A história dos caçadores de planetas

Os planetas fora do Sistema Solar, planetas que orbitam outras estrelas, há muito tempo que fazem parte do imaginário coletivo

Michel Mayor e Didier Queloz, dois dos cientistas galardoados em 2019 com o prémio Nobel da Física, foram pioneiros na descoberta de outros mundos em órbita de estrelas semelhantes ao Sol.

São inúmeros os exemplos no cinema, na literatura ou na banda desenhada, em que a ação decorre noutros mundos muito longe do nosso Sol. Os planetas fora do Sistema Solar, planetas que orbitam outras estrelas, há muito tempo que fazem parte do imaginário coletivo.

No século XVI, o filósofo Giordano Bruno defendia que, para além do nosso mundo, aquele em que vivemos, Deus teria criado uma infinidade de outros. Infelizmente, esta e outras ideias revolucionárias para a época custaram-lhe a vida às mãos da Inquisição, em Roma, no ano de 1600.

Mais sorte teve Bernard le Bouvier de Fontenelle no século seguinte. Inspirado pela ideia de Copérnico de que seriam a Terra e os outros planetas a orbitar o Sol, assumiu que também as outras estrelas teriam o seu cortejo de planetas e que existiria uma multiplicidade de mundos.

No entanto, chegou-se ao século XX sem se encontrarem evidências da existência destes planetas. Era apenas conhecido o conjunto que orbita a nossa estrela, o Sol. De facto, é extremamente difícil obter a imagem de um planeta que está tão longe, mesmo em órbita da estrela mais próxima de nós, a 4 anos-luz. A sua imagem é totalmente ofuscada pelo brilho da estrela.

Para termos uma ideia da dificuldade com que os astrónomos se deparam, imaginemos que queríamos fotografar uma mosca a zumbir à volta da lâmpada de um farol, e que observamos este farol a vários quilómetros de distância.

 

A dança invisível

Em 1952, o astrónomo Otto Struve, norte-americano de ascendência alemã, propôs um método para detetar na luz da estrela a influência da presença de um planeta a orbitar à sua volta.

De facto, por mais pequeno que seja o planeta, ele exerce sempre alguma influência gravitacional sobre a sua estrela-mãe. Imaginemos uma mãe e um bebé, e esta mãe a rodopiar com o bebé nas mãos. Ela consegue rodar quase sobre si própria, no mesmo ponto. É importante este “quase”, pois ela terá sempre que oscilar um pouco o seu corpo para compensar o peso do bebé.

Também a estrela oscila ligeiramente pela presença do planeta. Porém, quando Otto Struve propôs este método, não existiam instrumentos de análise da luz das estrelas, chamados espectrógrafos, com precisão suficiente para detetar essa oscilação mínima.

Nas décadas de 1970 e 1980, Michel Mayor (nascido em Lausanne, na Suíça, em 1942), professor na Universidade de Genebra, estudava o movimento de estrelas na vizinhança do Sol. Procurava conhecer os movimentos das estrelas na nossa galáxia Via Láctea e a sua estrutura interna em espiral.

Apercebeu-se de que algumas estrelas, para além do movimento principal, evidenciavam um movimento secundário de oscilação, que parecia indicar a presença de um companheiro invisível.

Nesta altura, os astrónomos acreditavam que, para além dos planetas e das estrelas, existiriam uns corpos intermédios, então denominados “anãs castanhas”. As “anãs castanhas” teriam mais de dez vezes a massa de Júpiter, mas menos de um décimo da massa do Sol.

Não teriam portanto massa suficiente para gerar energia e luz como o Sol e as outras estrelas, e seriam por isso difíceis de observar, mas conseguiriam exercer alguma influência gravitacional na estrela companheira com a qual formassem um par.

No início dos anos de 1990s, utilizando o Observatório da Alta Provença, em França, Michel Mayor colaborou no desenvolvimento de um novo espectrógrafo, o ELODIE, com o qual acreditava que poderia caracterizar os tais companheiros invisíveis das estrelas que estudara. Poderia averiguar se seriam essas hipotéticas “anãs castanhas”, ou até mesmo planetas de elevada massa.

