Ideias para a Economia do Algarve na era pós-Covid19

Texto de opinião escrito pelos economistas Pedro Silva, Cláudio Lima e Luís Coelho

No passado dia 17 de Abril decorreu uma sessão on-line organizada pelo Algarve Tech Hub que contou com os três membros da Ordem dos Economistas que assinam o presente texto: Pedro Plácido da Silva, Cláudio Lima e Luís Serra Coelho. Durante a sessão refletiu-se sobre as perspetivas que se abrem para a economia da nossa região no curto e médio-prazos.

O cenário genérico é, infelizmente, pouco animador. Como sabemos, a economia do Algarve assenta no fenómeno turístico, responsável por mais de 50% do seu Valor Acrescentado Bruto (VAB) e 40% do emprego.

Existe uma elevada sazonalidade (em 2019, 55% da procura turística que pernoitou em estabelecimentos de alojamento turístico materializou-se entre Junho e Setembro, período que concentra 64% da faturação destas unidades) e uma forte dependência do mercado externo (em 2019, 75% do total de dormidas registadas em estabelecimentos de alojamento turístico foram de não-residentes).

Por outro lado, a pandemia bateu-nos à porta na pior altura possível. De facto, muitas empresas (e pessoas) estavam agora a preparar a época alta, tal como acontece todos os anos, a qual é essencial para garantir receitas suficientes para resistir o resto do ano.

Estamos em meados de Abril, com aeroportos e fronteiras encerradas, prevendo-se que a situação não se altere nos próximos tempos. Logo, mesmo que haja Verão, teme-se que este seja fraco, já que é duvidoso que quem nos venha a visitar tenha condições (financeiras e anímicas) para fazer diferente.




 

Por outro lado, importa dizer que o turismo é igualmente uma força motriz da nossa economia nacional. Em particular, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), com contas fechadas relativas a 2018, este setor representou 11,3% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, a mesma fonte revela que, por cada trimestre que passarmos sem turismo arriscamos perder cerca de 2.9% do nosso PIB. A situação é pois grave já que todos os estudos internacionais divulgados até ao momento são unânimes num ponto: o setor que mais tem a perder com a atual pandemia é o turismo (e viagens).

O nosso Governo respondeu à presente emergência da forma que foi possível. De facto, entre uma dívida pública que representa 120% do nosso PIB, um superavit orçamental marginal conseguido em 2019 à custa de uma receita fiscal recorde na história da democracia e uma União Europeia que é tudo menos uma união, António Costa tenta atuar com as cautelas que se exigem neste momento.

Em particular, o Governo lançou um conjunto de medidas com vista a preservar o tecido económico nacional, manter o maior número de postos de trabalho possível e conservar alguma confiança no sistema. As principais centraram-se na apresentação de linhas de financiamento de tesouraria, moratórias dos financiamentos e rendas, adiamento do pagamento de impostos e a definição de um período de lay-off simplificado de curto prazo.

Infelizmente, estas medidas parecem não estar a surtir o efeito desejado muito por conta da sua morosidade. São vários os testemunhos que mostram que o apoio à tesouraria  continua bloqueado por conta do processo bancário burocrático que lhe está subjacente. Têm também existido constrangimentos significativos na submissão e aprovação de candidaturas ao regime de lay-off simplificado, como dão bem nota vários empresários do Algarve e de outras regiões do País.

Esperamos que estes problemas possam ser resolvidos até ao final do mês, para diminuir, tanto quanto possível, o fim de inúmeras empresas e postos de trabalho com os consequentes impactos nefastos para as famílias afetadas.

 

O que fazer?

 

A resposta a esta questão é tudo menos fácil em face dos constrangimentos e vicissitudes conhecidas. Gostaríamos, no entanto, de apontar algumas ideias. No curto-prazo, parece-nos fundamental manter a confiança na economia do Algarve. Assim, os apoios a conceder a famílias e empresas devem permitir que estes agentes económicos olhem para os próximos 12 meses com a confiança de quem vai conseguir honrar o pagamento das suas despesas mesmo se os seus rendimentos descerem substancialmente (como tudo indica que venha a acontecer).

