Maternidade de Silves dá linces-ibéricos ao mundo há dez anos – e não vai parar

O 10º aniversário do Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico celebra-se hoje

Créditos: CNRLI/ICNF

Foi um caminho por vezes difícil e muito emotivo, que fez «perder anos de vida» a Rodrigo Serra, mas os dez anos de existência do Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), que funciona desde 2009 em Silves, só podem ser vistos como sendo «muito positivos» pelo diretor do centro.

O Sul Informação esteve no CNRLI para conhecer a história desta infraestrutura que tem dado um forte contributo para a recuperação de uma espécie que, há uma década, estava em pré-extinção, em Portugal. Hoje, o lince-ibérico ainda continua criticamente ameaçado, «mas, esperemos, a caminhar em direção ao apenas ameaçado». Afinal, em 2009, não havia registo de nenhum lince em Portugal e hoje «há 105 exemplares na zona do Baixo Guadiana».

Para aqui chegar, foi preciso trabalhar muito e, acima de tudo, saber sofrer. «Eu perdi anos de vida! Porque, naturalmente, o arranque de um centro desta natureza é sempre uma coisa complicada. Os animais que se recebe ou são animais que tiveram problemas noutros centros, ou são imaturos, que estão nas suas primeiras tentativas de reprodução».

 

Rodrigo Serra, às portas do Centro de Coordenação – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Em 2010, tínhamos os linces há um mês quando começou a época reprodutiva e só tínhamos uma fêmea adulta, a Azahar, que perdeu três crias. As outras fêmeas tinham dois anos, quando nós hoje em dia sabemos que mais de 50% das fêmeas desta idade perdem as suas ninhadas», explicou ao nosso jornal Rodrigo Serra, veterinário e diretor do CNRLI.

O segundo ano também foi complicado, «porque tivemos nove crias e uma delas, a Hidra, sobreviveu até quase aos quatro meses, acabando por morrer de uma doença ósseo-metabólica. 2011 foi um ano muito duro!».

Mas, em 2012, «nascem 21 e 17 sobrevivem, batendo o recorde do programa, que ainda se mantém. Os primeiros dois anos foram muito complicados, mas, no terceiro, batemos os recordes todos e tivemos uma produção verdadeiramente fantástica».

Isto aconteceu «quando os linces ficaram adultos, experimentados e o próprio centro começou a ter vegetação, pois, quando abrimos, os cercados tinham pouca ou nenhuma vegetação». «Foi um processo de crescimento natural. Mas é preciso ter algum estômago. Cá estamos, conseguimos!», disse, sem esconder o seu orgulho.

Hoje, há 29 linces neste centro, oito dos quais crias que irão ser reintroduzidas na natureza «em Fevereiro ou no início de Março».

O ano de 2019 foi, forçosamente, um ano especial, tendo em conta que o CNRLI teve de ser totalmente evacuado, em 2018, devido aos incêndios de Agosto, que causaram muitos estragos nas serras de Monchique e de Silves.

 

Créditos: CNRLI/ICNF

 

«O que um diretor de um centro não quer, acima de tudo, é que nenhum dos meus colegas e nenhum dos linces se magoe. E isso foi conseguido. Nesse aspeto, podemos dizer que a evacuação foi um sucesso. Toda a gente tem programas de emergência desenhados, mas ninguém espera pô-los em prática, há sempre a esperança de que não seja necessário», contou o diretor do centro ao Sul Informação.

«O impacto podia ter sido muito maior se não tivéssemos o centro todo limpo, as faixas de segurança estavam todas executadas. Os edifícios salvaram-se todos, graças ao trabalho inexcedível da nossa equipa e dos elementos do ICNF, tanto de sapadores, como equipas técnicas de fogo, verdadeiros heróis que ficaram cá durante o incêndio todo», acrescentou.

Depois de quatro meses a reconstruir, os linces, que foram evacuados para outros centros existentes em Espanha, voltaram (quase) todos a Silves – «perdemos um animal em Espanha, três meses depois, com uma infeção que, em princípio, não teve relação direta com o processo de evacuação. De resto, voltaram todos os linces, com exceção de duas crias que iam ser soltas em Espanha e acabaram o treino nos centros que os acolheram».

Os linces regressaram a Silves «em cima da linha para o início da temporada reprodutiva. A verdade é que não estávamos à espera que se reproduzissem, mas, ao fim e ao cabo, nasceram 14 crias este ano, aqui no centro. Correu muito melhor do que esperávamos. Claro que foi uma temporada complicada, como seria de esperar. Das 14, só oito continuam vivas. Tivemos dois nados mortos e três crias que morreram por falta de cuidados da mãe. Também houve uma cria que morreu durante um evento de lutas, que é algo pouco comum».

«Estamos neste momento a investigar, com grupos de cientistas alemães, se houve algum papel do stress nestes resultados. Mas, ainda assim, não se pode dizer que são resultados maus. São mais oito para a conservação dos linces-ibéricos. Tendo em conta que estivemos em risco de desaparecer do mapa, não me parece nada mau!», disse, a rir, Rodrigo Serra.

 

Créditos: CNRLI/ICNF

 

Este foi, sem qualquer dúvida, «o pior momento» vivido pela equipa do centro desde a sua abertura, mas também foi «o melhor», tendo em conta «a evacuação bem sucedida e termos conseguido salvar todos os animais. É estranho, mas ambos os momentos acabam por coincidir. Foi o pior que nos podia acontecer e o melhor desempenho que nós e todas as equipas que nos ajudaram podíamos ter tido numa situação limite daquelas».

«Tenho uma equipa extraordinária e, quando as piores coisas acontecem, isso traz ao de cima o melhor das pessoas. Foi o que aconteceu», salientou.

Desde 2009, nasceram 122 crias de lince no centro instalado em Silves, 89 dos quais sobreviveram. Destes últimos, «69 foram reintroduzidos, alguns ficaram como reprodutores, outros como excedentes. São números bons!».

«Já há descendência e temos aqui, de certeza, bisavós – e não sei se se ficam pelo bis, se não serão já trisavós de animais de campo. Tudo isto, num curto intervalo de tempo, o que, sem dúvida, é tremendamente gratificante», considerou Rodrigo Serra.

São também estes números que serão hoje, dia 27 de Novembro, celebrados em Silves, na cerimónia oficial de comemoração do 10º aniversário do centro.

Ou seja, o balanço desta primeira década é «francamente positivo, começando logo pelo facto da existência do próprio centro e dos trabalhos. A abertura do Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), só por si, significou o regresso do lince-ibérico a Portugal. No primeiro dia, já estávamos, claramente, a lucrar».

Veja o vídeo da interação entre linces, cedido pelo CNRLI/ICNF:

 

«Estes dez anos vieram provar que, como medida de conservação, foi uma medida correta, até porque, na sequência dos nossos esforços aqui, foi possível arrancar com o projeto de reintrodução em Mértola, ou seja, em território nacional», acredita o responsável pelo CNRLI.

Mas, avisa, «há caminho ainda a fazer. Este projeto está longe de estar acabado e sentimo-nos prontos para mais dez anos».

 

Comentários

pub