«Um movimento da sociedade» ajudou Quinas a voltar a nadar no oceano

Recuperação do enorme réptil obrigou os biólogos a procurar soluções inovadoras

O Quinas voltou, esta quarta-feira, a nadar em alto mar. A tartaruga-de-couro, que tinha sido resgatada na Meia Praia, em Lagos, e esteve em recuperação no Zoomarine, foi devolvida ao seu habitat ao fim de sete semanas, contra todas as expetativas.

Élio Vicente, biólogo do Zoomarine, momentos depois da libertação do réptil, que pesa mais de 300 quilos, admitiu que «mordi a língua. Achei que este dia não ia acontecer. Já tivemos experiências com estes animais, que deram à costa moribundos, e não acreditava que ia recuperar». Ainda por cima, «foi mais cedo do que eu imaginava».

As cautelas de Élio Vicente eram justificadas porque «estes são animais que podem ter dimensões muito grandes. Podem chegar aos 900 quilos. O Quinas só tem 300, mas irá crescer certamente. É um desafio muito difícil, porque estas tartarugas não têm escamas ou carapaça. Todas elas são pele e qualquer tipo de contacto pode criar uma nódoa negra que, neste caso, até é branca. Qualquer pressão pode criar uma ferida que, se infetar, pode levar a septicemia. Podem ainda inalar água, correndo o risco de sofrer de pneumonia por aspiração».

 

Élio Vicente

Havia ainda «outro problema, uma vez que estes animais, mesmo no centro de recuperação, irão fazer o que sabem, ou seja nadar. Por isso, a reabilitação torna-se um risco. A permanência num tanque pode levar ao desenvolvimento de outros ferimentos, foi um risco dentro de risco».

Para solucionar este problema, foi desenvolvida uma solução pioneira «a nível internacional. Criámos um arnês suspenso, com uma corda elástica, que é o equivalente a uma passadeira de corrida, como as que existem nos ginásios. Fizemos isso para o Quinas, para que pudesse nadar com a velocidade que quisesse, sem tocar em nada».

Ainda assim, «como o arnês estava em contacto com a pele, tínhamos de dar descanso e criámos umas luvas para minimizar o contacto com as barbatanas. Este equilíbrio permitiu gerir a pressão na epiderme, para que não criasse demasiados traumas e fosse cicatrizando os ferimentos ocorridos no arrojamento e no resgate».

 

 

O Quinas transformou-se, desde que foi resgatado, num caso mediático. Desde logo, porque arrojou numa praia com veraneantes que deram o alerta aos nadadores-salvadores. Depois, entrou em ação a Polícia Marítima e, por fim, o Zoomarine.

Depois, houve aquilo que Élio Vicente diz ter sido «um movimento da sociedade. Houve um trabalho de equipa de muita gente. No Barreiro, apanharam medusas para o Quinas comer, também em Vila Real de Santo António. O IPMA enviava relatórios a dizer onde podiam ser encontradas as medusas. Depois, houve o Grupo de Ação e Intervenção Animal (Gaia) que foi ontem a Lisboa buscar o transmissor de satélite [que foi instalado no Quinas], que tinha ficado preso na Alfândega. Estiveram lá cinco horas e conseguiram apenas desalfandegar às 11 da noite».

Esta quarta-feira, entrou em ação a Marinha. O Quinas navegou na corveta António Enes desde o Ponto de Apoio de Naval de Portimão até cerca de 10 milhas a Sul. Aí, a equipa do Zoomarine e os militares da Marinha fizeram descer a caixa que transportou o animal.

Houve momentos de alguma preocupação, quando a tartaruga, já no mar, ficou presa na cinta, mas foi prontamente libertada pelos mergulhadores que acompanharam a operação.

 

 

Cortes Lopes, comandante da Zona Marítima do Sul, disse que esta foi «uma operação que demorou mais tempo do que seria de esperar, devido ao equilíbrio com o peso da tartaruga, nos momentos em que a grua içou a caixa. Isso obrigou a algum cuidado para não acontecer nada de mal. Não é uma operação que se faça todos os dias, mas correu tudo bem e o Quinas já está no seu habitat natural».

O Quinas nadou para longe, mas o rasto não se perdeu. «A partir de hoje, vamos ter acesso à sua localização e vamos ter informações básicas, como o seu posicionamento, a profundidade a que mergulha ou a velocidade a que progride. Vamos cruzar isso com informações que sabemos a nível meteorológico, como a temperatura à superfície, as correntes e as marés», explicou Élio Vicente.

Toda esta informação passará a estar disponível na página do Zoomarine. «Quem quiser, seja leigo ou investigador, poderá saber onde o Quinas esteve nos últimos três dias», acrescenta o biólogo.

«Ao recebermos os sinais, saberemos que o Quinas está bem. Vamos ter 400 transmissões de satélite por dia. Se nas próximas horas, ou dias, estiver na mesma zona e, à superfície, por tempo excessivo, poderemos perceber que algo não está bem e tentar localizá-lo e recolhê-lo. Apesar de ser um cenário pouco provável, estamos preparados para isso», concluiu Élio Vicente.

 

Veja as fotos da libertação do Quinas:

 

 

Fotos e vídeo: Nuno Costa | Sul Informação

 

 

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