Vale a pena usar uma máscara por causa da Covid-19?

Mantenham bons hábitos de higiene

Vale a pena usar uma máscara por causa da Covid-19? A resposta é sim! Porquê? Observemos a imagem acima.

Encontra-se estabelecido que o principal meio de contágio da Covid-19 é através das partículas – que transportam o vírus, normalmente alojado no trato respiratório superior – projetadas pelo sistema respiratório, seja através de espirros ou tosse, ou simplesmente pelo ato de respirar.

Estas partículas são caracterizadas por um tamanho – as mais pequenas (representadas a cinzento na figura) designam-se por aerossóis. Os aerossóis são parte do quotidiano doméstico – lacas, inseticidas, desodorizantes, ambientadores e demais sprays são efetivamente aerossóis.

A grande diferença entre estes e o aerossol referido no texto é que estes aerossóis usam gás butano, ao passo que nós usamos o ar que nos rodeia – Os aerossóis são partículas tão pequenas (tamanho inferior a um milésimo de milímetro, ou seja, um micrómetro, (1 µm)) que são facilmente transportadas num gás, ao passo que partículas com tamanho superior a um décimo de milímetro são designadas gotículas (partículas a verde).

Podemos constatar que o simples ato de expirar gera partículas que podem alcançar um raio de 1,5 metros a partir da posição do agente infetado (o indivíduo vestido de azul).

A tosse, por seu lado, consegue projetar essas partículas um pouco mais longe – uma média de 2 metros.

Já um espirro, devido à sua grande velocidade (50 metro por segundo, ou seja, 180 km/h) consegue projetar partículas além dos seis metros de distância.

Constate-se assim que o ato de protegermos a cara aquando da tosse ou de um espirro não é um gesto de etiqueta bacoca, mas sim uma maneira muito prática de conter a propagação destas partículas, efetivamente garantindo a proteção de quem nos rodeia.

Graças a diversos estudos publicados em revistas científicas sujeitas a arbitragem científica, possuímos dados relativamente à capacidade de proteção conferida por diversos tipos de máscaras – desde a máscara cirúrgica, à máscara N95 e às máscaras caseiras.

Assim, verificou-se que as grandes partículas podem ser eficientemente bloqueadas pelas máscaras cirúrgicas. A máscara somente perde a sua eficiência para partículas muito pequenas (pensem numa peneira – quando as partículas são menores do que os poros da peneira, estas passam; contudo, todas as outras partículas ficam retidas na peneira!).

As famosas máscaras N95 – cujo número críptico significa apenas que estão projetadas para filtrar 95% das partículas do ar – conseguem resultados melhores.

Ora bem, isto significa que a humilde máscara cirúrgica consegue proteger contra as gotículas, mas não é tão eficaz contra os aerossóis.

Contudo, as máscaras cirúrgicas, se forem devidamente isoladas (a máscara, quando utilizada normalmente, possui aberturas na zona do nariz), oferecem um grau de proteção elevado – duas ordens de grandeza, ou seja, 200 vezes mais proteção – do que não utilizando proteção alguma! Mais ainda: os estudos revelam que até uma máscara caseira, feita de um tecido denso, pode ajudar!

 




 

Agora, o porquê das opiniões contraditórias sobre o uso ou não uso de máscaras? Aqui, só vos posso transmitir a minha opinião pessoal.

Creio que o factor mais óbvio reside na necessidade de se poder ter um stock de material hospitalar. Uma máscara só pode ser usada entre 4 a 6 horas.

Fazendo um cálculo ridiculamente simplificado, considerando que o cidadão médio tem um ritmo diário de 16 horas acordado e 8 horas de sono, e que dorme sem máscara, utilizará, num só dia, entre três a quatro máscaras. Atentando que a população portuguesa se estima em 10 milhões de pessoas, isso equivaleria a um valor diário de 30 a 40 milhões de máscaras! No fim dum mês, 900 a 1200 milhões de máscaras.

