Antes do tempo dos figos

José Carlos Barros começa hoje a sua colaboração regular enquanto cronista do Sul Informação. O título genérico das suas crónicas mensais é «Sobre Paisagens»

AS FAVAS, JANEIRO MEADO,
vão crescendo entre as linhas das figueiras para que possam colher-se em Abril, princípios de Maio. Será então o tempo de as trazer às mesas e de, conforme os gostos, no azeite ou na banha se lhes juntarem rodelas de chouriço vermelho ou de sangue, entrecosto ou entremeada, entremeada ou toucinho. Os gostos vareiam. Por mim, confesso, o que antecipo é já o tempo em que, a época quase no fim, quase no Verão, mais feitas, rijas, se comerão sapatadas: as favas, íntegras, apenas a cozerem na água com uma pitada de sal, hortelã e poejos.

SÃO JOVENS
estas figueiras onde, entre linhas, se semearam favas e griséus. Quatro anos depois de propagadas por estacas de caule, começam agora a ganhar porte, a erguer-se ao céu nessa filigrana de ramos cinzentos. O plantio fez-se com recurso a ramos retirados das figueiras adultas, assegurando a conservação do recurso genético, mantendo a variedade. Nestas pequenas árvores não tardarão, pois, a amadurecer os mesmos figos lampos pretos do figueiral antigo: é vir a última semana de Maio para se comerem os primeiros frutos, é chegarem as branduras de Junho para arregoarem e quase explodirem na luz que trazem lá dentro.

O FRUTO
que matava a fome e engordava os porcos é também a guloseima torrada com amêndoas em estrela, o figo seco em almanxar nas açoteias com o perfume do funcho, o figo cheio com amêndoa, chocolate, erva-doce e canela. Alimento e guloseima – mas também milagre (juro pelos Frutos Vermelhos e pelos Fundos Comunitários!): em silêncio, em sendo o tempo de S. João, apanha um figo da sua árvore, abre-o com os dedos em duas metades e leva-o à boca até a seiva escorrer pelos lábios – e verás.

A PAISAGEM
é o resultado de uma relação profunda entre Território e Cultura — não havendo, portanto, grande distinção entre aquilo que somos e o território que temos. As práticas extensivas do sequeiro algarvio — essa mistura de mata e jardim, com árvores de fruto crescendo em linhas a direito, muitas vezes em mosaicos densos, por vezes com leguminosas entre as linhas a fixar o azoto e a complementar os rendimentos — foram, no passado, uma adequação sábia, decidida por mulheres e homens cultos, às condicionantes de um clima caracterizado por escassez de água e Estios longos e secos.

AGORA
é mais o Abacate.

 

 

 

 

Autor: José Carlos Barros é Arquitecto Paisagista

Nota: As ilustrações são desenhos exclusivos do autor

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