Nas IPSS, também há heróis e heroínas a combater a Covid-19

O Sul Informação entrevistou Armindo Vicente, presidente do Secretariado Regional das Misericórdias de Faro

«Nós temos aqui funcionários que são quase monges, que vão de casa para o trabalho e daqui para suas casas, demonstrando um espírito de doação, de missão e de responsabilidade incríveis. Acho que, quando falamos de heróis e heroínas, temos de olhar para estas pessoas, que, com a possibilidade de se infetarem, se disciplinam para agir desta forma».

O elogio é feito por Armindo Vicente, presidente do Secretariado Regional das Misericórdias de Faro e provedor da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de Vila do Bispo, em declarações ao Sul Informação, mas adivinha-se que podia vir de outros responsáveis por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) do Algarve, que até agora – e tanto quanto há conhecimento – conseguiram deixar a Covid-19 à porta.

«Muitas vezes, estamos a falar de pessoas que ganham o ordenado mínimo. Se, quando passarmos isto, não houver um reconhecimento ao mais alto nível a estas pessoas, penso que será uma ingratidão e uma injustiça tremendas», afirmou.

Este apelo revela aquilo que Armindo Vicente descreveu ao nosso jornal: as últimas semanas têm sido intensas e exigentes para os que trabalham de perto com a terceira idade, o grupo mais vulnerável à Covid-19. E, como tem sido muito falado em relação a outros pontos do país, há limitações ao nível de equipamentos de proteção.

«É uma situação nova, à qual nos estamos a adaptar dia a dia. Estamos a tentar fazer essa adaptação de forma muito rápida, introduzindo esses procedimentos, diretrizes e orientações das entidades nacionais, principalmente da tutela, para melhorar o funcionamento das situações», disse Armindo Vicente.

«Estamos muito expostos, porque não estávamos a contar com isto e temos muita falta de stock de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Isso é notório. Ninguém está bem, relativamente a este tipo de material, no que toca às instituições», revelou.

 

Armindo Vicente

 

E se, neste caso, não faltam bens como combustíveis ou bens alimentares, tem havido «grande dificuldade na reposição de stocks, no que concerne a máscaras, desinfetantes e EPI».

«Estas faltas não são de somenos, porque estamos numa pandemia. Isto é como um incêndio. O primeiro que temos de proteger é aquele que vai para a frente de combate ao fogo», defendeu.

«Nós temos de funcionar nessa base: temos de proteger os funcionários, porque eles são o garante da segurança dos utentes. Essa é a nossa principal prioridade: tratar dos utentes e salvaguardá-los neste período», acrescentou o coordenador das Misericórdias a nível regional.

E foi isso que se procurou fazer, suspendendo as visitas em lares logo desde uma fase precoce da epidemia, em Portugal, regra que «foi de tal forma bem aplicada que nós caminhamos para os 14 dias sem nenhum caso em nenhum lar do Algarve – pelo menos que eu tenha conhecimento. Isto parece indicar que ainda fomos a tempo para evitar males maiores nesta realidade».

«Nós restringimos as visitas numa altura em que ainda não era uma obrigatoriedade para o país inteiro. As Misericórdias do Algarve aplicaram logo todas a norma de não haver visitas aos lares. Posso dizer que, visitas externas, não houve nenhuma nos lares de Budens e Sagres e penso que não fomos apenas nós que assimilámos isso rapidamente e que levámos isto muito, muito à letra, foram todas as instituições», reforçou.

Para que as coisas continuem a correr da melhor forma, «é fundamental» que as entidades que gerem lares de idosos tenham acesso a equipamentos de proteção. «Temos de ter esse reforço o quanto antes, quer para segurança dos utentes, quer para segurança dos funcionários», defendeu Armindo Vicente, na entrevista que deu ao Sul Informação.

Neste campo, há uma boa notícia, uma vez que a Santa Casa da Misericórdia de Macau já anunciou que irá doar um milhão de máscaras cirúrgicas as suas congéneres de Portugal, através da União das Misericórdias.

No entanto, esse material só «chegará daqui a duas ou três semanas. Ou seja, virá na altura para a qual está previsto o pico da epidemia. Qualquer reforço nesta altura em que o número de casos continua a crescer será sempre bem vindo e é importante».

Ontem, na habitual conferência de imprensa de balanço da evolução da epidemia de Covid-19 em Portugal, António Sales, secretário de Estado da Saúde, disse que os lares de terceira idade são uma preocupação e que a área governativa da Saúde está a trabalhar com as áreas da Defesa e do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social «para poder dar todo o apoio e respostas a estas instituições».

Armindo Vicente, por seu lado, garantiu que  «há um espírito de missão, de cooperação com o Instituto da Segurança Social e com outras entidades. Vamos, com toda a nossa força, tentar prestar o melhor serviço possível neste período, com o máximo de segurança que conseguirmos, para que estejamos ao nível das exigências».

 

Missa por vídeo chamada no lar da SCM de Vila do Bispo

 

Além da falta de material de proteção, as instituições também enfrentam carências ao nível do pessoal. «Nós, como acontecia com a hotelaria, já tínhamos um grande défice de funcionários. E os que tínhamos, tivemos de os preparar para esta realidade de uma pandemia. Mesmo quem diga que estava preparado, não é verdade. É uma situação completamente nova», disse ao Sul Informação Armindo Vicente.

Esta situação ainda ficou mais complicada com as indicações recebidas pela tutela de que as IPSS deveriam trabalhar em espelho, ou seja, com dois funcionários para cada função. Algo que, garante o provedor da SCM de Vila do Bispo, é praticamente impossível de garantir com os quadros que as instituições têm – para não falar do financiamento público que recebem, de apenas 32 euros diários por utente.

Assim, e além de equipamentos de proteção, nomeadamente máscaras, luvas e desinfetante, aceita-se voluntários, «de preferência pessoas com experiência a cuidar de idosos ou na área das limpezas».

«Os interessados podem dirigir-se diretamente às instituições ou aderir às bolsas de voluntariado que muitas autarquias têm», revelou.

Ontem, o secretário de Estado António Sales também insistiu na importância das IPSS que gerem lares terem planos de contingência.

No que toca às SCM, isso não é um problema. «A grande vantagem de termos uma União é que ela cedo juntou uma equipa, enviou modelos de planos de contingência para cada uma das instituições, que criaram elas próprias equipas para elaborar e implementar os planos, adaptando-o à sua realidade», concluiu Armindo Vicente.

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