Covid-19: Há empresas do Algarve com «o fim à vista»

O desabafo de uma empresária algarvia, que considera que as medidas de apoio às empresas do Governo. no âmbito da crise da Covid-19, não evitarão que negócios como o seu tenham de fechar

Sem dinheiro para pagar salários e sem perspetivas de o conseguir a tempo de evitar o pior cenário, apesar dos apoios anunciados pelo Governo. Esta é a realidade da empresa do setor da restauração gerida por Daniela Nogueira, mas também a de muitas outras que, segundo esta empresária, têm «o fim à vista» devido à epidemia do Covid-19.

«Os números, medidas e prazos do Governo são coerentes, legítimos e seguros, mas sobretudo carregados de boas intenções – para muitas empresas e para os seus trabalhadores ficar-se-ão por aqui. Uma narrativa bem construída, disposta a auxiliar um tecido empresarial saudável antes da chegada de rompante do vírus. Outras, como nós, estão à partida condenadas a encerrar, sem conseguir amparar as famílias que de si dependem. E não por falta de vontade determinante na manutenção dos postos de trabalho e dos rendimentos dos seus colaboradores que, mesmo que amputados em um terço, são imprescindíveis para a sua subsistência», começa por desabafar a empresária, numa carta aberta que enviou a órgãos de comunicação social e aos deputados eleitos pelo círculo do Algarve do PS, PSD e Bloco de Esquerda.

É que, garantiu, as medidas de apoio às empresas deixam o seu negócio, já a partir de amanhã, dia 31 de Março, «excluído dos critérios de elegibilidade, que em 15 dias se tornaram incumpríveis».

É que, depois de semanas de incertezas e «anúncios de medidas que geravam ainda mais dúvidas», chegou o fim do mês. Com ele, empresários como Daniela Nogueira e o seu marido apenas ficaram com quatro garantias, todas elas desanimadoras.

A primeira certeza é que «dos critérios de acesso às medidas, há um comum e intransponível, quer na aplicação do famoso Lay-off simplificado, quer na candidatura às linhas de crédito: as empresas têm de ter a sua situação fiscal e contributiva regularizada».

Isto nem seria muito grave, tendo em conta que as empresas tinham beneficiado da suspensão do pagamento das contribuições à segurança social a 20 de Março. Mas, entretanto, novo anúncio determinou «o pagamento de 1/3 das contribuições que tinham ficado suspensas, às quais se soma o devido e intocável pagamento das quotizações dos trabalhadores, que têm de ser liquidados até dia 31 de Março».

«Ainda na ótica dos pagamentos imprescindíveis, para sermos admissíveis às linhas de apoio Covid-19, temos a certeza número 3 – a situação de créditos bancários também tem de estar regularizada, sem registo de moras ou incidências. Impõem-se portanto mais umas quantas obrigações de pagamento no já longo mês de Março, sem as quais somos excluídos dos apoios», acrescentou a empresária.

E se o mês já parecia demasiado longo, «sem entradas de receitas que permitissem ir acomodando as obrigatoriedades de pagamento, imediatas e inadiáveis, eis que nos chega a certeza número 4 – as transferências ao abrigo do lay-off chegarão a 28 de cada mês, com início em Abril, aliás, como de resto se tornou evidente no calendário das medidas anunciadas. Só em finais de Abril estará disponível a uma parte das empresas o acesso aos apoios que apregoam a necessária liquidez “imediata” de que tanto carecem, e isto num bom cenário de processos agilizados, submetidos sem entraves e sem negociações com a banca».

 

 

Estas são as razões pela qual Daniela Nogueira considera que empresas como a dela, «não estamos ON, estamos OFF. Vamos parar».

Mas quem é, exatamente, esta empresária. Daniela Nogueira é uma empreendedora algarvia, co-proprietária, juntamente com o marido, de uma empresa de restauração sedeada em Faro e com unidades nos concelhos de Olhão, Faro, Albufeira, Portimão, Setúbal e Sintra, entre os quais a cadeia Sabores do Churrasco e a gelataria Gelvi.

«Grávida de 7 meses e com o nascimento da 3ª filha previsto para o pico da epidemia. Até lá, continuarei a lutar pela continuidade da empresa e pela manutenção dos seus postos de trabalho», apresenta-se.

A empresa, a WOW Foods, tem «sete restaurantes todos localizados no Sul, particularmente expostos de forma crónica à sazonalidade, que dependia da sua tesouraria diária para fazer face aos compromissos com fornecedores, trabalhadores, bancos e, naturalmente, com o Estado Português na prestação dos devidos impostos e contribuições».

Da operação diária destes estabelecimentos comerciais, «dependem 112 famílias, maioritariamente residentes no Algarve», que não terão, «nos próximos meses, qualquer alternativa de trabalho disponível».

«Já antes da crise sanitária, vivíamos uma situação financeira fragilizada, sem almofadas de tesouraria, mas economicamente viável e em crescimento, com boas perspectivas de sairmos desta linha de água já a partir da próxima Páscoa, momento que marcaria o início da época alta e nos daria o fôlego definitivo. Mas a Covid-19 chegou a Portugal pouco depois do Carnaval e o nosso calendário promissor foi drasticamente interrompido», descreve Daniela Nogueira.

«A 11 de Março, com o mapa de pagamentos a priorizar a regularização do IVA – no nosso caso mensal -, no dia 15, o prenúncio da pandemia e do estado de emergência nacional trazem-nos de forma imediata uma quebra de faturação não de 20, nem de 40 (números que durante alguns dias se revestem de extrema importância), mas sim de uns expressivos 80% – daqui aos 100% de total paralisação passam poucos dias, antecipando mesmo o decreto de 20 de Março, antes do qual já não existiam nem clientes, nem receitas. Mas o calendário continuava a avançar em direcção ao fim do mês, com os trabalhadores já afastados dos seus postos de trabalho, entretanto encerrados, com muitas inquietações e dúvidas»», acrescentou.

«Estamos a 30 de Março. Temos salários para pagar. Famílias que dependem deles porque, tal como nós, também não têm almofadas financeiras de tesouraria. As moratórias dos empréstimos à habitação e o impedimento da suspensão dos contratos de arrendamento são uma realidade para quem está num regime “formal” e todos conhecemos a precariedade das condições de arredamento generalizada de boa parte das famílias».

«Estamos a 30 de Março. Não temos dinheiro para pagar salários. As dúvidas que, apesar de inquietantes, comportavam réstias de esperança ficaram duramente esclarecidas», concluiu Daniela Nogueira.

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