Contra a Corrente

A abertura da região turística no Verão só será possível numa escala reduzidíssima de oferta e procura, pois, desta vez, poucos serão muitos

Tenho o maior respeito pelo turismo.

No Algarve, de forma direta ou indireta, temos todos uma enorme gratidão ao setor do turismo.

Ao turismo, devemos melhores condições de vida. Com o turismo, o Algarve desenvolveu-se e foram criadas oportunidades que permitiram às novas gerações ter um nível de qualificação e de mundividência que os seus antepassados não tiveram.

Ao turismo, devo alguns dos melhores anos da minha vida, enquanto administrador, durante quase uma década, da entidade gestora do maior empreendimento turístico da Europa.

Acaba de ser tornada pública a intenção de reabrir a maioria dos hotéis de férias nas zonas balneares em julho e da criação de um selo de garantia para dar confiança aos clientes. Já os hotéis “de cidade”, esses, só deverão voltar a operar em setembro.

A abertura da região turística no Verão só será possível numa escala reduzidíssima de oferta e procura, pois desta vez poucos serão muitos. Mesmo com a mobilidade condicionada e a imposição de regras apertadas de convivência social.

A abertura, necessária, desejável, deve ser faseada e progressiva.

Estamos gratos ao turismo, porém, nada se sobrepõe ao valor da vida. A vida dos nossos pais, a vida dos avós dos nossos filhos, a vida das pessoas imunodeprimidas. Na situação em que vivemos, a linha entre a vida e a morte é demasiado ténue.

Por isso, enfrentamos hoje o maior desafio das nossas vidas. Na saúde, no tecido empresarial e na solidariedade social para com os mais vulneráveis.

Por essa razão, a ilusão de que um percurso imediato de abertura generalizada da atividade turística irá atenuar as dificuldades presentes é profundamente enganadora e condicionará uma recuperação que se quer rápida, no momento pós pandemia. A ambicionada recuperação em “V” é possível, mas se tudo for bem feito agora.

O impacto demolidor de uma segunda vaga de propagação de COVID-19 poderá levar ao limite a capacidade de resposta do sistema de saúde, das empresas e das famílias.

Manter a guarda com medidas excecionais de confinamento pode não ser uma solução simpática e desejável. Mas é a mais segura e guardiã de uma resposta pronta no início da recuperação.

É imperioso e fundamental abrir a economia. Mas inicialmente, no pequeno comércio, em espaços higienizados e com regras de implementação acessível onde seja possível assegurar segurança e gerar confiança nos clientes.

Abrir as portas da região antes de uma vacina ou testes seguros de acesso generalizado e com resultados na hora será contraproducente para a economia e desastroso para a saúde pública.

A precipitação, agora, o mais pequeno erro de avaliação, implicará perda de vidas, colapso do sistema de saúde e falência das empresas no Inverno seguinte, resultante de mais um confinamento duro e prolongado.

Nessa medida, abrir os hotéis este Verão só poderá ser uma miragem alimentada pela esperança, legítima, mas, ainda, pouco racional e nada prudente.

A não ser que se venha a assegurar a disponibilidade em massa de testes seguros, realizados em momento prévio ao “check-in”, aliada à implementação de rigorosas medidas de proteção e de higienização e à permanente monitorização do cliente.
Ainda assim, não vislumbro essa hipótese como verosímil e até suficientemente segura.

Veja-se a situação vivida em hotéis e cruzeiros no inicio da pandemia, apesar de na altura os Planos de Contingência serem poucos ou nenhuns.

Veja-se o atual foco de infeção em lares e pensões. Veja-se a situação dramática que vivem os países que “levantaram as guardas” antes do tempo ou, simplesmente, não adotaram medidas sérias de contenção.

Considerando os bons resultados das medidas impostas é tempo de prosseguirmos com as nossas vidas. De iniciar uma “normalidade diferente”, com um retorno cuidado e avisado à atividade económica, nos setores de atividade onde seja seguro e possível fazê-lo, assim como uma vida social em que a proximidade será reinventada.

No Algarve, ganhamos o futuro se nos acautelarmos no presente. E podemos ter uma enorme vantagem competitiva se mantivermos a boa imagem que granjeámos na resposta eficaz e de elevada consciência social à crise pandémica que devasta outros mercados.
Exija-se, contudo, alguma contrapartida da riqueza que o setor, ao longo dos anos, criou.

Designadamente, com a atribuição de subsídios à formação de pessoas e qualificação de empresas. Com a isenção do IRC de 2019, desde que aplicado na manutenção de postos de trabalho. Com a atribuição de apoios no reequilíbrio financeiro das empresas. Com programas de apoio a projetos de eficiência energética e de desenvolvimento tecnológico.

E, sobretudo, salvaguardando as empresas hoteleiras com reservas prévias à pandemia que, com ordem de reabertura, não poderão manter-se encerradas, correndo o risco de pagar elevadas indemnizações, se a legislação não vier solucionar esta matéria.
Aqueles que se têm desdobrado em esforços e multiplicado em iniciativas para aguentar a dureza da primeira vaga dificilmente encontrarão recursos e forças para ultrapassar uma quase certa segunda vaga, que será tanto maior quanto a ansiedade de uma abertura precipitada e desmesurada de portas na região.

O Algarve espera e assim agradece com a esperança de um tempo novo.

 

 

Autor: Nuno Sancho Ramos é Administrador hospitalar

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