 

Um planeta bizarro

Michel Mayor começou nessa altura a orientar um estudante de doutoramento, Didier Queloz (também de nacionalidade suíça, nascido em 1966). A investigação de Queloz não era a deteção de anãs castanhas, nem muito menos de planetas em órbita de outras estrelas, projeto demasiado arriscado na época e que lhe comprometeria a carreira. Ele estava encarregue de melhorar o algoritmo de análise dos dados de observação das estrelas, tornando-o mais rápido e eficiente.

Michel Mayor e Didier Queloz não eram pioneiros nesta pesquisa. Havia mais de quinze anos que nos Estados Unidos se iniciara a procura de planetas fora do Sistema Solar.

Porém, ao procurarem planetas como Júpiter, que demora cerca de 12 anos a completar uma volta ao Sol, os colegas norte-americanos esperavam pacientemente sinais que tivessem períodos de tempo equivalentes. Já Michel Mayor não se impusera este constrangimento de tempo, e estava mais aberto ao que surgisse nas suas observações.

De facto, pouco tempo depois de começar o seu projeto, no final de 1994, Didier Queloz detetou um sinal numa estrela muito modesta na constelação do Pégaso. Era um sinal com um período de apenas 4 dias, que lhe pareceu um erro do instrumento. Mayor decidiu aguardar alguns meses antes de novas observações, de modo a confirmar se seria ou não algum fenómeno transitório na estrela.

Repetiram as observações no início do ano seguinte e de novo em julho e setembro, e verificaram que o sinal continuava lá. Era algo muito bizarro, só possível de ser produzido por um planeta com cerca de metade da massa de Júpiter mas que orbitava a sua estrela em apenas 4 dias, ou seja, vinte vezes mais rápido do que Mercúrio a completar uma volta ao Sol.

Além disso, estava oito vezes mais perto da sua estrela do que Mercúrio está do Sol. Algo de que não temos exemplo no Sistema Solar.

Em novembro de 1995 era publicado o artigo na revista científica Nature anunciado a descoberta do primeiro objeto com massa comparável à de Júpiter a orbitar uma estrela semelhante ao Sol.

Esta última parte é importante, pois este não é o primeiro exoplaneta descoberto. Os primeiros três exoplanetas foram descobertos três anos antes, em 1992. Porém, orbitam, não uma estrela, e sim o “cadáver” de uma estrela, uma estrela de neutrões.

Estes três exoplanetas teriam sobrevivido à devastação da explosão que destruiu a estrela, ou seriam uma segunda geração de planetas formados a partir dos restos da estrela após a explosão. Num ou noutro caso, estarão banhados na radiação da estrela de neutrões, uma radiação mortal para qualquer forma de vida que possamos imaginar.

Curiosamente, as anãs castanhas foram descobertas também em 1994, mas por uma outra equipa, e anunciadas também num artigo na revista Nature em setembro de 1995.

 

A próxima revolução

Em 2019, conhecem-se mais de 4000 exoplanetas. Mais de 250 foram descobertos pelo grupo de Michel Mayor e Didier Queloz. A variedade de planetas descobertos é enorme e surpreendente, mas bastantes têm algumas semelhanças com a Terra.

O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) tem um grupo de investigação importante e que há muitos anos colabora com Michel Mayor e Didier Queloz. Os investigadores deste grupo dedicam-se não só à deteção, mas também à caracterização destes novos mundos, para saberem como é que são feitos e de que é que são feitos.

Para além de estarem envolvidos em missões espaciais destinadas ao estudo de exoplanetas, como a CHEOPS ou a futura ARIEL, da Agência Espacial Europeia (ESA), utilizam um espectrógrafo da nova geração que podemos designar como o bisneto daquele usado por Mayor e Queloz nos anos de 1990s – o ESPRESSO teve uma importante participação portuguesa e do IA.

Quem sabe, talvez venha a ser portuguesa a equipa que liderar a nova revolução: a descoberta de sinais de vida nestes novos mundos.

Michel Mayor e Didier Queloz foram galardoados com o prémio Nobel da Física em 2019, honra que partilharam com James Peebles, físico e cosmólogo.

Estrelas que brilham no tempo” é uma rubrica com que o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço se associa à celebração dos 100 anos da União Astronómica Internacional (IAU), recordando figuras importantes na história da astronomia dos últimos 100 anos.

 

Autor: Sérgio Pereira, Grupo de Comunicação de Ciência do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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