«Isto é insustentável»: 50 pescadores protestam contra interdição da apanha da conquilha

Restrições são alvo de duras críticas

Miguel Cardoso

Ou as regras mudam ou mais vale acabar de vez com a frota que se dedica à apanha da conquilha com a arte da ganchorra. Cerca de cinco dezenas de armadores e pescadores juntaram-se hoje de manhã ao protesto convocado pela associação de produtores Olhãopesca, contra a prolongada interdição à apanha da conquilha, que dura «há mais de seis meses» e que tem deixado centenas de profissionais sem sustento.

Essa restrição deve-se à presença de toxinas DST, que provocam, entre outros sintomas, diarreia. Essa é, pelo menos, a justificação apresentada pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

As zonas L8, entre Faro e Olhão, e L9, entre Tavira e Vila Real de Santo António, são os locais onde a apanha está interdita, assim como em Albufeira.

No fundo, resumiu Miguel Cardoso, presidente da Olhãopesca, «não é possível apanhar conquilha praticamente em toda a costa Sul», uma situação que já está a causar grandes prejuízos.

 

 

«Eles [os armadores] estão praticamente impedidos de trabalhar. Há empresas que estão a falir. Há barcos encostados ao cais. Os pescadores vão para outros barcos, ninguém suporta tanto tempo sem auferir qualquer tipo de rendimento. Portanto, os barcos param, os armadores não fazem dinheiro e abrem falência», disse Miguel Cardoso.

É que as outras espécies que podem ser apanhadas com a arte da ganchorra, como a «ameijoa branca e o pé-de-burrinho», além de serem «sazonais, não têm o valor comercial que a conquilha tem».

«Diretamente do setor da pesca, são cerca de 250 pessoas que estão impedidas de trabalhar com uma espécie de grande interesse comercial. Isto para não falar de toda a cadeia de valor – centro de expedição, centros de depuração», disse o presidente da Olhãopesca.

Joaquim Dias Sousa era um dos rostos da revolta, esta manhã, em Olhão. Aos 80 anos, apresenta-se como «o mais velho aqui da frota».

«Tenho embarcação desde 1987. Chama-se “Ai da Susana” e está na Fuzeta. A primeira licença foi a do meu barco. Têm-nos imposto algumas restrições à apanha, mas esta foi a mais forte», começou por explicar aos jornalistas.

Com larga experiência na apanha da conquilha, o senhor Joaquim não tem dúvidas de que o marisco está saudável e sem qualquer tipo de toxinas, o que leva a que esta restrição, no seu entender, não tenha qualquer nexo.

 

Senhor Joaquim

 

«Eu digo a esses senhores das análises: o aparelho deve estar avariado. Venham falar comigo. Garanto que o marisco não tem nada. Eu já ando há muitos anos nesta vida. Nós sabemos quando se passa alguma coisa. Continuam aí a apanhar marisco, toda a gente come e ninguém tem nada», atirou, sem rodeios.

Miguel Cardoso também estranha a presença de toxinas, quando, durante o Verão, «milhares de pessoas apanharam e consumiram conquilha e não são conhecidos casos de intoxicação em massa».

«Não queremos encarar este assunto com leviandade, porque está em causa a saúde pública, mas achamos que é demasiado precaucionário», considerou.

Triste com toda esta situação, Joaquim Dias Sousa vai fazendo contas ao prejuízo – que já é grande.

«Não tenho estado a ganhar nada. Temos seguros a pagar, de três em três meses. Eu pago 110 euros, por exemplo, mas, como não tenho ido ao mar, não ganho. Está tudo desempregado. Não há alternativa. Isto está muito mau», disse, amargurado.

A continuar esta situação, com períodos de interdição regulares e cada vez mais prolongados, «a única solução digna é a imobilização definitiva, ou seja, o apoio ao abate, no próximo Quadro Comunitário de Apoio», defendeu Miguel Cardoso.

 

 

Isto, caso «não haja possibilidade ou vontade de rever o limite regulamentar e que os períodos não sejam tão prolongados», uma vez que a reconversão destas embarcações para outras atividades é vista como uma «impossibilidade».

Para o senhor Joaquim, o abate até poderia ser a melhor solução.

«Se me dessem dinheiro, se calhar abatia, mas sentia pena. Eu vim de um barco grande para um pequeno. Dei estudos aos meus filhos e disse-lhes que não queria ninguém no mar. Eles têm cumprido: tenho netos formados. Isto não é a vida. O que nos têm feito, gente com filhos que tem casas a pagar… É demais», concluiu.

Miguel Cardoso, por sua vez, garantiu que a luta vai continuar. «Nós vamos continuar a fazer-nos ouvir e a protestar. Isto é insustentável e nós não queremos ficar assim».

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

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