E no monte da Lagoa Saborosa se irá evaporar mais uma temporada do Lavrar o Mar

Seis espetáculos de arte comunitária a perseguir o sopro presente nas coisas vivas

A partir de cinco fotografias antigas publicadas no livro “Aljezur 1869~1969 | memórias”, Madalena Victorino e André Duarte, em conjunto com cinco bailarinas-atrizes, criaram, no Monte da Lagoa Saborosa, o espetáculo Eva Poro #2.

A estreia é amanhã, dia 17, continuando nos dias 18, 19 e 31 de Maio, bem como a 1 e 2 de Junho, neste monte escondido algures na serra do Espinhaço de Cão, a quatro quilómetros da aldeia da Bordeira (Aljezur). Haverá dança, música, fábulas, mulheres adultas e mulheres crianças, «animais de brincar que se misturam com animais verdadeiros (cão, cavalo, javali) e animais improváveis (girafa, rinoceronte), ditados pela imaginação», como revelou a coreógrafa Madalena Victorino ao Sul Informação, que ontem à tarde acompanhou um dos ensaios.

No meio de tanta mulher, o único homem é André Duarte, ou seja Júnior, o músico que agora vive ali perto, sendo um dos fundadores dos Terrakota e já se tornou um criador habitual nos projetos Lavrar o Mar. De guitarra elétrica em punho, irá pontuando momentos deste espetáculo que se faz à volta do monte e dentro das suas seculares paredes de taipa.

Dentro dos vários espaços deste monte agrícola, abandonado há dezenas de anos – «deu muito trabalho limpar e preparar tudo», explica a Catarina – serão contadas as oito fábulas, que marcam a «transmissão oral da mulher para a menina». São «fábulas construídas e inventadas a partir dos materiais daqui. As crianças brincam com o que têm: garrafas, pedras, terra, tabuleiro, caixa de fruta, serapilheira», explica Madalena Victorino.

Neste momento do espetáculo, o público – 80 pessoas de cada vez – vai entrar, dividido em grupos, dentro dos vários espaços das casas. «Aqui onde estamos era a casa da palha e do feno, ao lado do estábulo», mas há ainda a casa do carro, a casa amarela, o forno, a casa de viver, a oficina, a destilaria, a pocilga.

 

A partir das cerca de 50 fotografias do tal livro que recolheu imagens antigas de Aljezur, em especial a partir de cinco delas, «fomos escrevendo ficções, que resultaram num conjunto de peças nossas», que serão dançadas, interpretadas, cantadas, tocadas nos espaços à volta da casa, ao ar livre.

«Como na foto que mostra a inauguração da Escola Primária de Aljezur, nos anos 30, o espetáculo começa com uma inauguração. Tem a ver com o isolamento do regime. Depois temos a monda do arroz na várzea, feita só por mulheres, isoladas dos homens. As crianças vão estar vestidas como este menino. E, como se vê em cima desta mesa numa festa, vamos comer filhoses e beber cerveja preta. No fim, fecha com o beberete», conta Madalena Victorino, enquanto vai percorrendo entre os dedos pequenos cartões com as tais cinco fotografias.

Todas as imagens remetem, de alguma forma, para o isolamento, «o isolamento das pessoas que aqui viviam e que levou ao desenvolvimento da imaginação».

Por isso mesmo, outra inspiração de Eva Poro #2 é a «Festa do Vidigal, uma festa que aconteceu num monte de Aljezur, há dezenas de anos, e que resultou na morte coletiva das pessoas que nela participaram. Nunca se soube muito bem o que lá aconteceu. Neste isolamento muito grande, por vezes acontecem coisas muito estranhas, há muitas perplexidades entre estas paredes».

E, como em Eva Poro #1, também agora haverá animais. Os verdadeiros – uma égua, cães, talvez javalis (na realidade porcos cruzados com javalis) – são trazidos pela guardiã dos animais Nídia Barata. E o «talvez» em relação aos javalis é porque, apesar de mansos, estes bichos nunca viajaram de carro…e a primeira tentativa de os trazer da quinta onde vivem até ao Monte da Lagoa Saborosa não correu bem…

Mas Madalena Victorino fala da «relação muito forte com os animais, nos corpos das bailarinas».

