A cidade velha tem charme. Há uma universidade. O lugar não é demasiado grande, nem demasiado provinciano.

Faro fica na mesma latitude que São Francisco. Já vivi na Califórnia, há muitas semelhanças naturais. Faro tem todos os ingredientes para ser o São Francisco da Europa.

Mas é claro que Faro precisa compensar pela história perdida. O Algarve era extremamente pobre e negligenciado até 1974. Portugal em geral era pobre. A modesta riqueza do país, no passado, foi controlada por algumas famílias em Lisboa e no Porto.

Em 1986, quando Portugal aderiu à Comunidade Europeia, o Algarve ficou atrás da Europa Ocidental em muitos indicadores básicos, como a alfabetização e o acesso à água. O sul de Portugal foi a região mais subdesenvolvida que já entrou na UE.

A região alcançou imensos progressos desde as décadas de 1970 e 1980. O turismo internacional e o financiamento europeu começaram uma onda de investimentos em infraestruturas nas décadas de 1990 e 2000.

Ainda em 1991, apenas 68% dos algarvios tinham acesso a condutas de água e 56% ao sistema de esgotos. Graças ao investimento da UE, em 2001 já 91% estavam ligados à água. Mais tarde, os programas europeus centraram-se na rede rodoviária; um projeto questionável.

O turismo traz dinheiro, mas também problemas. No Algarve, o turismo tornou-se uma monocultura. A região depende muito dele. O emprego proveniente do turismo é altamente sazonal, com uma grande diferença entre o verão e o inverno. A maioria dos trabalhadores está no setor pouco qualificado e de baixo custo. Nesta base, é difícil criar uma economia local sustentável.

O Algarve evoluiu para um destino de férias de praia, principalmente de classe média, o que é melhor do que o turismo de massas encontrado em outros lugares, mas continua a ser um nicho específico.

Faro não é um íman turístico, é mais um centro logístico. Atrai poucos turistas que vêm explorar a vida urbana. Faro não pode competir com Lisboa e Porto. No entanto, cidades mais pequenas, como Aveiro, Braga e Évora, conseguiram atrair turistas urbanos nos últimos anos.

Os políticos precisam pensar em como fazer de Faro um espaço urbano mais habitável: para atrair turistas dedicados à cidade; para oferecer aos turistas de praia outra opção; e para manter os residentes existentes.

Faro é um exemplo do que era conhecido como planeamento urbano modernista. Abandonando as restrições dos centros históricos, os urbanistas modernistas desenvolveram mono-zonas nos arredores: zona industrial, zona comercial, zona residencial, zona educacional; todas estas zonas foram construídas como blocos separados uns dos outros. O modernismo tornou a construção mais fácil e barata, mas destruiu o encanto e a coerência de uma cidade tradicional.

O planeamento modernista levou a uma terrível consequência não intencional: enormes quantidades de tráfego diário. Se todas as partes da vida diária são separadas espacialmente, as pessoas precisam mover-se constantemente de uma zona para a outra. Se a vida é mais complexa, o tráfego diário cresce ainda mais entre trabalho, escola, compras, diversão, desporto e volta à base doméstica.

Tal dilúvio de tráfego é um desafio mesmo para uma cidade bem planeada. É ainda mais se a falta de planeamento e a falta de investimento fazem com que a maior parte deste tráfego seja feito de carro. Aqui reside o problema número um de Faro: a cidade é sufocada por carros.

Em resposta à maré crescente de automóveis, os políticos de Faro, durante décadas, decidiram construir mais ruas para carros, em vez de reduzir o número de veículos. As ruas da cidade são construídas para a conveniência dos carros, não das pessoas.

A crise do coronavírus abriu os olhos. Durante a quarentena, quando o tráfego era mínimo, as ruas tornaram-se mais amigáveis. As pessoas tinham mais espaço para andar. O ruído e a poluição foram muito reduzidos.

O Coronavírus tornou visível as falhas atuais nas cidades. O distanciamento social de dois metros é difícil quando a calçada tem um metro de largura. Para não falar dos carros estacionados ilegalmente, que ocupam espaços para pedestres.

Hoje, as ruas são imaginadas com base na primazia do carro. As faixas de automóveis são designadas primeiro, para a condução e o estacionamento, e, depois, qualquer espaço que resta é dado às pessoas. Primeiro os carros, depois as pessoas.

Uma sociedade sã faria o contrário: considerar primeiro as necessidades das pessoas, depois adicionar carros, se necessário e possível.

Um bom design urbano começaria por dar, a cada lado da rua, pelo menos dois metros de espaço para andar, depois adicionar faixas para bicicletas e trotinetes, e depois pensaria nas necessidades dos carros.

Em locais estreitos, isto significa que os carros são reduzidos a ruas de sentido único ou que precisam de partilhar ruas de velocidade reduzida com bicicletas. O limite de velocidade nas cidades deve ser de 30 km/h. Um pequeno inconveniente para os carros, mas uma grande melhoria para as pessoas.

Uma sociedade sã reduziria o espaço de estacionamento. Vivemos numa época de aumento das rendas e dos preços das casas, que muitas famílias já não podem pagar.

