Parcerias mais ou menos improváveis, com sucesso

Com engenho e arte, algumas soluções precursoras de gestão e exploração do património podem trazer benefícios simultâneos para entidades públicas e privadas

Tinha pensado noutro tema para esta crónica mensal, mas factos recentes conduziram-me para a reflexão sobre parcerias de sucesso na área da cultura. Não se preocupem aqueles que costumam deixar-se levar pelo título nas suas opções de leitura pois não irei dissertar sobre as Parcerias Público-Privadas na área da saúde. O tema é mais improvável e versa as parcerias com privados em cultura.

O texto resulta de algumas mensagens recebidas nos últimos dias, mas também de algumas conversas especializadas desenvolvidas em torno das sinergias entre cultura, património e turismo.

É sobre parcerias na área do marketing e do merchandising cultural que vos falarei hoje. O papel que o Estado e as suas instituições devem ter em algumas áreas tem sido relegado para segundo plano e, por vezes, para discussões laterais, superficiais e até ideológicas, sem apresentar dados concretos.

Na cultura, em regra fala-se em estatização versus privatização. Não é essa a discussão deste momento, mas sim a importância de estudar, apresentar e executar soluções alternativas, que resolvam problemas concretos, com equilíbrio e bons resultados.

De facto, esse foi também um dilema presente em algumas conversas e decisões sobre a Loja do Promontório de Sagres durante vários meses, num passado recente. As dificuldades inerentes à renovação da imagem e dos produtos e ao recrutamento de pessoal, sobretudo por falta de capacidade de investimento, assim como a convicção de que esta era uma missão lateral da entidade a essa altura, levou à tomada de decisão de estudar e trabalhar um modelo que possibilitasse a concessão da Loja da Fortaleza de Sagres a outra entidade.

Em agosto de 2018, este processo estava fechado e a Direção Regional de Cultura do Algarve assinou o contrato de concessão da Loja da Fortaleza de Sagres, após concurso público, com a empresa Mapa das Ideias-Edições de Publicações, Lda.

Essa concessão da exploração foi assinada pelo prazo de 60 meses, sendo que a empresa é também a detentora da exploração da loja do Museu de Marinha em Lisboa, o que lhes confere escala, know-how e uma profunda capacidade para adequar a mensagem e o marketing junto dos seus visitantes. Os resultados foram desde logo muito positivos e os receios iniciais ultrapassados.

O caderno de encargos, os direitos e os deveres das partes e o programa do concurso beberam de outros exemplos, mas também do pensamento de uma equipa.

Foram estabelecidas as regras de exploração e previram a melhor prossecução da atividade comercial, com o respeito pelo monumento nacional e contribuindo de forma inquestionável para a atratividade do monumento mais visitado a Sul do Tejo.

No dia 1 de outubro de 2018, a Mapa das Ideias abria uma loja renovada, com toda uma nova linha de merchandising cultural dedicado e incluía uma instalação escultórica de Marc Parchow extremamente bem enquadrada e em consonância com o espírito do lugar, com o nome de “Impermanências”, que agora veem reconhecidos pela Associação Portuguesa de Museologia.

Na senda do mesmo tipo de pensamento, em 2017, o Padre Miguel Neto, pároco de Tavira e diretor do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve há vários anos, criou uma empresa em Tavira, a Artgilão – Atividades Religiosas e Turísticas de Tavira, Lda., que se dedica não só à comercialização das entradas para os visitantes em várias igrejas da Paróquia, como também à exploração da loja associada.

Para a criação da sua própria linha de merchandising, a Paróquia tem vindo a desenvolver parcerias com artesãos locais, que combinam materiais e recursos endógenos da região com design que se inspira em elementos originais do próprio património azulejar, e assim recriam com exclusividade propostas de novos produtos.

O pároco Miguel Neto confessou-nos, numa conversa aberta com as alunas do Mestrado em Turismo, do ramo de Cultura e Património, que nem sempre foi fácil o percurso de associar a necessidade de criar uma empresa, à missão da Paróquia.

No entanto, a necessidade de conservar e restaurar o património, e ao mesmo tempo, gerar receitas que possibilitassem responder a essa necessidade levou a esta solução, que tem vindo a encontrar outros parceiros.

A empresa, para além de contar com o Padre Miguel Neto como sócio gerente, integra quatro funcionárias, duas das quais técnicas de conservação e restauro do património, gerando, portanto, novo emprego.

Os novos projetos em curso da Artgilão incluem o cartão conjunto de visitas ao Centro Histórico e a outras igrejas com a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, a conceção de exposições em parceria e um novo núcleo museológico, em fase de conclusão, na Igreja de Santa Maria do Castelo, que irá expor com bastante dignidade o seu acervo de arte sacra.

Acrescenta-se deste modo, atratividade e informação ao património artístico de valor do local, valoriza-se um importante monumento nacional, e contribui-se para a valorização da oferta turística e patrimonial da cidade de Tavira.

Estas propostas e soluções resultaram dos esforços de várias pessoas, da sua competência técnica e devido acompanhamento, e conheceram resistências, pois têm associadas mudanças de atuação e de procedimentos, mas conheceram também empreendimento e resiliência.

Podemos mesmo concluir que, com engenho e arte, algumas soluções precursoras de gestão e exploração do património podem trazer benefícios simultâneos para ambas, entidades públicas e privadas.

Fazem-se votos para que os bons resultados continuem e muitas outras soluções de sucesso sejam encontradas. Dá-lo-emos a conhecer!

 

Autora: Alexandra R. Gonçalves
Professora Adjunta da ESGHT/Universidade do Algarve e Investigadora integrada do CIEO

 

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