O espetáculo, revelou a sua criadora, «é sempre atravessado dessa tal estranheza, o ambiente está cheio de segredos. Como quando olhamos para estas paredes de taipa e vemos que são feitas com terra e pedras e parecem-nos simples. Mas depois olhamos bem e vemos fendas onde se esconde muita coisa, vemos os poros da parede que são também os poros da pele. Daí Eva Poro».

 

Além de um grupo de fabulosas bailarinas adultas, que também cantam ou tocam saxofone, há um grupo de onze meninas, dos 5 aos 15 anos e de várias nacionalidades: portuguesas, checas, eslovacas, francesas, inglesas, holandesas. São crianças que moram nas redondezas e que Madalena Victorino convidou para integrar o espetáculo.

A música foi criada por André Duarte/Júnior e por Ana Raquel Martins, saxofonista e bailarina. «A música insufla a dinâmica, os mistérios e a alegria de cada uma das peças. Há também muito canto, por causa da respiração e do sopro. Canto, sopro, respiração como modos de construir o mundo. O único homem é o Júnior e ele vai infiltrando o som nas peças».

Desta vez, Eva Poro será apresentada apenas aqui, no Monte da Lagoa Saborosa (que nome fantástico e apropriado!), ao fim de quatro quilómetros de uma estrada poeirenta que sai do largo da Bordeira. Não haverá espetáculos em Monchique. «Não consegui encontrar o sítio certo em Monchique…era mais sensato fazer esta opção», admite, com alguma mágoa, Madalena Victorino.

E assim, a partir de amanhã e em seis sessões, este espetáculo que marca o fim da terceira temporada do projeto Lavrar o Mar vai apresentar-se ao ar livre, sempre às 17h30. O ponto de encontro será o largo da aldeia da Bordeira, de onde os 80 espectadores de cada sessão seguirão depois, «no mínimo de carros possível», pela estrada de terra até perto do monte, onde entrarão após uma curta caminhada. Todo o espetáculo, que dura duas horas, é ao ar livre, pelo que a produção recomenda «calçado adequado para caminhar». E nem é preciso recomendar que se leve os olhos, ouvidos, alma, bem abertos para absorver toda a maravilha de Eva Poro #2.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

BORDEIRA – ALJEZUR
17. 18. 19. 31 MAI 1. 2 JUN
sex a dom. 17h30
Ponto de encontro: Bordeira

DURAÇÃO: 2h aprox
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: M/6+
não será permitida a entrada a crianças menores de 6 anos

BILHETES:
7€ Público em geral (+12 anos)
5€ Crianças até 12 anos

Compre BILHETES clicando aqui

BILHETES À VENDA TAMBÉM EM:
Monchique – Biblioteca Municipal
Aljezur – Casa Lavrar o Mar – Rua João Dias Mendes

*Recomendamos calçado confortável e roupa adequada para caminhar cerca de 15 min no campo, até ao local de apresentação do espetáculo.

 

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

CRIAÇÃO: Madalena Victorino e André Duarte
CONCEITO, DRAMATURGIA E COREOGRAFIA: Madalena Victorino
COMPOSIÇÃO: musical André Duarte
TEXTOS: Annie Greig
CO-CRIAÇÃO COM: Alice Duarte, Ana Raquel Martins, Ana Root, Arantxa Joseph, Beatriz Dias, Marta Jardim, Nídia Barata
DIREÇÃO TÉCNICA E DESENHO DE LUZ: Joaquim Madaíl
GUARDIÃ DOS ANIMAIS: Nídia Barata
COM A PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: Alya Martins, Beatriz Gaspar, Indigo Randizek, Lia Neves, Luna Randizek, Luz Franco, Maia Neves, Naoli Gallet, Pavlinka Malá, Saar Huizinga, Zia Martins

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS:
Srª Engª Margarida Alves – Proprietária do Monte da Lagoa Saborosa / Bordeira
Sr. Valentim – Pastor
Todos os envolvidos na produção do livro “Aljezur 1869-1969 Memórias”

 

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