Vivemos também numa época de estacionamento gratuito para carros, ou por pouco dinheiro. É absurdo: as pessoas mais pobres estariam melhor se fossem carros em vez de humanos. A nossa ideologia atual preocupa-se mais com o estacionamento para carros do que com o espaço para as habitantes. É como se carros governassem este planeta.

Faro poderia ser um paraíso para os ciclistas, mas a realidade é sombria. Bicicletas e trotinetes são ideais para cidades do tamanho de Faro. O clima é o ideal; os ciclistas de Amsterdão e Copenhaga sonham com tal.

Sem ciclovias dedicadas e ruas seguras com velocidade reduzida, o ciclismo e a e-mobility não prosperará.

O terceiro negócio das trotinetes está agora a tentar a sua sorte, mas continua a ser uma aventura condenada quando o planeamento urbano não está preparado.

A cidade não tem uma rede coerente, existem apenas algumas ciclovias isoladas. Na maioria das ruas, é perigoso andar de bicicleta entre os carros.

Estradas circulares como a Avenida Calouste Gulbenkian destroem a cidade, cortando bairros uns dos outros e apresentando obstáculos desagradáveis para as pessoas.

Muito esforço foi feito para o Parque Ribeirinho, mas o adorável parque à beira-mar é isolado da cidade por um monstro de estrada que se estende desde o centro comercial Fórum até a prisão. Imagine caminhar ou andar de bicicleta do Hospital até ao Parque Ribeirinho; não é uma alegria.

Aqui estão outros desafios: levar uma bicicleta ou trotinete da estação de comboios para o campus da universidade na Penha ou da piscina para o Fórum. Alguns estudantes estão dispostos a correr o risco.

Para a maioria das habitantes, tais viagens são imprudentes. Os pais responsáveis não permitem que seus filhos façam essas viagens, por isso precisam de os conduzir de carro.

Os turistas também não vão arriscar. Pense no que um turista experimenta quando chega à estação de comboios e vai à cidade velha. A primeira sensação é a de um passeio desconfortável, mas realizável.

Em seguida, considere um passeio mais longo, até ao Mercado ou ao Fórum: será um obstáculo para a maioria dos turistas. Os bairros encantadores da Penha e São Luís permanecem um mistério para os turistas, porque nunca chegam lá. O sistema de autocarros é limitado e mesmo os residentes locais nem sempre o compreendem.

Nos últimos anos, turistas estrangeiros experimentaram como as suas cidades na Alemanha, França, Benelux e Escandinávia se livraram dos carros e tornaram-se mais habitáveis. Eles querem o mesmo quando estão de férias. A primazia do carro é uma grande desvantagem.

Outros destinos entenderam os sinais e começaram a mudar o seu planeamento rodoviário. Maiorca e Sevilha, por exemplo, estão a transformar-se com muito sucesso. Em Portugal, Aveiro é um dos líderes.

O coronavírus é uma enorme crise para o turismo. O próximo choque económico reduzirá os gastos dos turistas. As viagens, especialmente as de avião, enfrentam um grande obstáculo logístico e psicológico.

Os turistas estarão relutantes em reservar viagens no estrangeiro por um tempo, mas voltarão. Quando voltarem, serão exigentes: procurando o distanciamento social, evitando hostels e hotéis de massas, preferindo alojamento privado e apartamentos de férias.

Eventualmente, os turistas voltarão a gastar as mesmas quantias de dinheiro, mas de forma diferente: em vez de várias férias mais curtas e baratas, preferirão umas férias longas e caras num espaço maior.

No futuro, os turistas escolherão os seus destinos com um olhar crítico. A concorrência entre os locais turísticos europeus será mais feroz.

O Algarve foi menos afetado pelas mortes por coronavírus do que outras regiões da Europa. No entanto, o Algarve sentirá o efeito económico da queda do turismo mais fortemente do que outros. Esta é a desvantagem de uma mono-economia.

Tal colapso económico atingirá fortemente a população local. Será mais difícil manter as pessoas no Algarve e atrair novos residentes de outras partes de Portugal. Quando a indústria do turismo está em crise, toda a região está em crise.

Alguns problemas importantes para os algarvios, como um serviço de saúde menor do que no resto de Portugal, estão fora do controle dos políticos locais.

No entanto, há passos concretos em que a política local pode fazer de Faro um lugar mais habitável. Faro precisa de atrair uma nova classe de turistas urbanos e persuadir os seus atuais residentes a ficarem, em particular os mais jovens, que são mais flexíveis para se mudar. Um passo crucial nesta direção será abandonar a primazia do carro.

Os carros têm o seu papel em viagens de média distância. Mas uma cidade bem planeada, especialmente do tamanho de Faro, não precisa de carros.

Faro precisa de pessoas e a cidade deve dar-lhes primazia. Faro é uma boa cidade, mas com um melhor planeamento poderia ser um dos melhores lugares para se viver na Europa.

Autor: Alexej Behnisch nasceu na Alemanha, estudou no Reino Unido e vive hoje em Faro. Trabalha como conselheiro político e professor.

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