Outro fator prender-se-á com a questão de que, apesar de estar comprovada a transmissão por gotículas, ainda residirem dúvidas relativamente à transmissão por aerossol, ou seja, se os aerossóis são também um vetor importante na transmissão da doença.

Aqui gera-se o dilema do copo – estará meio-cheio ou meio vazio? Alguns considerarão que só o facto de bloquear as gotículas apresentar-se-á como um meio eficaz de reduzir o R0, ou seja, a taxa de transmissão da doença.

Para outros, poderão achar que, dado que as máscaras não são eficazes contra os aerossóis, que acabam por gerar uma falsa sensação de segurança em quem os usa, porque poderá contrair na mesma a doença e, ainda pior, a máscara representará assim mais um fómite, ou seja, um objeto contaminado com o agente infecioso que poderá entrar em contacto com outras pessoas e espalhar a infeção.

Outros exemplos de fómites? Maçanetas de portas. Apertos de mão. Mexer na cara. Se tem de ter contacto com algo – seja a roupa, óculos, portas, janelas – esses objetos tornam-se fómites!.

E um outro fator, sinergético com os já referidos, é a higiene e limpeza!

Tenham em conta que se usarem uma máscara cirúrgica descartável (que possui um tempo máximo de utilização entre quatro a seis horas), esta não deverá ser reutilizada! As máscaras caseiras deverão ser desinfetadas (água, detergente e lixívia ou mesmo água e uma boa esfregadela com sabão azul, são eficazes na neutralização do vírus!), e deverão garantir que as mesmas sejam bem secas!

E mantenham bons hábitos de higiene: lavem bem as mãos; lavem bem a cara, depois de usarem a máscara, com sabão. Mantenham o vosso distanciamento social. Previnam! É para vosso bem!

E por fim – e não menos importante, dada a nova moda das fake news e do uso das redes sociais para alastrar o pânico e a ignorância -, não precisam de tomar a minha palavra por garantida!

A minha opinião é baseada na bibliografia científica que vos forneço abaixo. Sejam críticos. Não tenham receio de questionar. A curiosidade foi, é e será sempre a ferramenta mais importante para nos desenvolvermos enquanto civilização.

 

Bibliografia:

– Nicas, M. and Jones, R.M. (2009), Relative Contributions of Four Exposure Pathways to Influenza Infection Risk. Risk Analysis, 29: 1292-1303. doi:10.1111/j.1539-6924.2009.01253.x

– Xie, X., Li, Y., Chwang, A.T.Y., Ho, P.L. and Seto, W.H. (2007), How far droplets can move in indoor environments – revisiting the Wells evaporation–falling curve. Indoor Air, 17: 211-225. doi:10.1111/j.1600-0668.2007.00469.x

– van der Sande M, Teunis P, Sabel R (2008) Professional and Home-Made Face Masks Reduce Exposure to Respiratory Infections among the General Population. PLoS ONE 3(7): e2618. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0002618

© 2020 – Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva

 

Autor: Alcides Simão, AMRSC, é Mestre em Química pela Universidade de Coimbra (2008) e Associated Member of the Royal Society of Chemistry.
Foi investigador convidado na Universidade de Buenos Aires, (Argentina, 2005) e na Universidade de Lund (Suécia, 2009).
Presentemente é colaborador no Departamento de Química da Universidade de Coimbra, sendo também investigador convidado no Instituto de Química Alexander Butlerov da Universidade Federal de Kazan (Rússia) e no Grupo de Espectroscopia Molecular da Universidade de Valladolid (Espanha)
A sua investigação centra-se em torno de moléculas biologicamente activas (especificamente, moléculas com acção sobre o sistema nervoso) e seu comportamento a nível químico-físico, estando presentemente a finalizar o seu doutoramento na Universidade de Coimbra na área de Espectroscopia Molecular.
É apaixonado pelas letras e pela divulgação científica.

Comentários

pub