Museus à procura de uma nova identidade?

Membros do ICOM-Portugal participaram na 25ª Conferência do ICOM-Conselho Internacional de Museus, em Quioto (Japão)

Andarão os Museus à procura de uma nova identidade?

A resposta a esta pergunta foi, sem dúvida, um dos grandes desafios lançados pela Assembleia Geral, da 25ª Conferência do ICOM-Conselho Internacional de Museus, que, entre 1 e 7 de Setembro, reuniu em Quioto (antiga capital do Japão), cerca de 4590 membros, especialistas e profissionais de museus de 120 países e na qual tive a oportunidade e o prazer de participar, enquanto membro da Direção do ICOM-Portugal e Diretor Científico do Museu de Portimão.

As Conferências Internacionais do ICOM, realizadas trienalmente, constituem um espaço privilegiado de reencontro da comunidade museológica mundial, para a divulgação das mais contemporâneas e inovadoras práticas e experiências museais, para a promoção do diálogo e intercâmbio de ideias e projectos e discussão científica das temáticas específicas, das dezenas de Comités Nacionais e Internacionais do ICOM.

 

Este ano, pretendia-se aprofundar o debate sobre o tema proposto: OS MUSEUS COMO PLATAFORMAS CULTURAIS – O FUTURO DA TRADIÇÃO” e uma tomada de decisão por parte da Assembleia Geral, sobre uma “Nova Definição de Museu”.

Igualmente significativas e inspiradores foram as comunicações que marcaram a abertura oficial desta Conferência, apresentadas pelo prestigiado arquiteto japonês Kengo Kuma, por Sebastião Salgado, conceituado fotógrafo brasileiro, e pelo criativo artista contemporâneo chinês Cai Guo-Qiang, que abordaram a relação entre humanidade, natureza, museus e um futuro mais sustentável.

Foram aprovadas 5 importantes recomendações, alinhadas com o Código de Ética, Estatutos, Regras Internas e o Plano Estratégico do ICOM, em áreas que refletem preocupações e necessidade de resposta por parte dos museus, sobre diversas questões culturais, sociais e profissionais.

Áreas como a sustentabilidade ambiental e a implementação da Agenda 2030, “Transformar o Nosso Mundo”, seguindo os objetivos da ONU, uma maior atenção às crises ambientais e desastres naturais, a exigência a tomada de medidas mais rigorosas para a redução de riscos das coleções à escala global, o assumir do compromisso relativamente ao conceito de “Museus como Plataformas Culturais”, através de um maior fortalecimento de redes internacionais de museus de apoio ao intercâmbio científico e cultural intercontinental, bem como um reforço da capacidade transformadora dos museus comunitários e ecomuseus, na proteção das paisagens culturais e do desenvolvimento social às diferentes escalas territoriais.

 

Mas seria a discussão sobre a “nova definição de museu” que viria a centrar as atenções dos participantes e geradora de um estimulante, construtivo e intenso debate.

Segundo a atual definição em vigor e aprovada em 2007, um museu é “uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite”.

A nova definição, apresentada para apreciação e votação na Assembleia Geral de Quioto, propunha considerar os museus como “espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detêm, em nome da sociedade, a custódia de artefactos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao património a todas as pessoas”.

“Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes; trabalham em parceria ativa com e para comunidades diversas na recolha, conservação, investigação, interpretação, exposição e aprofundamento dos vários entendimentos do mundo, com o objetivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário”.

Sem pôr em causa o trabalho desenvolvido pelo Comité encarregado de preparação e apresentação deste texto final para uma tomada de posição na Assembleia Geral, foi percetível, entre os vários membros, alguma apreensão sobre a dimensão e o tipo de formulação algo generalista desta nova proposta e sobre a qual anteriormente muitos Comités do ICOM, já tinham manifestado igualmente as suas preocupações e dúvidas.

 

Direção do ICOM Portugal: José Alberto Ribeiro, Mário Antas, Maria Monge e José Gameiro

Considerou-se mesmo que tal proposta poderia abrir um espaço de ambiguidade e de alguma incerteza sobre a essência e a identidade da instituição museu, independentemente de nela se inscreverem ideias, já em prática e partilhadas por alguns dos atuais museus, mas nesta sua versão entendida como um conjunto de valores mais próximos de uma visão e missão, a desenvolver pelos museus, do que uma definição necessariamente mais breve e precisa na sua formulação.

Ao serem retiradas e desaparecendo subitamente da atual definição de 2007, expressões como: “instituição permanente “, “educação”, “património material e imaterial”, mais se acentuou a ausência de uma ponte mais sólida e de proximidade entre as duas definições.

Deste modo, foi-se evoluindo para um sentimento generalizado de que, qualquer modificação deveria simultaneamente preservar termos, amplamente consensuais e específicos, sobre o conceito de museu e encontrar naturalmente espaço para a inovação e a incorporação de novos desafios globais/locais emergentes, numa instituição que enquanto museu, o seu PRESENTE se revela através de uma dinâmica e permanente relação cultural, científica e social, entre PASSADO e FUTURO.

De forma democrática e expressiva, evitando decisões precipitadas, a Assembleia Geral na qual se incluiu a Direção do ICOM-Portugal, optou pelo aprofundamento e continuação do debate até à próxima Assembleia Geral, a ter lugar em 2020, assumindo uma posição reveladora de equilíbrio, na procura de uma nova definição mais consensual dentro da enorme riqueza que representa a grande e universal diversidade museológica.

Este será seguramente um tema a acompanhar e a debater nos próximos “Encontros de Outono”, do ICOM-Portugal e igualmente nas 3ª Jornadas da RMA-Rede de Museus do Algarve, a realizar em Albufeira a 18 de Novembro próximo.

 

 

Autor: José Gameiro é membro da Direção do ICOM-Portugal e Diretor Científico do Museu de Portimão

 

 

 

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