Cidade Lacustre de Vilamoura é «atentado ambiental»

Projeto, que é da autoria da empresa Vilamoura Lusotur, tem um custo estimado de 670 milhões de euros

Chama-se Cidade Lacustre e é um mega empreendimento, de 57,4 hectares, com residências, camas turísticas, restaurantes e até quatro zonas de lagos. Tudo isto em Vilamoura, numa zona sensível do ponto de vista ambiental. Até segunda-feira, 9 de Setembro, decorre o período de participação pública dos cidadãos, mas apenas referente à parte da urbanização, uma vez que os lagos já foram aprovados. A associação Almargem está contra e equaciona fazer queixa à União Europeia. E até já há um movimento de cidadãos contra a Cidade Lacustre.

«Um projeto destes é um atentado e a replicação de erros do passado», diz Anabela Santos, dirigente desta associação, em entrevista ao Sul Informação. 

«Não se percebe como é que, em 2019, ainda continuamos a querer fazer projetos deste tipo. É mais um empreendimento megalómano, numa zona onde não faz qualquer sentido. Logo agora que o tema das alterações climáticas está tão em cima da mesa», acusou.

Ora, no próprio Estudo de Impacte Ambiental (EIA), reconhece-se que o projeto, estimado em 670 milhões de euros, nascerá numa «área qualificada como sensível»: na bacia hidiográfica da ribeira de Quarteira e perto das Ruínas Romanas do Cerro da Vila.

Em termos arqueológicos, o EIA garante que o Cerro da Vila «não sofrerá qualquer intervenção». Além disso, revela que será criada uma Área de Reserva Arqueológica numa zona, interdita à construção de loteamentos, onde foram encontrados vestígios.

Mas a principal riqueza não é a arqueológica. O terreno apresenta também «uma diversidade florística e de vegetação elevada». Apesar disso, até está previsto construir um loteamento numa IBA – Important Bird and Biodiversity Area (Área Importante para as Aves e Biodiversidade, em português).

Só a título de exemplo, existem, nesta zona, nove espécies de aves classificadas como vulneráveis (garçote, frisada, águia-sapeira, tartaranhão-cinzento, falcão-peregrino, camão, alcaravão, perdiz-do-mar e maçarico-das-rochas) e quatro classificadas como estando em perigo (goraz, garça-vermelha, água-pesqueira e águia-caçadeira).

 

Anabela Santos

 

Todo este projeto não é novo e já colheu repúdio da Almargem e das principais associações ambientalistas nacionais, no passado, logo aquando do seu anúncio.

Em 2008, a Cidade Lacustre foi considerada como Projeto de Potencial Interesse Nacional (PIN): uma condição especial para grandes investimentos que lhes concede a hipótese de não cumprirem os instrumentos de ordenamento, como a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN). Passados 10 anos, em 2018, o PIN foi renovado.

Mas tudo isto tem ainda outra particularidade. A “Cidade Lacustre”, como já foi explicado antes, prevê a construção de urbanizações, mas também de quatro lagos e canais de água salgada. Só que os projetos, que têm «natural ligação», como se reconhece no EIA, foram apresentados de forma separada, como se nada tivessem a ver um com o outro.

De tal forma que a obra dos lagos já teve uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, em 2009. Mais tarde, em 2017, foi também divulgada a Decisão de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução. O veredicto? Favorável condicionada, tal como a DIA.

Anabela Santos não consegue compreender o porquê deste «desmembramento». «O impacto tem de ser medido em conjunto, como é óbvio», acusou.

No caso dos lagos, a bióloga não tem dúvidas de que são prejudiciais. «Vamos ter a destruição de todo o caniçal de Vilamoura. Vamos construir lagos artificiais com água salgada, mas que têm aquíferos de água doce por baixo. Há sempre o risco da contaminação e da salinização», disse.

