«Há um forte interesse dos governos» nos impactos concretos das alterações climáticas

Os responsáveis pelo grupo de especialistas mundiais em alterações climáticas mostram-se otimistas, mas avisam que «o tempo de ação é agora»

«Há agora um forte interesse dos governos, não só nos impactos setoriais que as mudanças climáticas podem ter para a produção de alimentos, pobreza, ecosssistemas, oceanos, mas também em relação nos impactos regionais», disse Debra Roberts, copresidente do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), na conferência de imprensa de lançamento da reunião do IPCC que começou esta segunda-feira na Universidade do Algarve, em Faro.

Esta especialista sul-africana acrescentou que «uma das forças do IPCC é ter a oportunidade de ter não só os olhos de 260 cientistas, mas, uma vez feita a avaliação do que tem sido publicado, trazer outros para também participar e assim ter uma visão mais alargada» dos problemas.

Esta reunião em Faro traz ao Campus de Gambelas da Ualg 260 especialistas vindos de mais de seis dezenas de países. A partir de hoje, 26 de Janeiro, e até 1 de Fevereiro, os especialistas vão avançar com a elaboração do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC).

Os trabalhos dos grupos são à porta fechada e confidenciais, pelo que nem os jornalistas têm acesso ao que se estará a passar nesta fase muito técnica. O relatório em si deverá ser conhecido e publicitado em «2021, 2022», mas, entretanto, como salientou Youba Sokona, vice presidente do IPCC na conferência de imprensa, poderão ser integrados comentários de qualquer pessoa.

«O IPCC tem 195 países membros. O relatório é aprovado linha a linha por cada um destes países membros, por isso os decisores políticos estão a par do processo e cada dos rascunhos do relatório é também comentado pelos governos, pelos cientistas, pelo público em geral. Qualquer pessoa neste planeta pode participar neste processo do IPCC», explicou.

Como acrescentou Debra Roberts, «o que a sociedade exige dos cientistas é: ajudem-nos a entender as alterações climáticas, mas, mais importante, ajudem-nos a perceber quais são as opções de resposta».

 

O alemão Hans-Otto Pörtner, também copresidente do Grupo de Trabalho II do IPCC, disse que, desde Outubro de 2018, quando foi publicado o Relatório 1.5, «tem sido um ano de intensa mobilização da sociedade, sobretudo da geração mais jovem. Eles estão a pegar na informação e a construir o seu ativismo com base na informação científica. Estão a juntar-lhe uma componente emocional e são muito claros na suas visões do futuro e na sua exigência de viver num ambiente sustentável». Embora sem nunca citar Greta Thumberg, ficou claro que o copresidente se referia (também) ao movimento iniciado pela jovem ativista sueca.

Hans-Otto Pörtner acrescentou que esse género de combinação entre sociedade e cientistas «é muito importante para alcançar muitos decisores políticos».

A especialista brasileira Thelma Krugg, vice presidente do IPCC, recordou que este Painel Intergovernamental «baseia o seu trabalho em investigação científica que tem sido publicada» e atinge «governos, organizações não governamentais e o público em geral».

É que, sublinhou, «uma das características destas avaliações é comunicar em linguagem simples os factos muito complexos que resultam da investigação científica publicada em todo o mundo. E temo-lo conseguido com um sucesso muito razoável».

O relatório anterior, denominado Relatório 1.5, foi comunicado de acordo com três ideias fortes e resumidas: «Toda a ação importa, todo o atraso importa e todo o bocadinho de aquecimento importa». Foram «mensagens muito simples, mas que atraíram a atenção do público».

E, tendo em conta que há países, como os Estados Unidos da América, que até se têm afastado das metas estabelecidas a nível global no Acordo de Paris, será que ainda vamos a tempo de reverter as alterações climáticas ou já chegámos ao ponto de não retorno?

Thelma Krugg considera que «há ainda uma janela que pode ser usada para minimizar o impacto do aquecimento global».

 

Hans-Otto Pörtner recordou que «a mensagem do Relatório 1.5 é muito clara quando diz que o tempo para tomar decisões está a esgotar-se. Cada ano conta, por isso metas ambiciosas de redução são uma pré condição para atingir esses objetivos e minimizar o impacto que já estamos a sentir».

Infelizmente, disse o especialista alemão, «nem todas as cidades, nem todos os países estão a bordo». Falando como cidadão europeu, Pörtner sublinhou que os «planos da Comissão Europeia são os mais ambiciosos», talvez porque o Green Deal proposto pela nova presidente da CE está «mais desligado dos interesses nacionais».

«Vivemos ainda num mundo onde as emissões estão a crescer a um nível global e temos uma situação em que alguns países e algumas uniões, como a União Europeia, devem tomar a liderança e mostrar ao mundo que as medidas funcionam. A comunidade internacional irá apreciar que o sucesso [das medidas] fique demonstrado, em termos de redução de emissões, mas ainda assim mantendo o bem estar económico e das pessoas. Esse papel de liderança será crucial», defendeu.

Debra Roberts acrescentaria: «todos os nossos relatórios apontam a natureza crítica da cooperação internacional para uma transformação massiva».

Youba Sokona defendeu, por seu lado, que «os Governos devem agir, mas os indivíduos também devem agir». «Cada pedacinho de ação, cada escolha é importante!».

Sobre as datas que têm sido adiantadas – por exemplo, a necessidade de diminuir as emissões em 45% até 2030 -, a copresidente Debra Roberts fez questão de esclarecer que «a mensagem importante sobre a data de 2030 não é que o mundo vai acabar em 2030. A mensagem é que, se não atingirmos a meta de reduzir as emissões em 45%, será cada vez mais difícil. Será cada vez mais caro e difícil, até chegar ao ponto de ser impossível». «São datas indicativas, para nos dar uma ideia da urgência», frisou. «Precisamos de uma resposta da sociedade, precisamos que todos atuem rapidamente e agora».

«O tempo para a ação é agora», sublinharia Thelma Krugg pouco depois, na sessão de abertura oficial das reuniões que hão-de levar à elaboração do 6º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

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