O nervosismo antes do início era o espelho da importância do momento que estava prestes a começar. “Muita merda!”, ouvia-se. Fora da prisão, Muxagata, Ricardo, Pelé e Manel iam ter uns breves minutos de liberdade, passados a fazer arte. Durante meses, o Teatro das Figuras foi ter com eles. Agora, foram eles a ir ao Teatro para apresentar “Entre Muros”, uma peça que mostra como, afinal de contas, somos todos iguais.
De Março a Junho, estes quatro reclusos (José Carlos Muxagata, Ricardo Branco, Manuel Alves e Pelé) participaram numa formação em teatro, ministrada dentro dos muros da prisão.
Sob o comando de Gil Silva, diretor do Teatro das Figuras, e Teresa Silva, líder da associação Ar Quente, aprenderam o que é o teatro, fazendo pequenos exercícios. Tudo culminou com a apresentação, este sábado, 15 de Junho, no pequeno auditório do Teatro das Figuras.
Ao longo dos 35 minutos da peça, o ambiente vivido na sala foi de extrema comoção. Logo no início ouviu-se a voz de Muxagata, com uma mensagem inquietante: «o tempo aqui [na prisão] é muito longo. Um dia cá dentro é como se fossem 10 lá fora».
O público ouviu e ficou a pensar, mas os artistas não deixaram de seguir o guião. À vez, cada um ia passeando pela sala, olhos nos olhos com a plateia.
Depois, disseram os nomes e idades dos colegas, como se cada um quisesse dar a conhecer o companheiro, até fazerem alguns exercícios corporais de extrema harmonia.
Em roda, apoiaram-se e abraçaram-se. Deram a ideia de serem um só. Afinal de contas, pessoas tão iguais a outra qualquer que não está presa.
Ouviu-se música, o Manel dançou e a plateia ficou agarrada à peça até as luzes baixarem por completo e tudo terminar.
Mas, para o fim, estava guardado um dos momentos mais emocionantes de toda a tarde: uma longa salva de palmas para os quatro reclusos.
Manel não conseguiu disfarçar e as lágrimas correram-lhe pelo rosto ao ver tantas pessoas de pé a aplaudir. Ricardo mantinha o olhar fixo, mas também chorava. Muxagata, idem. Já o Pelé levantava o blazer ao ar, comemorando o momento.
E, na plateia…também raros foram aqueles que conseguiram suster as lágrimas.
Caras refeitas, os quatro concordaram em como todo este projeto foi especial. «Foi uma maneira de fintarmos o sistema. Mostrámos às pessoas que também há pessoas boas dentro da prisão e que merecem uma oportunidade», disse Manuel Alves.
Ricardo, por sua vez, não escondeu o espanto perante «uma plateia que metia medo» por ter tanta gente. Muxagata, esse, tinha o «coração ainda a 200».
«Foi bom, sentimo-nos livres. Pudemos expressar-nos, comunicar, gritar, dançar. Lá dentro não tens nada. Foi uma maneira de valorizarmos a liberdade e de sair do dia a dia da prisão», acrescentou, ainda emocionado.
Agora, que tudo chegará ao fim, como será o futuro?
Gil Silva e Alexandre Gonçalves, diretor do Estabelecimento Prisional de Faro, revelaram que, dado o sucesso deste “Entre Muros”, outros projetos semelhantes podem vir a acontecer.
A semente da arte, no mundo da prisão, essa, já está lançada.
Fotos: Rodrigo Damasceno | Sul Informação
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