Convento às portas de Lagoa transforma-se em “santuário” de produtos biológicos

Projeto do empresário Vitorino Pina quer também recuperar a Festa do Carmo

No século XVI, irmãos carmelitas cultivavam produtos agrícolas na quinta do Convento do Carmo, às portas de Lagoa. Não havia pesticidas e as culturas eram sazonais. Agora, passados quase 500 anos, e depois de um período de abandono, o Convento do Carmo passou a ser Convent’bio. A horta deste antigo espaço religioso voltou a ter legumes e frutos. Muita coisa mudou, mas o cariz biológico da produção não.

A Convent’bio, que vai ser oficialmente inaugurada esta sexta-feira, dia 5 de Julho, apesar de ter aberto portas em Fevereiro, nasceu pela mão do empresário lagoense Vitorino Pina, que sempre teve uma ligação emocional àquele espaço.

«O projeto surgiu de uma vontade muito grande da minha parte. Quando era pequenino, brinquei aqui nesta quinta, tem um grande valor sentimental. Temos aqui uma amoreira que deve ter uns 300 anos e lembro-me que, com 10 anos, ia comer amoras ali. Não é um projeto só a pensar do dinheiro, é um projeto para recuperar a história», disse ao Sul Informação.

 

Vitorino Pina

A Convent’bio tem uma horta, uma mercearia e um pequeno restaurante. Todos os produtos vendidos são de origem biológica, quer sejam produzidos na quinta ou comprados a fornecedores, preferencialmente locais. Há ainda pão, também ele biológico, amassado e cozido naquele espaço.

Vitorino Pina lembra que «o convento esteve abandonado durante muitos anos e, quando comprámos a propriedade, surgiu logo a ideia de fazer um projeto biológico, indo às origens do local. Quem aqui vivia praticava agricultura de subsistência, biológica. Uma vez que a terra já estava descansada e pelo facto de ser um sítio histórico, ainda se enraizou mais a ideia. Como empresário, vi que existia, cada vez mais, uma preocupação com o ambiente e com os produtos biológicos e uma tendência para o consumo destes produtos. Achei que era uma boa oportunidade de negócio».

Na quinta, há dois hectares de espargos plantados, mas «não será para consumir tudo aqui, poderá ser para exportação. Depois, temos a nossa horta biológica. Produzimos para vender no supermercado, para cabazes, que podem ser encomendados online para todo o Algarve, para revenda e para o nosso restaurante, que também só tem comida biológica. O que não temos, compramos nas proximidades, desde que seja certificado», explica o empresário.

 

O pão da Convent’bio

Apesar de este ser um espaço comercial, a Convent’bio quer assumir responsabilidades noutras áreas, como a educação ambiental. «Temos a intenção de que as famílias com crianças possam ir à horta escolher os produtos que vão comprar, colhendo-os. Temos ainda uma vertente turística, uma vez que queremos ter eventos associados às atividades agrícolas, como a desfolhada ou a dança da eira do milho».

Vitorino Pina tem também o objetivo de recuperar uma tradição que existiu no Convento do Carmo, até aos anos 70 do século passado. «Havia a Festa do Carmo, que era uma iniciativa dos agricultores. A minha intenção é recuperar a festa, que foi interrompida, por decreto da Junta Autónoma de Estradas, porque cortava a EN125 até Lagoa. Não temos muitas alternativas, mas pode ser feita através do terreno da Sanipina [empresa que também lhe pertence]. Lá mais à frente, terá sempre de apanhar um pouco da EN125 e terão de ser as autoridades competentes a aprovar».

Esta festa de cariz religioso, celebrada em Maio, partia da capela do convento, em procissão até à então vila de Lagoa.

Os primeiros cinco meses de «funcionamento experimental» da Convent’bio estão a correr «com timidez. As pessoas ainda estão a chegar e a perceber. Temos um segmento de mercado específico. Nem toda a gente gosta deste tipo de produto ou comida. São produtos mais caros. Mas os clientes estão a começar a interessar-se. Não temos feito grandes publicidades até agora. Vamos acelerar e começar a receber grupos», adianta Vitorino Pina.

