Pequenos agricultores algarvios exigem à ministra apoios devido à Covid-19

Subscritores querem medidas que apoiem «cabalmente uma agricultura mais sustentável e local, em plena sintonia com os recursos naturais disponíveis em cada região»

Associações algarvias, movimentos do setor e agricultores individuais enviaram uma carta aberta à ministra da Agricultura onde exigem apoios aos «pequenos produtores» e não apenas a empresas que recorrem «a mão de obra temporária» e sem preocupações ecológicas. 

Na carta, enviada ontem, 20 de Abril, lê-se que o «setor agrícola, no seu todo, está a ser fortemente prejudicado com a pandemia da Covid-19».

Por isso, defendem, o Ministério da Agricultura «não pode ter dois pesos e duas medidas para os operadores primários, o que é até contraditório com a campanha “Alimente quem Alimenta”, que apenas apela à consciência para consumir produtos nacionais».

Com a atual pandemia, «são muitos, e em situações muito diferentes, os produtores agrícolas que estão na situação de não poder escoar os seus produtos», alertam os subscritores.

«Aos operadores dos pequenos frutos – e provavelmente outros frutos destinados maioritariamente à exportação – foram fechados os canais de distribuição pela quebra do setor hoteleiro e pela quebra das exportações, já que ocorreu o fecho generalizado dos mercados de destino. À produção de pequena escala e local, foram fechados mercados locais, de rua, canceladas encomendas nas grandes superfícies e na restauração, sendo isto transversal à produção de hortofrutícolas, à produção pecuária e igualmente para as pescas», enquadra a carta.

Só que este último setor «sofre bloqueios e estrangulamentos na distribuição mesmo fora deste cenário Covid-19».

Por isso, os subscritores desta missiva defendem que «não podemos assistir ao apoio financeiro à retirada de mercado de produtos que são apoiados na sua fase de instalação e manutenção e que recorrem a mão de obra temporária de proveniência externa, mantida em condições criticáveis».

Os subscritores da carta referem-se aos grandes produtores de pequenos frutos em grandes extensões de estufas. Recentemente, o Movimento Juntos pelo Sudoeste também veio a público criticar os apoios do Governo a empresas que «destroem» o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, principalmente nos concelhos de Aljezur e Odemira.

 

 

Além disto, aquela produção intensiva «utiliza os recursos naturais internos (como a água cada vez mais escassa) e não deixa valor na economia no local», lê-se na carta enviada à ministra.

«Mais de 90% da produção destes frutos é exportada e este modelo agrícola, que só utiliza o local e recursos naturais para produzir e exportar, reclama agora apoios internos para resolver o seu problema», queixam-se os subscritores.

Para os pequenos agricultores locais, as medidas são escassas, denunciam. «Não se pode assistir apenas a uma campanha de sensibilização para apoiar a produção nacional ou a medidas de apoio que carecem de apresentação de uma candidatura à operação “Cadeias Curtas e Mercados Locais”».

«Os pequenos agricultores usam o local como sede das suas atividades de produção, utilizam recursos naturais e a maior parte da mão de obra é familiar e interna, escoando para os canais de proximidade», diz a carta.

Ainda assim, esta agricultura «sobrevive contando apenas com as suas poupanças, com a ajuda de algumas associações locais e sobretudo com a sua resiliência, já que o Ministério da Agricultura não considerou urgente apoiá-los diretamente de forma mais direta e simples», queixam-se os subscritores.

«São dois modelos de produção distintos: um muito organizado, mais consumidor de recursos (em especial a água – que no Algarve não pode ser desperdiçada), virado quase exclusivamente para a exportação (consumindo mais combustíveis fósseis e energia). O outro, sem possuir uma estrutura organizada para a distribuição (dada a pequena escala e a diversidade de produtos), mas adaptada às necessidades alimentares de cada local, gere de forma mais sustentável os recursos», defendem.

Mesmo a nível social, «estes modelos têm impactos bem diferentes no que diz respeito à distribuição de riqueza, contributo na economia local e, sobretudo, justiça social da mão de obra».

«A atual aposta numa agricultura de exportação é contraproducente e contraditória com o atual pacto ecológico que a União Europeia se comprometeu com os seus estados membros, numa aposta à produção local e a modos de produção mais sustentáveis».

Por isto, a «componente social deve ser tida em conta para que os direitos humanos não sejam comprometidos».

«A todos os níveis (alimentar, industrial, tecnológico), cada país tem que assegurar independência nas suas produções, por forma a fazer uma gestão mais adequada dos seus recursos naturais e outros e não ficar desprovido em situações de crise como esta».

É por isto que estas associações, movimentos e agricultores pedem «medidas corretas e justas, em defesa da salvaguarda e reforço da autonomia, diversidade, frescura e qualidade alimentar».

A carta deixa alguns exemplos de iniciativas, «como a reabertura de mercados de produtores que tenham encerrado, criando, para o efeito, medidas de prevenção adequadas que permitam o escoamento da produção e o fornecimento de produtos frescos e de qualidade, bem como o apoio aos pequenos produtores em situações de quebra de escoamento e disponibilização de apoios financeiros a fundo perdido, incentivadores do desenvolvimento de produções para abastecimento de mercados locais e circuitos curtos».

A isto junta-se o «apoio na absorção da produção nacional, através de outros canais de escoamento de proximidade, como sejam as cantinas públicas e, para alguns casos, como a fruta, através da grande distribuição, com medidas de proteção para que os preços praticados não sejam injustos».

Por fim, a carta apela a um «reforço da confiança do setor primário para continuar a sua atividade de produção de alimentos».

«Com estas medidas apenas, o setor primário, em especial a pequena agricultura com vista ao mercado nacional, sentirá confiança neste Ministério para continuar a trabalhar e a contribuir para alimentar o país», justifica.

Na carta, os subscritores propõem a Maria do Céu Albuquerque, ministra da Agricultura, um «trabalho de concertação com outras pastas governativas e as autarquias locais», desafiando à criação de «todas as medidas que se identifiquem como necessárias para apoiar cabalmente uma agricultura mais sustentável e local, em plena sintonia com os recursos naturais disponíveis em cada região, pois é importante ter em consideração as especificidades e a capacidade de carga».

É que, como explicam, «este é um momento difícil, com consequências económicas e sociais que se arrastarão no tempo, muito além da pandemia Covid-19. Nestes momentos, importa analisar processos e medidas, refletir sobre percursos, ponderar a partir do melhor conhecimento disponível no momento, sobre as decisões adequadas que importa tomar. Na economia tem-nos sido apontado o caminho das exportações e tem sido pouco cuidada a resposta às necessidades internas».

Para ler a carta completa, clique aqui.

 

Subscritores:

Associação Almargem, Associação das Terras e das Gentes da Dieta Mediterrânica, Movimento Slow Food do Algarve, Movimento Glocal Faro e agricultores Ângela Rosa, Carlos Cabrita, Humberto Costa, Isabel Sousa, Júlia Coelho, Paula Dias, Paula Pedro, Paulo Belchior, Paulo Dias, Rosa Dias, Rui Vieira e Susana Belchior.

 

 

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