Deixar Marca, com Ciência!

«Queremos que a Ciência marque pela exigência e pela excelência»

Com o Estado da Nação como pano de fundo, o jornal Público fez uma avaliação dos vários domínios da política nacional, a partir do relatório das políticas públicas desenvolvido pelo ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa).

Para a política de ciência, a análise assinada por Tiago Santos Pereira, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, intitulou-se “Desafios por cumprir” e apontou três desafios essenciais, que continuam por resolver – o modelo de governação, o emprego científico e o impacto socioeconómico da investigação.

Vendo bem, o que se cumpriu?

De 8 a 10 de Julho, decorreu também no Centro de Congressos da FIL a maior ação política nacional sobre ciência – o Encontro de Ciência 2019 – que reúne anualmente os investigadores portugueses e é promovido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FGT) em conjunto com a Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica e a Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, com o apoio institucional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

No primeiro dia, a sessão inaugural ficou marcada pelo protesto dos precários da Ciência e Tecnologia, durante os discursos o 1º Ministro e do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

A pergunta agora será: Porquê? Tem vindo a ser implementado um Programa de Estímulo ao Emprego Científico. Está em avaliação a aprovação de mais 1800 bolsas de doutoramento para setembro deste ano. Foram avaliados os centros de investigação (cerca de 350) e mais de 60% foram considerados excelentes ou muito bons, merecendo por isso financiamento para o período de 2020 a 2023, e estando em curso a atribuição de 430 milhões de euros através do Programa Plurianual das Unidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) a estas unidades (80% do total têm financiamento).

Então, porquê o descontentamento? A rede de centros avaliada integrou 62 novas unidades. Um número muito perto dos 19500 investigadores doutorados (5 vezes mais que há 20 anos), o que é interessante.

Na redistribuição do financiamento nesta avaliação, um número expressivo destas unidades classificadas como “excelentes” viu o seu financiamento reduzido (é o caso do CCMAR da Universidade do Algarve), e assim ficou comprometida a sua atividade e os seus contratados (grande parte jovens doutorados).

O bolo do financiamento da FCT (80%) é para fazer face a custos com pessoal e com o funcionamento. O emprego científico está associado a um sistema complexo, precário e sem oportunidades de progressão na carreira, o que dificulta a retenção dos jovens investigadores e promove a fuga para fora do país.

Em Portugal, o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) dos bens e serviços dos projetos de investigação é de 23%, quando, num número elevado de países europeus, já está prevista a isenção ou o reembolso.

A Ciência em Portugal somou 1,36% do Produto Interno Bruto, enquanto a União Europeia apresenta uma média de investimento de 2% e propõe 3% no seu conjunto como meta para 2030.

É uma questão atual? Não. Mas pouco interessa a discussão do partido A, B ou C, ou deste Governo e não é só sobre dinheiro a discussão. Continuamos à espera que “se marque” nesta área política, não pela mudança constante dos concursos e das suas regras de acesso, mas sim na criação de sistemas que premeiem a excelência e promovam a estabilidade de uma área estruturante de qualquer sociedade.

A ciência e a tecnologia têm caminhado com muitas dificuldades, grandemente dependentes das alterações governamentais e de ciclos de avaliação para financiamento demasiado curtos, que dificultam um planeamento prospectivo e estratégico.

Comparemos as unidades de investigação das Universidades com outras unidades associadas a Fundações e entidades privadas. Não se espera que a toda a Ciência gere lucro e sabemos como alguma investigação requer componentes, produtos e desenvolvimento de tecnologia que podem ser muito caros. Sabemos também que há investigação que é necessária nas várias ciências que tem outros tipos de retorno para a sociedade.

Por sua vez, a carreira do ensino politécnico e a do ensino universitário estimulam e promovem a investigação como um dos seus eixos essenciais para a progressão na carreira e avaliação de desempenho, mas as Universidades estão cada vez mais carentes de financiamento e de meios, para levar a cabo esta sua missão, que também muito enriquece o ensino e estabelece a relação com as empresas, o território onde se encontram e de onde podem emergir as respostas para vários desafios societais.

Será esta mais uma forma de inviabilizar o desenvolvimento que todos desejam, pedir aquilo que sabemos que não há meios para promover de forma regular?

As respostas continuam a ser insuficientes. Ter na base uma lógica de corte do investimento na investigação é uma marca que não se compreende.

É essencial repensar a Agenda da Ciência e Tecnologia para além do marketing e da imagem, pois o conhecimento científico traduz-se em contínua melhoria das nossas vidas e do futuro de outras gerações.

Queremos que a Ciência marque pela exigência e pela excelência.

 

Autora: Alexandra R. Gonçalves
Professora Adjunta da ESGHT/Universidade do Algarve e Investigadora integrada do CinTurs

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