Uma forma de conseguir tal desiderato a nível empresarial passa por alargar substancialmente o período de moratória dos financiamentos a conceder (por exemplo até 2 anos), fazendo depender esta medida do setor, da robustez económica da empresa a apoiar e da sazonalidade da atividade.

Os juros (e outros encargos, necessariamente com valores perto de zero) poderiam ser alvo de subsidiação direta parcial pelo Estado, diferindo-se a parte não subsidiada por um período alargado pós término da moratória.

Por outro lado, poder-se-ia repensar o pagamento das taxas municipais que se aplicam a muitos destes negócios, bem assim como os outros impostos, que ficariam temporariamente suspensos.

Adicionalmente, poder-se-ia implementar um regime de lay-off simplificado alargado, que contasse com uma contribuição total do Estado por um período máximo de um ano e com isenção de encargos sociais.

Em troca, as empresas não poderiam despedir e os trabalhadores abrangidos teriam de frequentar programas de formação que efetivamente os qualificassem e preparassem para ser mais produtivos aquando do seu regresso à atividade, algo que aconteceria tão cedo quanto possível.




 

Estas medidas teriam, em nossa opinião, um efeito muito positivo nas empresas e nas famílias, permitindo ao mesmo tempo salvaguardar a posição orçamental do Estado. De facto, a não adoção deste tipo de medidas resultará, muito possivelmente, num aumento substancial dos custos das prestações sociais devidas aos trabalhadores desempregados (como dá nota informação recentemente divulgada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional) e a execução das garantias estatais dos empréstimos atribuídos, no âmbito da Covid, decorrentes da falência de muitas empresas apoiadas inicialmente.

Finalmente, dizer que as Câmaras e as Juntas de Freguesia também podem ter uma ação importante nesta fase se optarem por reforçar o seu relacionamento com fornecedores locais (e pagando rapidamente) e pensarem em estratégias de apoio social que ajudem a dinamizar a economia de proximidade, nomeadamente o comércio tradicional.

No longo prazo, a batalha é outra e passa pela diversificação da base económica do Algarve. Neste contexto, três setores parecem particularmente promissores: A produção de energia limpa através da opção solar, as tecnologias de informação e o mar.

Estas linhas de atuação capitalizam em vantagens naturais do Algarve (horas de exposição solar, a qualidade de vida da região e nossa ampla linha de costa, respetivamente) e permitem sonhar com um Algarve capaz de competir noutros patamares da cadeia de valor internacional.

No entanto, é preciso notar que esta seria uma tarefa hercúlea. A vantagem competitiva da região é clara, sendo que o setor do turismo que daí resulta é interessante do ponto de vista empresarial, oferecendo taxas médias de remuneração ao acionista na casa dos 10%/ano entre 2016 e 2018.

Assim, para que uma mudança desta monta possa ter lugar, é fundamental contar com o empenho de todos os atores da sociedade algarvia, começando pela classe empresarial e suas associações representativas, o poder público e, muito em particular, a Associação de Municípios do Algarve e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, bem como todos os deputados à Assembleia da República que foram eleitos pelo círculo eleitoral de Faro.

Será fácil? Seguramente não. Esperemos pois que seja possível aproveitar este momento para reequilibrar os pratos da balança no que diz respeito às prioridades de investimento no Algarve, para que possam emergir novas atividades, novos empregos, mais qualificados e melhor remunerados.

 

Sobre os autores:

Pedro Plácido da Silva – Partner na DFK & Associados, SROC, Revisor Oficial de Contas e Consultor, Professor na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
Cláudio Lima – Diretor na BECORPORATE – Consultoria em gestão e projetos de investimentos. Membro da Ordem dos Economistas. Contabilista Certificado.
Luís Serra Coelho – Professor na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Membro da Ordem dos Economistas. Contabilista Certificado.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas e no seguimento do seminário online “Economia do Algarve Pós-Covid19: perspectivando o futuro”, que contou com a moderação de um jornalista do Sul Informação.

(Re)veja o seminário completo:

 

 

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