Albufeira mostra pânico do sismo de 1969 à boleia dos jornais da época

O epicentro deste sismo foi a sudoeste do cabo de S. Vicente, com uma magnitude estimada em 7.9

Victor Sousa era correspondente do Diário de Lisboa e lembra-se do «cenário desolador» que encontrou em Fonte de Louzeiros. «As pessoas desesperadas abeiraram-se de mim, pedindo ajuda», conta. Arménio Aleluia Martins escrevia para o Diário de Notícias e também se recorda do «ruído tremendo» em Paderne. Estas são memórias do sismo de 28 de Fevereiro de 1969 que deram lugar a uma exposição, patente até 17 de Agosto, no Museu Municipal de Albufeira. 

A mostra foi inaugurada na passada quinta-feira, 1 de Agosto, e é promovida pelo CERU (Centro Europeu de Riscos Urbanos) e pela Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES). O grande objetivo é recordar o sismo de 1969.

Para o momento especial, foram convidadas duas pessoas que se recordam bem do abalo daquela madrugada.

O epicentro deste sismo foi a sudoeste do cabo de S. Vicente, com uma magnitude estimada em 7.9, sentindo-se em todo o país, com maiores danos no Barlavento algarvio.

 

Victor Sousa

 

Victor Sousa era, então, jornalista e morava em Albufeira.

«O Diário de Lisboa pediu-me para me deslocar a um dos locais da tragédia para fazer a cobertura jornalística, o mais detalhadamente possível. Assim foi. Chego ao local, perto de Silves, e deparo-me com um cenário desolador. Como escrevo depois: “Uma aldeia riscada do mapa”», contou, na inauguração da exposição.

A aldeia de que fala Victor Sousa é Fonte dos Louzeiros, uma povoação a 13 quilómetros de Silves, que ficou quase toda destruída.

«As pessoas desesperadas abeiraram-se de mim, pedindo ajuda, e que informasse as autoridades que não tinham nem casa, nem bens. Não temos onde dormir, diziam-me».

Para o antigo repórter, este foi um cenário «emocionalmente desafiador». Depois do trabalho no terreno, entre fotografias e entrevistas a moradores, começou uma «corrida contra o tempo» para enviar tudo para Lisboa.

O rolo de fotografias, por revelar, era enviado pelo correio. Já o texto, era ditado ao telefone.

Certo é que a notícia saiu. “Confirmação: O Algarve foi a maior vítima” foi o título de uma peça que relatava o drama de Fonte dos Louzeiros.

Dois dias depois, Victor Sousa voltou ao local. «A população recebeu-me com um forte abraço, felizes por alguém lhes ter dado a atenção que mereciam. Com a notícia publicada, esta população obteve ajuda. Este é o poder da informação despretensiosa e verdadeira», recordou.

 

Arménio Aleluia Martins

 

Naquele Fevereiro de 1969, Arménio Aleluia Martins era correspondente do Diário de Notícias. O mais tarde diretor do emblemático jornal Avezinha recorda-se do «ruído tremendo em Paderne».

«Eu, ainda indeciso, não fui o primeiro da minha casa a sair para a rua, quando muitos até já gritavam», contou, entre risos.

Arménio Martins lembra-se, também, de ver «cair uma árvore» na casa em frente à sua. Mas, em termos de acidentes, «além de danos nas casas, não houve grandes estragos, em Paderne», recordou.

Ainda assim, uma memória não sai da cabeça do decano jornalista que, na altura, também trabalhava na Faceal – Fábrica de Cerâmica do Algarve, instalada em Paderne.

«Na altura, a empresa decidiu disponibilizar tijolos. Se não estou em erro, partiram cinco ou seis camiões para Lagos e Vila do Bispo, zona onde o sismo causou mais danos», referiu.

São dramas e histórias como estas que compõem a exposição, patente no Museu Municipal de Arqueologia. Há primeiras páginas dos jornais República, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e O Comércio do Porto, bem como fotografias da altura.

 

 

Em toda a mostra, salta à vista o painel que mostra a edição d’ “O Século Ilustrado”, com uma longa reportagem, escrita e fotográfica: “O fim do Mundo passou pelo Algarve”.

Luís Matias, professor do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia da Universidade de Lisboa, é o organizador da exposição que já esteve patente noutros municípios do país. Foi ele que recolheu, na Hemeroteca de Lisboa, todo este material jornalístico.

«Esta exposição foi elaborada para manter viva a memória. O Algarve é uma zona de potencial sísmico e, se não assinalarmos as grandes ocorrências do passado, a memória vai-se perdendo», referiu.

O investigador fez mesmo questão de referir a «forma especial» como a Proteção Civil de Albufeira acolheu a exposição.

José Carlos Rolo, presidente da Câmara, também disse que «é importante ter a mente desperta e estarmos preparados para situações destas».

A este respeito, Abel Gomes, segundo comandante distrital da Proteção Civil, disse que o risco de um grande sismo acontecer no Algarve é mesmo a «maior preocupação da Proteção Civil».

«Temos trabalhado com todos os municípios do Algarve, na sensibilização, junto das escolas também. Gestos simples podem salvar muitas vidas», explicou.

Foram também esses pequenos gestos que, naqueles dias, Victor Sousa e Arménio Aleluia Martins tiveram para com as pessoas que foram encontrando, vítimas do grande sismo de 1969, ao contar as suas histórias nas páginas dos jornais de então.

 

Fotos: Hélder Santos | Sul Informação

 

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