Smart City Tours 2020: Autarquias 4.0

Objetivo é promover a partilha de boas práticas entre os municípios, assim como apresentar soluções inovadoras no plano das cidades inteligentes

O Smart City Tours 2020 já está na estrada e este ano é composto por workshops temáticos realizados em diferentes cidades portuguesas.

O calendário destas sessões é o seguinte: sessão de apresentação em Lisboa (5 de fevereiro), Valongo cidade circular (12 de fevereiro), Évora, smart grids e comunidades de energia zero carbono (27 de maio), Covilhã, mobilidade sustentável (30 de junho), Monchique, smart tourism (29 setembro), Oeiras, inovação inteligente (4 de novembro), Coimbra, sessão de encerramento (25 de novembro). Haverá também uma sessão em Campo Maior (ainda sem data) sobre coesão inteligente.

A estratégia Autarquias 4.0

O projeto foi desenvolvido pela Associação Nacional de Municípios (ANMP) e pelo Laboratório de Analítica Urbana da Universidade Nova de Lisboa, em parceria com a Altice Portugal, CTT, EDP Distribuição e Deloitte.

O objetivo do projeto é promover a partilha de boas práticas entre os diferentes municípios, assim como a apresentação de soluções inovadoras no plano das cidades inteligentes.

Para cumprir os objetivos estabelecidos, o projeto é suportado por um conjunto de 30 propostas, denominado “Estratégia Autarquias 4.0”, organizadas em cinco áreas: identidade, capital humano, conectividade, infraestruturas e dados. O programa Autarquias 4.0 é candidato ao próximo ciclo de financiamento europeu 2021-2027.

Na área da Identidade, a aposta passa pela construção de bases de conhecimento do património, recursos e competências, pela sua disponibilização e pelo desenvolvimento das dinâmicas do território, nomeadamente no que diz respeito à economia e à cultura. Há ainda espaço para uma aposta na geografia física em aspetos como cadastro, infraestruturas e meteorologia.

A quarta medida passa por tornar a cultura e a tradição como elementos potenciadores de novos modelos de “desenvolvimento económico inclusivo”. As duas últimas medidas visam identificar localmente os motores da transição para a economia circular e promover ações propostas pelo cidadão na governação do território.

Na área do capital humano incluem-se propostas como a formação de recursos humanos e a criação de laboratórios vivos. A primeira medida passa pelo desenvolvimento de conselhos estratégicos de alto nível e base local, envolvendo representantes do território, de empresas e da academia, com o objetivo de criar plataformas colaborativas de captação de investimento.

A segunda medida visa, precisamente, a aposta em parcerias entre o território, empresas e academia focadas em investigação aplicada aos desafios reais do território e à contratação de inovação.

A formação de recursos humanos, incluindo os quadros municipais, em áreas emergentes da transformação digital e da inteligência artificial é outra medida integrada no plano, acompanhada da aposta na promoção da partilha de boas práticas e criação de comunidades de interesse.

A última medida nesta área propõe-se a desenvolver ações em matéria de alterações climáticas com o objetivo de alterar hábitos e comportamentos indispensáveis para combater esta problemática e, assim, promover a evolução da economia circular.

Na área da conectividade e infraestruturas, a primeira medida visa assegurar a cobertura integral do território nacional com acesso à Internet e comunicações de voz, com o plano a querer ainda disponibilizar acesso livre à utilização das redes locais de IoT para ligação de sensores.

A segunda medida passa pela criação de um modelo de identidade digital local, que suporte um ponto de contacto único para todas as interações (bidirecional) entre o cidadão ou empresa e a administração local. E, utilizando a IoT como alavanca, outra medida visa criar novos modelos de participação assentes na gamificação (jogo).

A última aposta nas tecnologias de informação e comunicação visa a regeneração dos bairros e comunidades locais através de novos modelos de confiança e partilha.

Na área dos dados, a garantia da privacidade, segurança e o uso ético da informação é uma das principais medidas. Para além disso, pretende-se também construir modelos transparentes de recolha e armazenamento de dados e promover a disponibilização aberta dos mesmos (portais locais de dados abertos) sem qualquer tipo de limitações ao seu uso.