São esses lagos que vão servir as seis zonas da Cidade Lacustre: a Vila (área mais destinada a residências, com comércio, serviços e restauração), a Ilha (coração da cidade destinada ao turismo), a Baía (de carácter residencial mais familiar), a Duna (uso misto – residencial e turístico), o Oásis (para turismo) e o Belvedere (só residencial).

No total, serão edificados 74 lotes. A estes valores associa-se a construção de 834 unidades de alojamento e de 1150 novos fogos habitacionais, permitindo disponibilizar 2506 camas turísticas.

Mas Anabela Santos questiona: «será que precisamos de mais um empreendimento naquela zona?».

«Só vamos aumentar a pressão humana. Já há projeções do avanço do mar e esta zona é crítica porque é perto da Praia da Falésia. Como é que não acautelamos isto? Ouvimos o discurso em relação às alterações climáticas, mas há ações que parece que não se coadunam com esse discurso», atirou.

É que todo este projeto implicará a alteração da paisagem, um maior consumo de água, a destruição do solo, o aumento dos níveis do ruído e a ocupação de uma área de elevada biodiversidade.

Como tentativa de mitigar possíveis cheias, não só dos lagos como das áreas urbanas, o projeto prevê que será construído um dique, ao longo da margem esquerda da Ribeira de Quarteira.

Segundo o Estudo de Impacte Ambiental, a área do dique permitirá, ainda, «uma utilização diversificada traduzida num percurso pedonal, de corrida, de bicicleta, com áreas de estadia para recreio passivo e contemplação».

«Do ponto de vista do enquadramento vegetal, privilegia-se a utilização de vegetação de sequeiro, com necessidades de água mais reduzidas», garante também.

 

 

Para Anabela Santos, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) também poderá ter aqui uma palavra a dizer. «Queríamos que o ICNF também tivesse aqui uma coerência nas funções que tem: deveria precaver a conservação. Não podemos fazer tábua rasa se há ali um estatuto de proteção a tal IBA», acusou.

Certo é que não é só da parte da Almargem que têm surgido críticas. No Facebook, já há um movimento intitulado “Pela Ribeira de Quarteira – Contra a Cidade Lacustre” que conta com centenas de membros.

«A “Cidade Lacustre” ou “Vilamoura Lakes” é um ataque ambiental e um ataque feroz à sustentabilidade da região algarvia. Não é possível permitir que um projeto pensado à realidade de 1999 possa avançar em 2019 (assente em planos obsoletos criados à pressa para fugir à proibição de construção junto da orla costeira), num planeta à beira do colapso ambiental e social, com a emergência climática, a destruição da biodiversidade e de habitats na ordem do dia», diz o movimento, em comunicado enviado ao Sul Informação.

O movimento vai mais longe e considera que «o projeto não está de acordo com a Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas (EMAAC) de Loulé».

Anabela Santos, por seu turno, ainda guarda alguma esperança numa possível decisão autárquica. «Queremos acreditar que a Câmara de Loulé também se vai pronunciar, em linha com o que tem feito. Gostávamos que o presidente tivesse coragem também nesta questão, como demonstrou nas duas recentes suspensões do PDM em Quarteira», disse.

Por agora, resta à sociedade civil pronunciar-se sobre o projeto. Todas as pessoas que sejam contra podem dar a sua opinião.

Após avaliação, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve irá emitir a Declaração de Impacte Ambiental, não se sabe ainda em que sentido.

Ali bem perto, do outro lado da Ribeira de Quarteira, por razões semelhantes às agora invocadas pelos contestatários, o projeto Sunset Albufeira Sport & Health Resort até foi chumbado, mas Anabela Santos duvida que tal aconteça neste caso.

«Só se houver uma grande participação por parte das pessoas, neste período, de forma a criar pressão. Havendo grande participação, acredito que podem ter isso em conta. Gostávamos que as entidades tomassem aqui uma decisão forte», concluiu a dirigente da Almargem.

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