Para já, foram criados sete postos de trabalho pela Convent’Bio, mas o projeto está longe de estar concluído, até porque uma das ideias de Vitorino Pina, que passava por recuperar a capela do convento, vai ter de esperar. «Lamentavelmente, a nossa candidatura a fundos europeus para a recuperação do edifício, para o negócio e criação de postos de trabalho, foi recusada. Por isso, não conseguimos recuperar o interior da capela. A nossa disponibilidade financeira acabou. É um projeto que vai ficar interrompido».

 

A horta da Convent’bio

No total, foram investidos 500 mil euros, «tudo com fundos próprios e dinheiro do banco».

Acelgas, alfaces, cenouras, feijão-verde, feijão-filé e abóboras são alguns dos produtos que estão a ser cultivados na quinta do Convento do Carmo, mas, depois, «consoante a época do ano, vamos plantar o que se adaptar melhor. A nossa maior produção é a de espargo verde, que plantámos em Fevereiro e esperamos ter alguma produção no próximo ano. Temos ainda árvores de fruto, que além de servirem para aproveitar a fruta, servem como sebe da propriedade», explica Fátima Baiona, engenheira agrónoma, que trabalha na Convent’bio.

Para garantir que os produtos não são afetados por pragas, há truques e Fátima Baiona revela ao Sul Informação alguns: o primeiro é que «não fazemos monoculturas. Temos várias plantas que dão apoio às outras. Plantamos aquilo que sabemos que vai deixar matéria orgânica para a plantação seguinte. Há plantas que ajudam a repelir as pragas. Temos, por exemplo, sebes de hortelã, porque habita lá um “montão” de bichinhos que são os amigos do agricultor. Se se conseguir perceber como a agricultura funciona, percebemos que, às vezes, os bichinhos ajudam a controlar as pragas naturalmente. Forma-se um ecossistema que se regula a ele próprio».

 

Fátima Baiona

Para já, na Convent’bio, «quem faz as compras maiores de mercearia são residentes estrangeiros, mas depois aparecem muitos clientes portugueses que estão de férias e que estão habituados a comprar, em Lisboa, produtos biológicos. No entanto, cada vez mais, o público está mais diluído e mais misto. Já há muitos portugueses a comprar o nosso pão. Já se tornou uma rotina, às terças e quintas-feiras, as pessoas virem buscar pão quente».

Apesar de, inicialmente, o pão produzido ser aquele que se apelida como «o das nossas avós», há também «um pão dinamarquês, com um sabor nórdico. Temos muitos clientes residentes estrangeiros que pedem esse tipo de pão».

Além da rotina para comprar o pão quente, os clientes da Convent’bio já adquiriam outros hábitos, nomeadamente no restaurante. «Temos o nosso menu do dia, com sopa e bebida. Depois temos em carta coisas mais simples, como tostas abertas, com o nosso pão maravilhoso, temos uma gama de outros doces, sem açúcares refinados, sem ovos e sem leite. As pessoas já sabem, por exemplo, que a lasanha é à sexta-feira e vêm de propósito para comer nesse dia», conta Fátima Baiona.

Nos planos, estão outros eventos, como «um dia da pizza, para aproveitar o nosso forno, e queremos usar uma sala que temos disponível para fazer provas e showcookings».

 

Mercearia da Convent’bio

Apesar de, para já, a maior parte das refeições ser vegetariana ou vegan, essa não é uma regra. «Somos apenas biológicos. Além de termos, por exemplo, uma tosta de cavala, estamos em contactos com um produtor, que vai fornecer hambúrgueres biológicos», revela a engenheira agrónoma.

Para quem não pode ir à Convent’bio, estão disponíveis os cabazes, «não só com os frescos que produzimos, mas também com os produtos da mercearia. Somos representantes de duas marcas biológicas. Não só de produtos alimentares, como também de detergentes, e tentamos, ao máximo, não ter plásticos. Por isso, temos vários produtos que são vendidos a granel».

Os cabazes podem ser encomendados através do site da Convent’bio ou através de telefone 960 243 226.

 

Fotos: Rodrigo Damasceno|Sul Informação

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