Por isso, podem ser, por exemplo, utilizados para fins comerciais capazes de alavancar o desenvolvimento económico através da criação de novos produtos e serviços. Nesta área a aposta passa, ainda, pelo incentivo dos dados abertos em modelos colaborativos de cocriação e pelo apoio à adoção de modelos de tomada de decisão suportados por dados, incluindo administração local, empresas e cidadãos. A última medida refere-se ao desenvolvimento de um modelo de remuneração do cidadão por gerar valor económico suportado pelos dados produzidos por si, conhecidos como “data dividendos”.

A inteligência urbana

A inteligência urbana, que nós aqui designamos em sentido estrito de smartificação das cidades, justifica-se, cada vez mais, pelos efeitos externos, positivos e negativos gerados pelo crescimento urbano. Por um lado, assistimos ao crescimento da cidade-região, à fragmentação de áreas verdes e naturais e à urbanização de áreas agrícolas.

Por outro lado, mais fragmentação reclama mais conectividade para ligar os habitats e preservar a biodiversidade, a cidade-região proporciona mais multifuncionalidade através das suas várias parcelas, as áreas urbanas são ruralizadas pelo campo, o sistema articulado de áreas verdes pode funcionar como infraestrutura ecológica para controlar a expansão urbana, o carácter da paisagem penetra na cidade-região.

A estratégia autárquica 4.0 se for bem conduzida, se não se limitar a ser uma mera estratégia de otimização de recursos no plano das infraestruturas e dos dispositivos técnicos, se for um triângulo virtuoso de ligação entre áreas urbanas, áreas agrícolas e áreas naturais, se criar uma verdadeira infraestrutura ecológica inserida num plano verde municipal, então teremos criado as bases para um verdadeiro ordenamento do território e para uma genuína cidade inteligente e criativa.

A título de exemplo, uma das componentes fundamentais da estratégia autárquica 4.0 será a inteligência das infraestruturas ecológicas e do plano verde do município, em quatro subáreas principais:

– A manutenção e recuperação da biodiversidade
. a conservação e recuperação de habitats
. o refúgio, circulação e nidificação de espécies autóctones e migratórias
. o ciclo de nutrientes

– A proteção contra riscos naturais e artificiais
. a proteção dos ventos (maior conforto)
. a regularização térmica e da luminosidade (maior conforto)
. a circulação e infiltração de águas pluviais (menos riscos de cheias e inundações)

– A melhoria da qualidade de vida dos cidadãos
. o conforto climático
. a saúde através do desporto, qualidade do ar e da água
. a preservação de património histórico e cultural
. a valorização da qualidade e estética da paisagem
. os espaços de recreio, lazer e desporto ao ar livre
. a contemplação e ligação à natureza (bem-estar e melhor saúde mental)

– A melhoria da resiliência económica
. o abastecimento alimentar em produtos frescos (hortas urbanas)
. a produção agrícola sustentável (de regadio, vinhas, olivais, pomares, …)
. a produção florestal sustentável (lembro que eucaliptal não é floresta, nem é sustentável)
. a fertilidade do solo, e assim, melhoria da eficiência na produção.

Nota Final

As Grandes Transições em curso – climática, energética, digital, demográfica, migratória, sócio-laboral – terão um forte impacto no desenvolvimento urbano, em duas versões principais: a cidade-região, sobretudo, nas áreas metropolitanas e as redes de cidades mais pequenas em territórios de baixa densidade.

Nos dois casos estão em causa as interdependências entre a cidade e o seu território envolvente, bem como as relações de poder que informam essa mútua dependência.

A relação funcional e a conexão entre cidades inteligentes e os seus territórios envolventes é um assunto mal-esclarecido, em particular num país tão pequeno como o nosso, sobretudo, porque não é indiferente a forma como uma cidade se torna inteligente e, nessa medida, o modo como o processo de smartificação acontece ou o modo como a transformação digital da cidade se repercute sobre a transformação digital do território envolvente.

Assim, faz sentido a pergunta: podemos ter cidades inteligentes e prósperas e à sua volta territórios não-inteligentes e disfuncionais? Ou, ainda, por que razão as cidades inteligentes, e as suas redes, não agem inteligentemente sobre os territórios e áreas adjacentes que estão na sua órbita ou zona de influência? Afinal, cidades inteligentes que não dão provas de inteligência não são cidades inteligentes.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

Comentários

pub